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    Na manhã do dia 29, o céu exibia nuvens acinzentadas, criando um clima que, embora não tivesse trazido chuva, era frio o suficiente para causar tremores em quem habitava os arredores da capital. Ventos fortes invadiam as ruas e becos, balançando telhados e janelas, levando consigo tudo o que encontravam pelo caminho. Pequenos entulhos de lixo voavam como folhas, impulsionados por uma força que se tornava cada vez menos sutil.

    E no distrito Gou, o quinto, famoso por seus enormes prédios comerciais, o paredão de nuvens cinzas pairava sobre o majestoso Domus-Dei, o enigmático e milenar prédio que abrigava a ordem dos exorcistas. Esse edifício, todo envidraçado e inabalável, enfrentava a ventania com uma imponência que desafiava até os eventos mais poderosos da natureza. Entre todos os arranha-céus da região, ele era o maior.

    Enquanto os sopros caóticos da natureza dominavam lá fora, o interior do edifício oferecia uma vista deslumbrante de Aurora, que lançava sua luz dourada sobre toda a cidade. O céu acima das nuvens brilhava em tons amarelados, como se tivesse sido tingido de ouro. Um mar de outros arranha-céus, de variados tamanhos e formas, também se destacava na paisagem.

    Essa era a vista de um magnata, trajado em um terno preto impecável. Um crucifixo de prata sobrenatural reluzia em seu pulso, refletindo a luz enquanto ele saboreava um vinho pomposo e caríssimo — 325 mil ienes por garrafa — em uma taça adornada com diamantes. Diante da enorme vidraça que separava o interior do prédio do exterior, a luz intensa era suavizada, protegendo os olhos mais sensíveis.

    Ele se encontrava no septuagésimo oitavo andar, onde ficavam os luxuosos quartos dos líderes: os nove homens mais influentes do mundo, que comandavam o exército mais poderoso de Crea. Seu olhar, frio e impenetrável, refletia a mesma imponência do ambiente ao seu redor. E através da vidraça, era possível enxergar o reflexo de alguém às suas costas, sentado pacientemente no sofá, segurando uma taça retirada da mesa de centro e aguardando, em silêncio, que o magnata falasse.

    — Sr. Souza, teve certeza de que ouviu essas palavras da boca de Romero? — perguntou, soltando um suspiro profundo enquanto o fitava de lado.

    O homem sentado no sofá de couro, posicionado atrás da mesa, com a garrafa do caríssimo Roi des Rois à sua frente, trajava um sobretudo que lhe conferia a elegância de alguém mais velho e parecia calmo. Sua calvície contrastava com a imponência de sua presença. Apesar de cego de um dos olhos e com uma expressão severa, seu olhar irradiava uma paz inigualável.

    — Ouvi — respondeu finalmente, com a certeza transbordando de sua voz. — Infelizmente, conheço o suficiente para perceber a verdade que está em seus olhos. Mas me diga, você vai acreditar em mim ou não?

    Sua mente era afiada o suficiente para cortar caminho pelo labirinto em que estava sendo conduzido.

    — Eu sei, vocês, homens filósofos e sonhadores, têm uma ligação diferente de nós, os poderosos e vulgares! — dramatizou, afunilando o olhar para captar somente a verdade nos olhos de Gabriel. — Mas quem sou eu para duvidar? Aliás, você já me deu motivos suficientes para confiar em você!

    Ele deu alguns passos à frente e bebeu todo o vinho restante de uma vez, apoiando-se nos braços do sofá enquanto o fazia.

    — Ótimo… excelente! Só…

    — É, eu sei! Acredite… é mais difícil para mim do que para qualquer outro ter que te alertar sobre isso…

    Sua voz escapou entre suspiros, carregada por um peso que agitou seu peito. Ele havia enfrentado algo significativo para ter que revelar aquilo… Talvez o amargor da desilusão, ou a lenta tortura do desamor.

    — Bem, eu irei alertar o conselho, como pediu, me atirando aos leões! — Sem medo em seu olhar, apesar de ter que acusar diante de outros nove como ele. — Mas entendo você; sou o único maluco capaz de dizer isso com determinação. Você me considera louco, não é?

    — Louco? Não, talvez não! Apenas um… suicida social! — admitiu, com a serenidade de um monge budista. — Mas os Regnianos são assim, não são?

    — São! Nascer nas terras gélidas, é praticamente um atestado de loucura! — brincou, balançando a taça vazia antes de colocá-la sobre a mesa.

    O homem soltou uma risada forçada diante da tentativa de humor, mas logo engoliu em seco, levando a mão aos lábios como se precisasse conter algo antes de continuar:

    — Mas um suicida social? É, até que gostei disso…

    — Enfim, peço que dê a devida atenção. Eu… entendo os ideais de meu amigo, mas o mundo já está… um caos, não? — indagou.

    Ele teria selado o destino de quem acusou?

    — Sim, acho que você, mais do que ninguém, sabia das consequências dos pensamentos dele! Se Romero realmente quer mudar o mundo, terá que agir como um tirano autoritário. Ter sangue nas mãos. O que você acha que o levaria a esse ponto? Vocês dois são pacifistas, não? Ou… Apenas homens de fé? Sem ofensas, é claro!

    — Ele mudou desde o ocorrido com o garoto; sua percepção sobre o mundo não é mais a mesma — parou e, então, se sentiu livre para julgar. — Eu ainda sou, mas ele… creio que não!

    — E a dele está errada? — Sua sinceridade revelou que a pergunta não saiu da melhor forma. — Quer dizer, não que eu estivesse tentando concordar…

    — Não sei, não me importo. Se ele buscar a matança, estarei na oposição, é isso! — afirmou com determinação. — Não costumo refletir demais sobre um conflito subjetivo quando as coisas chegam a um nível de risco! Afinal, a subjetividade não é nada mais do que um discurso cético à ação, não?

    — Entendi, e o Rasen? Assim como os demais alunos dele… sabe se mais alguém compartilhava da mesma visão?

    — Bem, não sei; só sei que esse Romero não hesitaria em sacrificar a si pelo que acredita. Vi isso em seus olhos, senhor Moreau… — Por fim se levantando do sofá e fitando-o com seriedade. — Então, por favor, faça isso valer a pena!

    — Entendido. Pode contar com boas notícias em breve! — respondeu, confiante, acompanhando-o até a saída e erguendo a taça transbordando vinho ao olhá-lo uma última vez. — Um brinde a nós!

    Seus olhos o percorreram discretamente, dos pés à cabeça, enquanto ele observava fixamente o corredor após abrir a porta.

    — Disponha!

    O interesse era nítido em seus olhos, mas, como um bom degustador de “vinhos”, sabia discernir quais “garrafas” eram compatíveis. Tendo a certeza de que essa não era…

    Que desperdício.

    Quando Gabriel saiu, se deparou com quem menos esperava naquele dia. À sua frente estava o maior prodígio da geração, ou quem se intitulava como tal — o mais jovem a se formar na academia.

    — E aí, como foi lá, cabeça de ovo? — perguntou, cheio de sarcasmo.

    Ele estava apoiado nas paredes do corredor, encarando-o com descaramento. Seus cabelos, como de costume, estavam bagunçados e suas vestes sujas, pois acabara de retornar de uma missão. No entanto, havia uma chama incandescente em seu olhar.

    — Ah, Jigoku… — murmurou, revirando os olhos ao vê-lo. — Cabeça de ovo? — perguntou, confuso.

    — Sim, exatamente. O que aquele charlatão te disse?

    Esse pirralho força…, Pensa.

    — Bem, sobre isso, ele ia fazer algo… mas não deu muitos detalhes, só fez perguntas. E você, não tinha uma missão?

    — Eu? Ah, já concluí!

    Gabriel se surpreendeu e sorriu de lado diante das palavras do “garoto”.

    — Já? Você realmente é um prodígio; pena que tem essa mentalidade…

    — Meh, eu sou um prodígio, um exorcista perfeito. Não vem baixar minha bola, oh, vovô! — respondeu, colocando os braços para trás do pescoço e encarando o fim do imenso corredor. — Um dia vou ser um exorcista grau celestial, como você. Então, você terá que aguentar!

    — Nem parece ter 21 anos… — Segurando seus ombros e surpreendendo-o, enquanto uma sensação de paz emanava de seu ser. — Mas mal posso esperar por isso!

    — Cara, você é tão maneiro que nem parece careca… — tentou provocá-lo, mas só conseguiu arrancar uma risada forçada. — Você nunca fica irritado, né?

    Sua indiferença era notável.

    — Me irritar? Acha que eu nunca lidei com pirralhos chatos? — disse, soltando-o e avançando pelo piso vinílico.

    — Aff… Tá bom, mas uma hora você perde essa pose toda — respondeu, seguindo-o. Diferente do homem, desfilava como um cavalo cheio de coragem em seu peito.

    Gabriel suspirou profundamente, percebendo que deveria aceitar o fato: era como um carrapato.

    Mas isso era apenas o começo de um longo dia…

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