Índice de Capítulo

    Com passos decididos, avançava até a oitava porta do estreito corredor, onde o branco das paredes, combinado com o piso vinílico, criava uma sensação de purismo, uma aura de tranquilidade e serenidade que acompanhava sua jornada.

    A atmosfera perpétua evocava a mesma sensação que lhe causava, como se materializasse o que existia nas profundezas de seu coração.

    Toc, toc! Bateu duas vezes, após um suspiro profundo, e o som reverberou de forma sinfônica, quebrando o silêncio puro que permeava o ambiente.

    — Entre! — A voz abafada e grave ecoou de trás da porta e, com um tom brincalhão, acrescentou: — Demorou, hein!

    Enquanto as palavras fluíam, entrou sem hesitar. O cenário diante de si era familiar e, ao mesmo tempo, revelador: seu amigo de anos estava relaxado na cama, trajando o mesmo sobretudo pesado e os coturnos desgastados, que mancharam os lençóis alvos como a neve.

    Entre os dedos firmes, um livro peculiar, cuja capa e título carregavam um mistério. Observou-o por um instante antes de quebrar o silêncio.

    — Trabalho! Estou sempre com a cabeça cheia e a agenda lotada. Mas ando menos sumido que você…

    — Trabalho, sempre trabalho!

    Desviou do comentário, soltando uma risada sem graça, como se tentasse aliviar a tensão, mas a leveza do momento parecia escapar-lhe entre os dedos.

    O tato de seus dedos ocupou-se com as páginas do livro. O título, gravado em dourado e cercado por linhas que se entrelaçavam em uma espiral, destacava-se:

    “Simulacro em Espiral: Uma Jornada pela Realidade Alternativa”

    A obra era assinada pelo filósofo idealista Klaus Schattenstein, um nome marcado tanto pela infâmia quanto pela vileza. Nascido nas terras áridas e cruéis de Regnum, entre as montanhas da Germia, cuja vida se entrelaçou com as sombras de sua própria criação. E foi lá que terminou seus dias de maneira miserável, um eco de sua própria doutrina, perdido nas ruínas de suas próprias ilusões.

    — Ah, sim, ele nunca me abandona. Cada vez que me deparo com um formigueiro, é irresistível cutucá-lo! — disse, com um sorriso despreocupado, como se não estivesse entregando a cabeça de seu amigo em uma bandeja, tão natural quanto o ar que respirava.

    — Irresistível, é? Culpa sua por se meter em mais de um sistema disfuncional!

    Enquanto o criticava, os olhos do visitante finalmente voltaram para o ambiente ao redor.

    O quarto estava praticamente vazio, como se refletisse a própria ausência. O guarda-roupa, entreaberto, deixava à vista sua completa desolação, sem roupas. A bancada de livros, usualmente cheia de volumes, estava agora desprovida de qualquer coisa que sugerisse leitura ou interesse. Em seu lugar, dezenas de caixas de papelão lacradas ocupavam o chão, como se aguardassem algo que nunca viria.

    — Além disso, quem foi o gênio que decidiu colocar um pacifista para cuidar do policiamento desse caos? — continuou a comentar com ironia, fechando finalmente o livro e lançando um olhar direto ao amigo, que não via há dias. — Ainda bem que você não tem mais cabelos para perder…

    — né? — brinca.

    O outro ri, acompanhando a provocação, mas logo seu sorriso hesita ao perceber a ausência do crucifixo em seu pescoço.

    — Temos que tentar mudar algo, não é mesmo? — diz, sentando-se à beira da cama e relaxando os ombros. — Mas e você, o que anda aprontando? Ouvi dizer que não tem aceitado trabalhos ultimamente. Já está rico, é? De férias?

    Sua pergunta paira no ar, mas as palavras não se dissipam; elas permanecem, gélidas, ecoando na mente do amigo como um lembrete incômodo, até que algo nele se rompe, disparando um gatilho.

    — Isso nunca muda… não desse jeito… — murmura, com um sorriso meio forçado que mal esconde o que sente. Os olhos, agora tingidos de intensidade, como os de uma fera prestes a atacar. — Bem, sobre as missões… me desvinculei da ordem. Não sou mais um exorcista. Servus Semper, nunca mais!

    Há tanta verdade crua em seu olhar que o exorcista mal consegue se surpreender.

    — Sério? — pergunta, franzindo o cenho. — Ser exorcista, salvar a humanidade… não era sua verdade?

    — Era… — com a voz carregada de um cansaço profundo. — Mas não vejo mais sentido nisso. Qual é, não é difícil perceber. A ordem, no final, são apenas paredes de concreto onde matamos os demônios dos outros, mas nunca acaba! — Sua frustração transborda em cada palavra, como uma ferida aberta. — Pensei que, ao me tornar exorcista, poderia mudar o mundo, mas o mundo, as pessoas… em sua maioria, não querem mudar!

    — E nunca vão querer, assim é a humanidade… Ideais como os nossos são como peixes deslocados em um grande oceano… — interrompendo suas palavras com a voz pesada de resignação. Depois de um suspiro exausto, ele continua: — Mas, saindo da ordem, o que quer fazer? Vai jogar a toalha? Se isolar nas colinas? Não estava com um grande plano para mudar tudo?

    Diante disso, a inquietude transborda, como uma sinfonia de pensamentos dissonantes, ecoando nos gestos e nos olhos, mesmo que não diga nada. Então, de repente, se ergue em um salto, as caixas ao redor tremendo ao serem empurradas por seus pés.

    — Continuo! — declara, com uma intensidade que corta o ar. — Mas nenhum líder irá me apoiar. Estão sentados em suas bundas sobre o ouro, suas panças gordas cheias de fartura. Não há sofrimento para um nobre, meu amigo…

    Com um movimento decidido, guarda o livro na prateleira vazia, como se aquele gesto encerrasse sua declaração.

    — Você discorda?

    Então se vira, os olhos fixos no outro.

    — Não, mas, de qualquer forma, você sabe que, aqui ou em outro lugar, não muda o fato de ser algo irreal… — argumenta, tentando trazer mais lucidez à conversa. — Quero dizer, sua luta será um atentado à própria vida, nadar contra a correnteza!

    — Não muda? — retrucou, franzindo o cenho como se questionasse a lógica daquela afirmação. — Não consigo ver isso agora… Mas, enfim, não é aqui, limpando casas e a sujeira dos outros, que irei compreender como fazer isso melhor.

    Ao dizer isso, algo em seu olhar chama a atenção.

    Por um instante, o traço de Romero, que parecia ter-se dissipado com o tempo, ressurge com força: a determinação incansável.

    — Estou contemplando o simulacro perfeito que mencionei… transformar tudo como o vazio se transformou neste mundo. Restaurar Crea como um lugar puro novamente!

    Suas palavras carregam um peso quase profético, um eco de algo maior do que eles mesmos, insano e igualmente grandioso.

    — Watanabe sentiria orgulho… — Levantando-se, claramente exausto do assunto. — Mas, independentemente do que eu pense, sinto muito por não poder compartilhar deste fardo contigo, como prometemos há muito tempo! Um seria o degrau do outro…

    Seus olhares, carregados de uma cumplicidade que só irmãos de alma poderiam compreender. Por um momento, o silêncio fala mais alto que as palavras, antes que a resposta venha, carregada de uma convicção inabalável.

    — Arrependimento não é para os sonhadores, Gabriel. Este é o meu fardo, que deveria ter assumido desde que renasci no árido deserto de Shamo…

    Com um movimento calmo e sutil, desliza as mãos nos bolsos, fazendo um som metálico ecoar suavemente. Retira o crucifixo e o estende para ele, que, tomado pela surpresa, mal consegue fechar a boca.

    — Guarda para mim? Quero, ao menos, deixar uma marca de nossa amizade, meu irmão… — sussurra.

    — Irei guardar… Diego Romero, meu irmão…

    Essa tragédia, em sua forma mais crua, não era um simples Judas e Jesus; era a traição que selava a alma do homem àquilo que ele acreditava serem seus ideais.

    E, minutos depois, já está fora dali.

    Agora sozinho, caminha em direção ao elevador, mergulhado em seus próprios pensamentos. Quando o característico “ding” soa, ele emerge no imponente salão do primeiro andar, onde a grandiosidade do local o envolve por completo.

    O vasto e movimentado térreo se abre à sua frente, evocando a sensação de uma ala de espera com proporções quase aeroportuárias. Exorcistas de diferentes graus de importância circulam entre os transeuntes, suas presenças marcadas por olhares cansados e posturas resolutas.

    No centro daquele frenesi organizado, uma obra-prima inestimável domina a atenção de todos que passam. A pintura, assinada pelo renomado Leonardo da Vinci, conhecido como o Artífice Cosmológico, é uma relíquia singular que remonta à época da construção do edifício. Sua presença, imponente e enigmática, carrega consigo uma história tão antiga quanto o próprio local, imortalizando o delicado equilíbrio entre arte e propósito.

    A peça retrata Elum, o criador, em toda a sua majestade. Sete braços se destacam em sua figura, cada um simbolizando os contos míticos que cercam sua lenda. Três mãos seguram objetos: na mão superior esquerda repousa a Gladius Divinus Astra, a adaga forjadora do mundo; entre as duas mãos medianas à esquerda, uma segura a taça contendo as chamas da criação, Ignis; e abaixo, entre os quatro braços restantes à direita, ele sustenta o mundo em sua forma primordial, concebido a partir de seu vasto e eterno Imaginário.

    Seu corpo é envolvido por brilhos cintilantes que representam as estrelas, enquanto um vazio negro e absoluto preenche seu interior, evocando o mistério do desconhecido e sua real natureza incompreensível. Entre os homens modernos e os prédios que tocam os céus, caminha, vestindo panos divinos, com as nuvens curvando-se em reverência. Em sua cabeça, cercando seus cabelos longos e sua coroa, irradia a derradeira luz, o sabor do que passa, passou e passará.

    Tal pintura, estrategicamente localizada no centro do espaço, divide o salão quadrangular. À frente, a saída é ladeada por amplas janelas de vidro que deixam a luz natural preencher o ambiente. À esquerda, encontra-se um restaurante reservado aos membros da ordem, enquanto, à direita, há uma recepção luxuosa com a sofisticação de um hotel cinco estrelas, completando o cenário que mistura funcionalidade, crença e simbolismo.

    E, no que há de mais fútil no mundo material, a beleza — força que seduz os homens, enredando suas almas e distorcendo sua percepção do que é verdadeiro.

    Ele encara tudo aquilo, imerso em pensamentos confusos, sem saber ao certo qual será seu próximo passo. De repente, um assobio familiar ecoa à sua direita.

    Lá está Masaru, encostado de forma descontraída na parede entre os dois elevadores, aguardando por ele com um sorriso travesso.

    — E aí? Chorou muito? — provoca, contrastando com o peso que ele carregava.

    Por um momento, parece ainda perdido em suas reflexões, os olhos fixos em um ponto distante.

    Como consegue ser tão inconveniente?

    Mas, aos poucos, o gracejo rompe a tensão, arrancando-lhe um sorriso sutil, quase involuntário, que suaviza sua expressão.

    — Você sempre será assim, né?

    — Graças a Elum, sim! — Esticando-se preguiçosamente contra a parede, como se o peso do mundo não o tocasse. — E você?

    — Claro… já estou velho demais para mudar… não? — murmura, com um tom fúnebre que carrega algo quebrado e perdido, enterrado nas profundezas de seu coração.

    — Que papo furado!

    — O que disse? Seu pirralho…

    — Disse que você está de papo furado, muito careta, saca? — Com um sorriso desafiador, os olhos brilhando com uma mistura de travessura e malícia. — Então que tal uma missão comigo? Um rolê aleatório… algo para quebrar esse clima de enterro.

    Gabriel não responde imediatamente.

    Será? Permanece pensativo, cerrando os punhos enquanto uma batalha se desenrola dentro de si. Seus ombros se erguem, um gesto sutil de hesitação.

    — Um rolê? Não… mas acho que cabe uma distração. Que tal irmos até o distrito fantasma?

    — Wow, agora ouvi uma boa ideia! — Claramente entusiasmado. Seus olhos brilham com excitação, enquanto lança um olhar rápido para a saída, tão cheio de energia que parece prestes a disparar como um míssil. — Mas… achou que eu estava falando do quê?

    — Não sei… pessoas, bebidas…

    — Eca! Pessoas? As únicas que me fazem brilhar os olhos são as abstratas, a morte e a adrenalina!

    — Quê?

    Esquisito, admita que pensou…

    — Você ouviu, velho! E é bom que você veja como um exorcista de verdade luta! — conclui, cheio de confiança, a energia irradiando de seu corpo como se estivesse prestes a explodir.

    Logo, logo, o veremos em ação!

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