Capítulo 9 - Possessão
Voltando para seu apartamento, Yami finalmente cessa sua agonia de ser antissocial. Ele adentra com pressa, fechando a porta atrás de si com estrondo; nem esperou que o sistema inteligente fizesse sua função. Passos apressados ecoam pelo espaço vazio até a sala, onde, ofegante, puxa as cortinas com força, mergulhando o ambiente em penumbra.
— Luz… agora, até a luz me irrita! — Sua voz, uma taça cheia até às bordas de frustração e exaustão.
E atrás, a sombra negra de Azaael começa a se desdobrar, serpenteando pelo chão como fumaça até ganhar forma.
— Ela te incomoda, pirralho? — Soa como um sussurro irônico, logo seguido por uma risada macabra que reverbera por todo o local, como a risada de um sádico para sua vítima indefesa. — É agoniante, não é? Sentir sua pele formigar, como se cada raio fosse um aviso… e então perceber que está cedendo diante de algo que nem pode enfrentar…
Mas mantém o olhar fixo nas cortinas fechadas, os punhos cerrados, enquanto a presença da entidade parece pesar cada vez mais sobre ele.
— Foi você?
— Eu? Não, qual é, pirralho, temos um contrato, não temos? — Com desdém. Ele começou a caminhar pela casa, sua figura se perdendo na escuridão, embora os passos ecoassem claramente. — Mas, sabe como é… isso aí pode ser um efeito colateral.
Fez uma pausa, soltando uma risada zombeteira.
— Efeito colateral? Anos depois?
— Ou talvez um atraso na sua puberdade… — interrompeu, sempre encontrando espaço para suas provocações, como fazia toda vez.
— Imbecil!
O comentário ácido foi recebido com uma risada ainda mais sarcástica da criatura. Parecia deleitar-se com o desprezo no rosto do rapaz, que fechou ainda mais a expressão.
— Mas, deixando isso de lado… quando nos unimos, eu lhe disse que podia sentir seus sentimentos, lembra? De certa forma, eles se misturam. Talvez, por carregar duas almas, seu corpo esteja lutando para entender o que você realmente é…
— Minha alma? Droga… essa merda é complexa demais! — Atirando-se contra o sofá com um suspiro pesado. Passou a mão pelos cabelos, frustrado, antes de perguntar: — Será que isso vai me impedir?
— Impedir? Não seja tolo, Yamasaki!
A voz dele soou mais próxima, enquanto ele ressurgia atrás, suas mãos fantasmagóricas pousando nos ombros do rapaz. A sensação era como se as unhas da criatura perfurassem sua pele.
E não pôde deixar de notar a palidez sinistra da pele da entidade, que parecia mais corpórea do que um simples amontoado de sombras.
— Sua vingança já está garantida por mim — continuou, em sussurro venenoso. — Tudo o que precisa fazer é esperar.
— Só esperar? Sei…
Então, quando menos esperava, as mãos geladas o soltaram. A besta recuou, seus passos ecoando até se fundirem à escuridão. Tudo o que restou foram seus olhos, brilhando como brasas incandescentes, fixados nele com uma intensidade insuportável.
Mas o que fez? Apenas o ignorou.
E então, pegou o controle remoto jogado no sofá e ligou a televisão, buscando algo que pudesse distraí-lo, afastando os pensamentos inquietantes e o tédio da interminável espera.
Na tela, uma transmissão ao vivo captou sua atenção: o representante da ordem espiritual, Kyotaka Shibata, respondia às críticas feitas pelo governador metropolitano, Shinzo Abe. O anúncio do evento ecoava com um tom formal e tenso.
— Hm… o que o velho vai dizer? — murmurou para si, recostando-se no sofá enquanto observava a comitiva passar pela tribuna com passos firmes.
A transmissão logo foi interrompida por um pequeno corte, voltando para os jornalistas que apresentavam o jornal oficial, transmitido para toda Aija.
Na tela, um homem grisalho de expressão séria estava ao lado de uma jovem mulher de aparência confiante. Ela indagou com um tom incisivo:
— Segundo a ordem, 78% dos casos sobrenaturais são resolvidos, o que demonstra a eficiência dos exorcistas em lidar com o mal. No entanto, como bem apontado pelo governador, em 39% dos casos há registro de fatalidades, e em 51% deles ocorre a destruição de bens materiais significativos.
Ela ajustou os papéis em suas mãos antes de prosseguir:
— Isso tem gerado uma sensação crescente de insegurança e negligência entre os cidadãos, já que a ordem não cobre esses danos em seus termos contratuais.
Houve uma pausa estratégica, e o homem grisalho ao lado dela completou:
— Segundo o governador, há mais mortes causadas por ações de exorcistas do que pelas mãos de entidades demoníacas.
As palavras ressoavam como um golpe nos ouvintes. E ele, ainda assistindo, franziu a testa, apertando o controle remoto em sua mão enquanto absorvia as declarações.
— Ah, velhotes, vocês se metem em cada merda… — comentou, levantando-se do sofá e seguindo em direção à cozinha.
Abriu o armário acima do fogão, tirando de lá um pacote de salgadinho sabor batata. Sem cerimônia, voltou para o sofá, jogando-se novamente enquanto o telejornal prosseguia.
— De fato, esse é o ponto que precisa ser debatido. Desde que a ordem espiritual foi reconhecida mundialmente, os casos de negligência têm aumentado em proporção alarmante.
Ele, pouco interessado no tom crítico do noticiário, rasgou o pacote com um gesto impaciente, puxando o plástico para lados opostos. Enfiou a mão, retirando metade do conteúdo de uma só vez e mastigando com voracidade.
As luzes da TV eram a única fonte de iluminação na sala escura, refletindo em seus olhos enquanto assistia, perdido entre os estalos do salgadinho.
Até que, finalmente, surge diante de todos os espectadores: Kyotaka, o exorcista mais respeitado e longevo, sobe à tribuna com passos firmes. Vestindo um quimono cerimonial preto impecável, ele se dirige ao púlpito do microfone, carregando uma presença que impõe respeito e admiração.
Um senhor de barba vistosa, cabeça calva e olhar penetrante, que parecia carregar consigo o peso de inúmeras batalhas. Como um velho caçador que já encarou o próprio inferno, ostentava no centro do rosto uma runa — símbolo de seu pacto inquebrável com o mundo espiritual. No pescoço, o crucifixo da igreja de Elum reluzia sob as luzes, com a figura de Niftar, o Filho do Criador, entalhada.
Ergueu os olhos para a multidão à sua frente, encarando-a com resiliência. Não desviou o olhar quando as câmeras focaram em seu rosto, capturando cada traço de sua expressão firme e determinada.
Então, sua voz rouca reverberou pelo microfone, preenchendo o silêncio:
— Senhoras e senhores, exorcistas e cidadãos.
Ajusta levemente a postura, as mãos firmemente apoiadas no púlpito antes de começar a gesticular, cada movimento complementando suas palavras, como um maestro conduzindo uma orquestra.
— Eu e os outros líderes do conselho tivemos uma discussão cuidadosa sobre as informações recebidas. Reconhecemos as significativas perdas de vidas e patrimônios entre nossos clientes, mas é essencial que compreendam que exorcizar uma entidade não é uma tarefa simples. Há diferentes tipos de entidades, cada uma demandando abordagens específicas e recursos apropriados.
Faz uma pausa, seu olhar percorrendo a multidão e as câmeras.
— Portanto, ao analisarem os dados apresentados, lembrem-se de que eles não refletem a totalidade da realidade. A maioria das tragédias ocorre em casos envolvendo entidades classificadas como “Aterrorizações” ou “Calamidades”. Apenas 11% dos casos de obsessões e fantasmas resultam em fatalidades.
Suas mãos se abrem em um gesto amplo, quase acolhedor.
— Como líder da ordem, quero enfatizar que cada morte, cada exorcismo e cada missão são eventos de extrema importância. Não podemos mais ignorar a insatisfação da comunidade nem a confiança depositada em nós pelo governo e pela sociedade.
Com um tom mais assertivo.
— Por isso, tomamos medidas imediatas para reestruturar nossos serviços. A partir de agora, todas as atividades independentes estão suspensas, e, a partir daí, reforçamos a supervisão em nossas operações. Também será obrigatório o envio de dois ou mais exorcistas para cada missão, garantindo maior segurança e eficácia.
Pausa novamente, como se ponderasse a próxima declaração.
— Além disso, os valores de nossos serviços serão ajustados, com um aumento de 11% em relação aos valores anteriores. Asseguraremos também ao governo o acesso irrestrito aos registros detalhados de cada missão realizada.
Ergue a cabeça.
— Essas mudanças não são apenas necessárias, mas indispensáveis para garantir a excelência de nossas atividades e a segurança de todos os envolvidos. Agradecemos profundamente a compreensão e o apoio de todos.
Ao terminar, fecha suas mãos sobre o púlpito, observando a reação do público, a força de sua mensagem no ar como uma onda de impacto.
— Merda… é sério isso? — resmungou, jogando a cabeça contra o encosto do sofá, os olhos fixos no teto em uma mistura de irritação e desespero. Com um movimento, desligou a televisão. — Velho broxa! Sério que vou ter que aguentar outra pessoa? Por quê? Por que, Elum? Minha vida já é uma desgraça! Por que haveria de me castigar ainda mais? — Seu tom era um misto de frustração e infantilidade, quase como o de uma criança birrenta.
— Quanto drama… — A voz baixa e provocativa ecoou de algum ponto obscuro da sala, cortando o silêncio com sarcasmo. — Você já não trabalhou com outros exorcistas antes? Ou será que esqueceu os que eu matei?
O garoto inclinou-se para frente, esfregando o rosto com ambas as mãos.
— Faz mais de um ano… Desde então, só aguentá-lo já me foi suficiente. Agora imagine ter que ouvir as opiniões de outra pessoa? Que horror! — Suspirou, balançando a cabeça. — Conviver em sociedade é o pior dos castigos que o criador deu ao ser humano!
— No final, sou eu que estou te aguentando, pirralho… — retrucou. — Sou um rei demônio, vivendo como um ratinho em cativeiro!
Uma ventania súbita golpeou as janelas, fazendo-as tremer como se fossem ceder. A inquietação do jovem parecia transbordar para o ambiente, encharcando o ar de ansiedade.
Mas foi nesse instante que a criatura desprendeu-se da escuridão, sua presença preenchendo, opressivamente, cada canto do apartamento.
— Por falar nisso, você podia me deixar assumir um pouquinho, não é? — vociferou, sua voz reverberando como um trovão. — Aliviar o estresse… talvez eu te encha menos o saco. O que acha?
Enquanto falava, sua forma espectral começou a tomar contornos mais definidos na penumbra. Suas feições, grotescamente elegantes, surgiram na luz fraca da televisão apagada, os olhos vermelhos faiscando como brasas vivas.
Seus dedos arranharam o mármore, enquanto sentia a fortitude de sua presença.
Yami ergue-se do sofá com um suspiro pesado, enfiando as mãos nos bolsos enquanto ajusta a postura.
— Assumir? Lá vem… — Ciente das pretensões grandiosas do rei demoníaco.
E, diante dele, surge em toda a sua glória, uma visão rara desde que o contrato fora selado. Seus longos cabelos brancos descem até a cintura, contrastando com a pele pálida, quase translúcida, como a de um cadáver. Entre os fios, dois chifres rubros despontam, símbolos de sua infâmia e de sua verdadeira forma: o dragão feroz de escamas escarlates.
As orelhas pontiagudas e os dentes grotescamente afiados destacam-se em seu semblante feroz. De sua boca entreaberta, um fio de sangue escorre, manchando o corpo musculoso e tatuado com símbolos de chamas negras que parecem arder vivas. Ele veste um quimono ancestral, datado dos primeiros ciclos da humanidade, parcialmente encharcado pelo sangue fervente que emana.
— Isso! — vocifera, sua voz ecoando com selvageria. — Eu vou até o distrito fantasma, mato uns demônios ou qualquer outro que me interesse, e então retorno… como nos velhos tempos.
Seus olhos, brilhando como lava, fixam-se em seu possuído. Era impossível ignorar a fúria contida e o desejo insaciável por destruição que emanava daquela presença monstruosa.
— Como antes… Hm… bem, eu não planejava fazer nada, então… — Distraído. No mesmo instante, um movimento imperceptível o faz estremecer. Quando percebe, é tarde demais: a mão do demônio atravessa seu peito. Seu sangue quente escorre pelos dedos da entidade, pingando no chão enquanto a visão se turva.
— Filha da puta… não era para ser assim… — pragueja, derramando o líquido vivo pelos lábios em uma torrente sufocante.
Acompanhando o som agonizante de seus gemidos.
E o demônio exibe um sorriso cínico, de orelha a orelha.
— Ah, sério? Foi mal, pirralho… — Com um tom de escárnio que parecia congelar o ar.
Essa foi sua última visão. Cambaleou e então tombou, enquanto sua força se dissipava como a chama de uma vela prestes a apagar-se. O vinho de suas entranhas, viscoso e tão escuro que quase parecia negro, acumulava-se lentamente ao seu redor. Espalhava-se como uma sombra, manchando o chão frio com sua presença.
Essa foi… a sua quinta morte!

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