Capítulo 53 - Impaciente
— Minha mãe… meu pai… vi os dois falecerem em suas camas. Não foi a febre que os matou, mas a fome! — Arrastando os pés pelo terreno encharcado, os dedos se enchendo de terra que, sob a chuva, se transformava em lama.
Seus olhos permaneciam presos ao passado, enquanto a água escorria por seu rosto e se confundia com lágrimas.
Cada gota que caía soava como um lamento em uníssono com o clamar incessante da natureza, um reflexo mudo de sua dor.
— Entendi… por isso odeia os nobres. E por isso não conseguiu realizar o primeiro exorcismo? — a voz de Antônio soou carregada de uma compreensão que ia além das palavras.
Seus olhos o buscaram, oferecendo um consolo silencioso.
— Sim, por um instante, eu… pensei, e se? Quando apontei minha mão para a cabeça deles, senti arder algo em mim, mas não consegui fazer… juro, eu lutei, eu… por mais que o ódio queimasse mais naquele tempo, resisti…
A culpa era evidente em suas palavras, ao menos pareciam estar munidas de sinceridade.
— Talvez, se eu tivesse tido forças… teria me livrado dessa sensação de ser um inútil…
Levantou os olhos para o céu nublado, como se buscasse redenção entre as nuvens pesadas.
As lembranças queimavam mais que o frio, e cada palavra dita parecia reabrir uma cicatriz.
— Entendo… sabe… eu não passei por algo assim. Apenas me envolvi em um acidente. Trabalhava limpando vidraças de prédios. A segurança nunca foi boa, e ninguém se importava. Era como os ratos que andam pelas ruas, buscando sobreviver. Mas boom, você morre… e acorda um exorcista!
Tão casual era morrer… um ciclo em que os sortudos podiam acordar novamente, e os azarados?
— E sente que nada muda. Eu ainda estava lá, prestando serviço, recebendo ordens. Para quê? Para beber no final da noite? Caralho, eu estava fazendo o mesmo que quando era um humano de merda! Então, eu desisti…
Enfim se ergueu, exalando um suspiro cansado daquele assunto.
— Agora estamos aqui. Faremos uma merda das grandes, foderemos todo mundo. Mas teremos um destaque. Mesmo se falharmos, isso é algo a se considerar, não é?
Seus olhos ardiam de desejo. Ele estava certo disso. Havia uma chama indomável em seu olhar, uma sede de mudança.
— É… não somos tão diferentes. Acho que concordo contigo… é melhor ser um demônio lembrado que um anjo esquecido…
Também se levantou, esticando os ombros, talvez movido por um pulsar em seu coração que o ergueu como um colosso, animado para o embate.
— Droga! Pena que temos pouco tempo… — reclamou, sentindo a urgência do momento.
— Não é pouco, é o necessário… temos dois dias até balançarmos o mundo!
Caminhando novamente até o centro.
O vento batia com mais força contra suas vestes, sacudindo-as. Cada rajada soava como um incentivo, um empurrão para a frente.
— Vamos continuar? Treinaremos só seus reflexos… acho que será suficiente!
— Certo! — Também caminhou, com mais força em cada pisar, e fitou-o com um desafio no olhar — Vamos fazer bem isso!
Agora a determinação era evidente em seus gestos. A chuva caía mais pesada, mas não conseguia apagar a chama que queimava em seus corações.
A batalha estava prestes a começar, e eles estavam prontos para enfrentar qualquer coisa que viesse pela frente.
Peças bem postas!
Mas era apenas um treino, nada que pudesse ser considerado grandioso…
Seus olhares se prenderam um ao outro; em instantes, estavam prontos, talvez mais confiantes em si mesmos, talvez em suas escolhas.
─── ── † ── ───
Enquanto retornavamos à dupla de prodígios, Yamasaki e Amai observavam a luz de Nox atravessar lentamente o lago, e a penumbra da noite descia sobre, envolvendo-os em um véu de mistério.
Havia certa névoa. O som dos animais tornava-se mais audível… um filme de terror poderia ter sido gravado ali.
— E o motivo de estarmos aqui?
— Hm, o quê? Eu não te falei? — Com um olhar bobo, enquanto se deixava distrair pelas águas encantadoras que refletiam a luz pálida da noite.
— Não do porquê termos parado aqui… — insistiu, já tomado por uma desconfiança irritante.
Essa seria a alegria dos professores, com tantos questionamentos, se não fosse tão Yamadrasaki.
— Caramba, você é desconfiado mesmo, hein! Mas… dizem que esse lago revela o seu amor verdadeiro…
Voltando os olhos para ele, deixando-o corar.
Havia uma seriedade assustadora em suas palavras e em seu olhar.
— Revela? Ah, você é do tipo que acredita em superstições… — Erguendo-se de um pulo e lançando o olhar ao redor. Desde que haviam chegado, não avistara ninguém — Bem, que tal a gente, sei lá, ir naquele lugarzinho que fomos depois do hospital…
— O café? Ou o bar?
— Café…
— Quer ir lá? Comigo? Tem certeza?
— Quero! — Atropelando os próprios pensamentos.
— Certo, senhor Yamasaki, agora você me mostrou ter atitude! — Jogando os cabelos para trás como uma felina, enquanto o rapaz mirava os patos que nadavam serenamente no lago.
Patos… patinhos…
É, ele não pensava em coisas complexas demais; dizia o que vinha à mente, não é?
— Não ferra, só aceita e vamos!
Tentando disfarçar a ansiedade na voz.
— Calma, eu só fiquei animadinha… mas você é chato, hein! — Se ergueu, cutucou-o de leve com o ombro e deixou escapar uma risada presa — Você paga?
A pergunta veio ladeada por um sorriso travesso.
— Pago! — Meio emburrado — Mais alguma pergunta?
Esbravejou como um leão, tentando parecer mais confiante do que realmente estava.
— Não, senhor impaciente! — brincou, piscando — Vamos logo antes que você desista!
Eles caminharam juntos, sentindo o ar noturno e úmido roçar-lhes o rosto, enquanto a chuva, que antes caía leve, agora se intensificava lá também.
As luzes distantes da cidade se refletiam na água, compondo um cenário quase mágico.
O exorcista não pôde deixar de sentir uma mistura de nervosismo e excitação.
Desde o acidente, vivia preso a uma rotina monótona, mas agora, com ela ao seu lado, algo dentro dele parecia despertar.
A olhou: andava com passos leves e confiantes, e o simples gesto a fez irradiar uma energia que o obrigou a sorrir.
Talvez ela estivesse certa sobre o lago e suas superstições. Ou talvez apenas o provocasse. De qualquer forma, qualquer uma das opções era reconfortante.
Enquanto caminhavam, lembrou-se do lugar que mencionara: aquele cantinho especial que haviam encontrado depois de uma noite no hospital.
Um pequeno café escondido, longe do burburinho da cidade, onde conseguiam se sentir em paz.
O pensamento trouxe-lhe calma, e ele apertou o passo, decidido.
— Ei, Yamasaki, sabe de uma coisa? — Interrompeu seus pensamentos.
— Fala…
— Tô curtindo essa dupla, sabe. Você não é… tão horrível quanto falaram! — brincou, já esperando a careta de sempre.
Mas a surpreendendo, não pôde conter o riso. Era sincero, algo que não lhe escapava havia muito tempo.
— Quem falou isso? — perguntou, curioso.
— Ah, por aí… — Com um sorriso travesso — Mas, sério, eu gosto de como a gente sempre encontra uma direção. Mesmo que você seja um pouco rabugento às vezes.
— Rabugento, é? — Arqueou uma sobrancelha, mas logo desfez a expressão séria em um sorriso — E você é insuportavelmente otimista!
Era uma piada quase pronta: um niilista encontra um estóico.
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