Capítulo 160 – Discussões de Bar
Manhã do dia 39…
O som das botas de Mahmoud ecoa pelos corredores frios e sombrios de um dos muitos andares da Ordem. Esses seus passos firmes são acompanhados pelos de Seiji, que, em contraste com sua face de ansiedade, parece mais despreocupado.
Enquanto caminham, a luz fluorescente do nascer do dia mal ilumina os passos adiante, eles estavam em andares abaixo do firmamento, criando um ambiente sufocante e carregado.
O cheiro estéril das paredes dá ao espaço um ar impessoal, como se as vidas ali fossem apenas engrenagens de um grande mecanismo. A máquina, chamada de Ordem funciona como um único corpo, tentando, ou ao menos aparentando, tratar a doença dos homens, as trevas…
As malditas trevas que emanam dos corações humanos.
E… que moviam ambos, em seus deveres.
— Como está o caos na web? — pergunta Mahmoud, quebrando o silêncio, com os olhos semicerrados.
Ele não dorme desde a última reunião dos nove. Embora a idade ainda não marque seu rosto, sua mente permanece sempre alerta, desgastando sua juventude em deveres tão letais quanto os disparos de uma arma. Como muitos jovens, ele já não carrega mais o olhar da esperança, mas o de um assassino de sonhos.
Seiji, ao ouvir, dá um sorriso cínico, seus dedos coçando o tecido do quimono, estava trajado assim, por acabar de sair de uma cerimônia religiosa da qual foi o ilustre palestrante.
— Zero! — ele respondeu com convicção inabalável, sem hesitação. A postura firme de um líder dos nove, assim como o outro, mas de uma maneira singularmente distinta. — Graças ao poder do governo, censuramos os Neo Iluminados. Todos os vídeos, imagens, até as menores evidências foram erradicadas! — Sua risada ecoou pelo corredor, carregada de um sabor agridoce de vitória.
— Caramba…
Ele murmura, surpreso, enquanto seus olhos percorrem as janelas, observando as nuvens pesadas que surgem de repente, substituindo o branco pelo cinza. A chuva está a caminho, como sempre. No reflexo de seus olhos, o contorno de Aurora dança, brilhando suavemente no contraste do céu escuro.
— Agora, tudo não passa de uma mera teoria da conspiração!
— Certo, certo — Mahmoud assente. Seu tom não é de celebração, mas de simples aceitação. — Então, por enquanto, o nosso mundo está em paz… É isso?
Eles se detêm diante de um elevador, suas expressões tornam-se mais sombrias, como se estivessem à beira de um abismo invisível. Uma risada forçada escapa dos lábios de Mahmoud, carregada de amargura, enquanto aguarda a resposta do mestre.
— Paz? — murmura Seiji, franzindo a testa. — Até uma palavra tão simples consegue ser tão irreal. Não acha isso insano? — Seus olhos se voltam para o rapaz, buscando uma confirmação que ele já sabe que virá.
— É…
— Paz é só uma palavra! — continua Seiji, sua voz calma, mas cheia de sabedoria melancólica. Ele, que passou a vida buscando esse ideal, encontrava a conformidade ao se tornar um servo de sua fé, um guardião do pensamento ilumista. — Assim como tantas outras que usamos para mascarar a realidade. Você, mais do que ninguém, sabe disso!
O elevador se abre com um rangido metálico, interrompendo ambos, revelando-se o interior, uma caixa de aço polida. Seiji entra sem hesitar nele, e Mahmoud o segue. As portas se fecham lentamente, aprisionando ambos na atmosfera densa, claustrofóbica.
— Shamo… — Mahmoud começa, suas palavras se misturando ao som mecânico do elevador descendo. — Já perdi as esperanças que um dia me fizeram sonhar como uma criança. Acordei para a verdade. A dor… é inevitável, nesse mundo! — Ele dá uma risada amarga, esperando uma reação de Seiji.
— A dor?
— É… A dor me ensinou o que realmente significa crescer!
Seiji arqueia uma sobrancelha, o sorriso malicioso retornando ao rosto.
— Nem os poetas deixam suas esperanças infantis escaparem tão facilmente. — Ele alerta com a sabedoria de quem carrega cicatrizes profundas. — O mundo, Mahmoud, é um reflexo de quem somos. Se o caos ou a paz ressoam, isso é resultado da nossa própria influência. Paz… não passa de uma ilusão que criamos para nos confortar.
Mahmoud balança a cabeça em concordância, mas há uma faísca de descrença em seus olhos.
— Não existe paz! — murmura, quase para si.
— Porque nosso sino sempre ressoará caos até o fim! — afirma Seiji. — Assim como Alum, nos perguntamos constantemente sobre nosso papel, nosso lugar…
— Verdade! O ser humano é um eterno insatisfeito! — Mahmoud diz, sua voz ecoando pelo elevador, carregada de fúria contida, como se algo apertasse seu peito. — Mas e o fim disso tudo… o que é o fim, Seiji? Quando ele chega? — Há urgência na pergunta, como se buscasse uma resposta que o libertasse de sua angústia.
Seiji, para Mahmoud, é um reservatório de conhecimento, alguém que sempre parece ter as respostas. Mas, naquele momento, ao olhar para o velho, Mahmoud nota algo diferente. Uma risada seca escapa dos lábios enrugados de Seiji, seus olhos normalmente calmos se afundando em reflexões profundas.
— O fim é o começo! — Seiji murmura com firmeza. — A humanidade nunca chega a um fim verdadeiro. Eu te pergunto: existe um fim além da morte? — Suas palavras cortam qualquer ilusão que Mahmoud possa ter. — Um humano sem vida limitada é apenas uma máquina… uma máquina sem alma, sem individualidade!
Mahmoud fica em silêncio por um momento, perdido no olhar de Seiji. A resposta escapa de sua boca quase automaticamente.
— Eu sei — Ele sabia? Então, por que a frustração ainda queimava em seus olhos? — Só há uma verdade! — insiste, quase em desespero.
— A verdade não existe para os homens! — A resposta de Seiji vem fria, quase cruel.
Mahmoud sente-se pequeno, como se discutisse com um professor que o deixava à deriva em um mar de dúvidas.
Ele desvia o olhar, incapaz de encarar Seiji. Seus olhos caem sobre o painel do elevador, as luzes piscando conforme descem. Aquele simples trajeto parece interminável, uma prisão de seus próprios pensamentos.
O silêncio que se segue é esmagador, até que Mahmoud solta um longo suspiro, cansado, como se carregasse o peso do mundo nos ombros. Uma risada amarga escapa de seus lábios.
— Não podemos nem ter certeza… Estamos todos ferrados, não estamos? — ele murmura, seus olhos carregados de uma amarga compreensão, enquanto se voltavam para Seiji.
— Seria pessimista presumir que sim — responde Seiji, com a voz serena. — Mas me diga, você tem fé que sim, ou que não?
— Ah, fé… — o jovem rapaz soltou uma risada breve, balançando a cabeça. — Acho que tenho confiança que não. No fim das contas, ele sempre estará lá, nos protegendo, não é?
Aquilo desabou, como tinta se espalhando na água…
— Confiança difere de fé. — Seiji corrige, mas há um cansaço em sua voz, farto desse gato e rato, eles sempre chegam no mesmo lugar. — Mas enfim, não estou afim de te dar mais uma aula. Já dei várias hoje, não acha? — A tentativa de humor é fraca, mas Mahmoud sabe que ele o provoca de propósito.
Mas por quê? Está tudo nas entrelinhas…
O jovem, por outro lado, não pôde deixar de se questionar: será que ele parece tão vazio assim? Com tantas perguntas em mente, no fundo, sabia que a culpa não era sua.
Ele era um homem com o coração e a alma tão feridos… Será que poderia realmente viver deste lado, com tamanha naturalidade?
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