Capítulo 163 – Conto Passado: Kryntt, A Queda do Trio — Part I
É entre esses dias turbulentos que ele se perde… há pouco mais de uma passagem, quando o brilho de sua fase heroica começa a desvanecer, como o papel rapidamente devorado pelas brasas das chamas, como o pôr do Aurora diante de uma tempestade iminente.
Horas antes da folha amarga cair sobre o chá. Quando sua confiança, outrora inabalável… ainda faz parte do trio.
Falando em trio…
Estão todos, naquele dia, em uma tarde de 76, reunidos na sala de Seiji Watanabe.
Seu escritório, nessa época, ainda ocupa um lugar de prestígio no alto do grandioso Domus Dei, suas janelas panorâmicas oferecem uma vista impressionante da cidade para os jovens exorcistas.
O ambiente exala poder e organização, com móveis de linhas sóbrias, mas de extremo bom gosto, contrastando com o que mais tarde se tornará seu novo local de trabalho: o austero templo religioso.
Esse é um tempo de transição, de decisões difíceis, e mesmo sem palavras, todos na sala sentem o peso do que está por vir…
Kryntt, nessa época, ainda é um jovem despreparado, convencido de seus ideais e motivações, mas como seus companheiros, é apenas um pirralho com uma ferocidade incomparável.
Mas… isso não é só sobre isso, ou não totalmente. A pergunta é: o que se passa naquele dia?
— Estupro? Casos de violência sexual? Sério… isso é coisa de demônios mesmo? — Hazan pergunta, com incredulidade clara em sua voz. Também pudera, demônios são conhecidos por seus atos cruéis, suas perversões e corrupções das mentes dos homens, mas nada que remeta a atrocidades tão… humanas?
Enquanto suas dúvidas escapam dos lábios, ele encara o líder com uma expressão de descrença, tentando processar os detalhes sombrios de mais uma das muitas missões que recebem naquele tempo, como se o abismo entre o sobrenatural e o humano estivesse mais estreito do que jamais imaginara.
Um relapso que todo exorcista há de sentir… A sorte é que a mente de Hazan é implacável, talvez a mais resistente entre os três!
Ou a mais capaz de varrer para debaixo do tapete seus medos…
— Não é mais um filho da puta? — comenta o loiro, em um tom casual, seus cabelos já são grandes desde essa época. Um nervo pulsa em sua testa, algo que ele tenta disfarçar mordiscando os próprios lábios, como se isso pudesse conter o que realmente sente.
Enquanto absorvem a informação, sentindo o verdadeiro peso que ela carrega, Seiji permanece inabalável. Sua postura segue firme, ereta, como se nenhuma verdade pudesse abalar sua compostura. Seus olhos, sombrios e profundos como um abismo, revelam apenas vislumbres dos segredos que ele guarda nas profundezas de sua alma.
Ele está diante de mais um entre tantos casos chocantes, que documenta meticulosamente, encerra com precisão e, por fim, arquiva no vasto acervo de segredos que jamais verão a luz da aurora…
— Não… há algum tempo, vários casos de violência sexual têm ocorrido. O mais estranho é não haver rastros humanos! — Ele pausa por um momento, observando Kryntt e Rasen ao lado do jovem, uma equipe fiel, unida por um amigo em comum, atentos a cada palavra. O loiro franze o cenho, enquanto o futuro Messias esboça um sorriso de canto, como se já previsse o caos que está se desenrolando. — Os órgãos sexuais das vítimas são sempre mutilados, quase inteiramente destruídos. Mas ele as deixa vivas. E mesmo que fiquem acordadas durante todo o ato, nenhuma delas consegue descrever o agressor, e o mais bizarro: não há padrão. Não há bebidas, drogas… São vítimas aleatórias!
— Então… só pode ser um demônio que violenta humanos. Isso é o quê? Um obsessor ou uma calamidade? — resmunga Rasen, deixando claro em seu tom sarcástico que dúvida da seriedade da situação.
É difícil acreditar que um demônio está agindo como um homem, um homem bestial. Afinal, o que os diferencia?
— Com certeza, calamidade! — Kryntt interrompe, com uma certeza inabalável. — Os ataques são brutais. As vítimas sofrem traumas devastadores, físicas e emocionais. Uma entidade capaz de causar tamanha dor deve ter uma força sem igual! — Seu olhar recai sobre Hazan, que lidera o grupo. — O que acha? Você nos lidera.
Ele respira fundo, sentindo o peso da responsabilidade.
— Somos exorcistas recém-elevados ao grau quatro. Não temos por que recusar essa missão. Além disso, este não é apenas um exorcismo egoísta; é um dever público — Sua voz é firme, cada palavra ressoando como o frescor de uma brisa leve em meio ao caos. Sempre foi uma pessoa inspiradora e forte, para o loiro, Hazan é inabalável e seu maior espelho. — Eu aceito, senhor!
Seiji sorri, satisfeito.
— Ótimo, rapazes. Bem, os últimos ataques ocorreram no primeiro distrito. Duas jovens foram atacadas. Uma delas está em uma cadeira de rodas, suas pernas foram esmagadas pelo agressor sobrenatural. Enquanto a outra está em coma! — O silêncio que se segue é quase insuportável, são vítimas da ineficiência dos que não se atentaram ao caso. — Hoje pode ser a última noite desse monstro naquele distrito. Não percam tempo!
— Pode deixar! O trio monstro vai pegá-lo! — Hazan bate no peito com um sorriso confiante, enquanto lança um olhar para seus dois companheiros de missão. Kryntt, o leão do grupo, está com o peito estufado, seu semblante feroz e olhos acesos, já antecipando a caçada. Ele é sempre o mais voraz, pronto para atacar sem hesitação. Rasen, por outro lado, permanece calmo e sereno, uma verdadeira serpente à espreita, sua postura despreocupada escondendo uma mente afiada e mortal.
Os três são um só, guiados pela alma e pelo coração do líder, eleito após um combate pelo título, algo tão arcaico e infantil, que só homens poderiam fazer.
Após a confirmação, o dever está adiante!
Ao deixarem o Domus Dei, a aurora já se recolhe, tingindo o céu com tons de laranja e púrpura, enquanto sombras começam a dominar a cidade. Os três entram no carro, um veículo modesto, mas eficiente, e seguem em direção à missão. À medida que escurece, os faróis cortam a escuridão das ruas como lâminas.
Quilômetros são rodados…
E após alguns minutos de silêncio, Rasen é o primeiro a quebrá-lo, guardando seu smartphone no bolso.
— Calamidades… são seres tão humanos, não? — comenta do banco de trás, seus olhos observando a paisagem pela janela. Ele sempre foi reflexivo sobre a natureza inimiga.
Com olhos atentos, nota-se haver cada vez menos pessoas nas ruas, pois as trevas da noite estão chegando.
— Humanos? — Hazan pergunta, mantendo o olhar na estrada. — O que quer dizer?
Ele é quem dirige.
— Que… suas ações, seus desejos são muito parecidos com os nossos! Alguns querem apenas tranquilidade, outros agem como criminosos, buscando poder e prazer… — ele pausa, acomodando-se no banco, com as mãos para trás, se escorando na porta — Alguns devem ser tão gananciosos a ponto de roubar dinheiro… ou juntar no colchão! — brinca, como se estivesse mascarando a discussão que tentou trazer sobre a natureza de um demônio.
Seu amigo solta uma risada seca… ou, seu colega, melhor dizendo.
— É, talvez eles aprendam conosco. Não podemos esquecer que essas merdas surgiram de nós! E vivem entre nós… — Kryntt retruca, no banco ao lado do motorista, apenas sorrindo de canto enquanto fala, mas seus olhos queimam com uma intensidade que revela mais do que simples confiança. — Mas no final, tanto faz. Acabaremos com mais um deles! Esse, especialmente, eu quero aniquilar até virar pó! — Sua voz sai mais baixa, mas carregada de ódio, quase um sussurro que ecoa como um juramento.
Há algo de profundamente pessoal naquele desejo de destruição.
Mas o que é, afinal?
Kryntt não é apenas mais um exorcista faminto por justiça; é uma das várias vítimas afetadas diretamente por esse tipo de crime. Sua irmã mais velha, de uma família de quatro, foi vítima de um monstro como o que agora eles caçam, um que vestia a pele de um homem, e que arrancou sua vida junto a sua bela inocência.
Algo que não esquece, nem perdoa. E foi essa tragédia que o levou à sua primeira morte, o apagar dos próprios olhos pelas mãos de um criminoso em busca de vingança…
Agora, aquela mesma chama arde em seu peito novamente, após tanto tempo revirando o trauma como apenas lembranças de algo que nunca mais voltará.
Ele está pronto para incinerar o demônio que enfrentará, dando a ele um nome, uma face e um crime… mais um crime!
Mas não será tão breve…
Restam poucos minutos pela frente. O olhar de Kryntt permanece fixo na estrada à frente, um caminho de sombras que pesa sobre suas pálpebras, o cansaço tentando se infiltrar em sua mente. Contudo, a exaustão não consegue apagar a chama que arde dentro dele; sua determinação permanece intacta, impenetrável.
Essa, por ora contida, se intensifica a cada quilômetro. Ainda suave, mas já fervendo sob a superfície, ela se tornará feroz no instante em que finalmente tiver a oportunidade de erradicar o mal que persegue.
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