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    — Aff… — murmura Rasen, após mais uma derrota. Já é a terceira da noite, e o gosto amargo do fracasso se aloja em seus lábios, como um sabor metálico e indesejado. O que antes parecia apenas um jogo trivial e quase cômico agora se transforma em um duelo intenso demais.

    Ele joga a toalha, tentando preservar a paz que ainda lhe resta, e lança suas cartas na mesa, despido de orgulho.

    Pelo menos, ninguém percebe o sumiço de Liliel, que silenciosamente se acomoda no sofá após entrar sem alarde. O mais curioso é como ela conseguiu sair sem ser notada pelas entidades. Talvez porque sua energia é tão poderosa que, meros quilômetros eram tão efêmeros que mal vacilava de seus radares, e se fosse materializada, cada fragmento de sua energia negra teria o peso equivalente a milhões de toneladas.

    “Como diabos ela entrou e saiu dessa dimensão fora do horário?”

    Pensa ele, franzindo o cenho.

    “Aquele demônio de araque mentiu?”

    Jahiel, a vencedora das três rodadas, exibe um sorriso largo e satisfeito, como se cada vitória fosse mais doce que a anterior.

    — Ei, humano, que cara é essa? — Suas palavras cortam o silêncio como uma lâmina fina e afiada, provocando um desconforto sutil em Rasen, que se remexe, irritado.

    — Ah, não fode… — Ele resmunga, lançando um olhar cínico em direção ao demônio. — Vocês pegam rápido as coisas, hein? Nem cinco minutos e já estão jogando como profissionais… enfim, me rendo definitivamente! — Ele finalmente assina sua rendição.

    — Óbvio. Nossa mente opera a uma velocidade e capacidade mil vezes maiores que a de um humano comum. Mas exorcistas… bem, vocês não ficam muito atrás, certo? — diz ela com um tom de desdém.

    Rasen suspira, recostando-se na cadeira com um cansaço que vai além da derrota no jogo.

    — É… mas tem certos aspectos… problemas neurológicos que afetam essa expansão de capacidades. Eu, por exemplo… sofro com um leve TDAH. — Ele ri, mas o som sai seco, quase forçado, como se revelasse mais do que gostaria.

    A verdade é uma vulnerabilidade que ele preferiria não expor. Ali, entre aqueles seres, sente-se despido. Talvez o complexo da pressa, exposto ao predador, o atinja… esse é seu maior e pior pesadelo.

    — Interessante, não? — diz Vassael, o mais quieto do grupo, sua voz um sussurro contemplativo. Algo naquela conversa chama sua atenção. — A tríade existencial… a mente projeta a alma e o corpo, controla tudo, mas até mesmo ela pode ser quebrada, incapacitada por um transtorno. Algo tão… humano e, ao mesmo tempo, tão fascinante!

    Ele franze a testa, ponderando sobre aquilo.

    — Beleza na falha?

    — Talvez? — continua, seus olhos brilhando com um misto de curiosidade e dúvida, a voz de um demônio com pinta de filósofo. — O que torna vocês únicos é justamente essa disparidade. Em uma fração infinita de possibilidades, existe uma variação… algo que me intriga profundamente. Como Elum pode criar algo tão… único e, ao mesmo tempo, tão frágil? Não só vocês humanos, mas nós também. Bizarro, não?

    Rasen solta uma risada curta e irônica.

    — Um demônio nerd? Ha! Ha! — Ele se levanta, observando o sorriso cínico de Liliel, que permanece calada. Ela lhe parece a marionetista, com fios presos a seus fantoches. — Enfim, acho que vou descansar. Boa noite… demônios. — Com uma última olhada para o grupo, ele sai da sala, o peso da noite ainda sobre seus ombros.

    Os seres restantes se entreolham, e uma chama de excitação percorre o ar, uma corrente invisível compartilhada entre eles.

    — Então… estão prontos para tentar usurpar meu título de marquesa? — desafia Jahiel, sua voz carregada de uma arrogância afiada como uma adaga.

    — Pode crer! — brada o grandalhão, sua risada ecoando pela sala, quase em uníssono com o confirmar dos outros dois. Ao menos no jogo, eles têm uma chance de derrubar sua supremacia… essa hierarquia demoníaca que limita os seres de sua raça.

    Liliel, deitada no sofá, observa a sala com desdém. Seus olhos percorrem os detalhes ao redor, mas não se fixam em nada, como se o mundo fosse uma mera distração. Seus lábios, finamente desenhados, se curvam em um sorriso frio, quase imperceptível, antes que ela feche os olhos, permitindo-se um raro momento de introspecção.

    “Azaael, meu amor… o que será de nós?”

    Sua mente vaga por lugares distantes, bem longe da serenidade aparente em seu rosto. Ela sabe como ocultar o caos interno. Aprendeu, após incontáveis mentiras, a manipular o modo como os outros percebem sua expressão, a ponto de tornar suas emoções uma máscara impenetrável. Isso, afinal, é o que significa ter força. A verdadeira habilidade de controlar o que os outros pensam que você sente.

    É um dom que ela compartilha com Azaael e Asmael. A habilidade de esconder o derradeiro sentimento, o propósito sombrio que guia cada um de seus movimentos. A perfeição, ela pondera, não está na ausência de falhas, mas na capacidade de perseguir seus objetivos sem ser traída por emoções insignificantes, como a raiva que brota da frustração ou a pressa que surge do desejo de realização.

    Um ser verdadeiramente forte não se permite desviar por fraquezas tão triviais… mas por que, mesmo sendo invencível, tudo parece inalcançável?

    Como Alum, que pode se declarar efêmero? Ainda que defina o que é verdade e o que é falso, ele se vê, paradoxalmente, como nada.

    Mas, afinal, nem todos são capazes disso. Humanos, demônios, criaturas de todas as espécies estão à mercê dos caprichos do destino… E o destino, embora pareça caótico e sem propósito, caminha lado a lado com o acaso, duas forças que se mostram como opostas, mas que, na verdade, são apenas fragmentos de uma verdade muito maior. Fragmentos diante da grandiosidade da verdade. Ele, o ser que transcende tudo, é o único capaz de ver a plenitude de todas as coisas.

    Enquanto Liliel, Azaael e até mesmo Asmael, os exorcistas… não passam de peças nesse vasto tabuleiro.

    E, com esse pensamento, ela se acomoda ainda mais no sofá, ciente de que, por mais que manipule suas emoções, sua verdadeira força virá apenas quando compreender por completo a verdade que sustenta este mundo.

    A vida é como a chuva: podemos tentar deduzir quando terminará ou se terminará, mas jamais podemos prevê-la com exatidão.

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