Capítulo 175 – Jeitinho Jigoku
O amanhecer chega, e com ele, o quadragésimo dia.
A luz suave se filtra pelas cortinas finas da varanda do apartamento de Zuri, banhando o espaço em um tom dourado.
Com a xícara de café quente em uma mão, Zuri toma um gole, sentindo o amargor do líquido a despertar.
Ela se inclina para fora, observando a cidade que se estende abaixo, um labirinto de concreto e aço que pulsa com a energia da vida urbana, mas uma sensação de desolação paira no ar… Na mesa próxima, os jornais comprados na noite anterior estão dispostos, prontos para serem devorados.
O aroma forte e encorpado da cafeína preenche o ar, competindo com o cheiro de poeira e asfalto que sobe das ruas movimentadas. Em uma hora, ela precisa estar de volta ao trabalho, retornando finalmente após dois dias de folga, uma pausa sombria em meio ao caos instalado após o massacre que abalou a cidade. As lembranças permanecem frescas em sua mente, como cicatrizes abertas que se recusam a cicatrizar.
Folheando as páginas do jornal, seus olhos se fixam nas manchetes. O desemprego aumenta em 15,8% desde o início do último ciclo, enquanto a aprovação do novo imperador sobe 29%. Uma contradição irônica em um mar de desespero.
“Essa cidade de merda, com um povo de merda…”
Ela pensa, com um desprezo que quase a consome. Para ela, a política é uma piada cruel, uma ofensa à memória daqueles que nasceram e cresceram em Shamo, o continente das guerras políticas, onde os ideais se perdem entre promessas vazias e discursos retóricos.
“No final, nada muda. Os prédios crescem, os insatisfeitos com o agora morrem, e os ricos ficam mais ricos… um mundo de bosta para seres humanos de bosta!”
A raiva fervilha dentro dela, um vulcão prestes a entrar em erupção.
Ela deixa a xícara de café no parapeito, a cerâmica quebrando o silêncio da manhã, enquanto seu olhar percorre o apartamento luxuoso que conquistou. É sua única aquisição significativa até então, um símbolo de seu sucesso e, ao mesmo tempo, seu castelo dourado que custou 9 milhões de ienes.
O interior é minimalista, com um piso de madeira fina que espelha a mesa de reuniões dos nove líderes da ordem. Os móveis são obras de arte, escolhidos entre os designers mais renomados de Aija.
Zuri sobe a escadaria para o segundo andar, onde vasos repletos de orquídeas raras adornam o lado esquerdo, florescendo em um oásis de beleza e modernidade. As paredes adiante estão decoradas com obras do pintor contemporâneo Zola Kassala, um sobrevivente das guerras separatistas do continente desértico. As pinturas exibem desertos vermelhos e dourados, paisagens que parecem convidativas, mas que não escondem o horror dos homens retratados, vítimas de outros homens e das máquinas.
Retratos de guerra que ela não apenas viu, mas também viveu e sentiu em sua essência.
Ao entrar no quarto, ela se desprende da blusa branca e do pijama curto. O tecido escorrega até o chão, revelando sua pele de ébano, enquanto suas unhas, pintadas em um tom amarelo suave, reluzem sob a luz da aurora. O movimento é rápido, quase automático. Ela pega um terno executivo guardado, uma relíquia de quando sonhava ser advogada e exorcista. Afinal, quem disse que uma mulher não pode se dividir em duas?
Vestindo o novo traje, a roupa se ajusta ao seu corpo magro e bem desenhado, acentuando suas curvas e tornando-a atraente para qualquer homem que tenha a sorte de cruzar seu caminho. Seus olhos, claros como um rio de chocolate misturado com caramelo, refletem a dama que ela é, mas há algo mais profundo em seu olhar, uma tempestade em meio à serenidade. Uma agitação interna, como uma bomba-relógio prestes a explodir, pulsando sob a superfície da mulher bem-sucedida que o mundo vê… A inquietação que a consome desde a tragédia.
Próximo dali, Elizabeth Zahira sente o peso do ocorrido profundamente, como se cada preocupação de Gabriel se infiltrasse em sua própria pele. Ele dorme ao seu lado, a respiração pesada e irregular, revelando as cicatrizes invisíveis que os recentes eventos deixaram. Ao se levantar da cama, ainda vestindo sua camisola preta de seda, ela observa o caos silencioso do quarto. Livros estão espalhados pelo chão, os mesmos que Romero lia obsessivamente para construir seus ideais e motivações. As páginas marcadas exibem imagens e mensagens que ele usou para convidar a todos para sua rebelião… Um grito mudo de resistência do companheiro que parece ter abraçado, ao menos, o lado belo do amigo e irmão que continua ali.
Com um suspiro longo e pesado, ela pisa cuidadosamente entre os livros, como se evitar pisá-los pudesse afastar um pouco mais desse turbilhão. E, já na cozinha, agarra um jarro de água, erguendo-o com urgência. Seu corpo está seco, assim como sua mente. Dormira desde as oito da noite até agora, uma tentativa de fuga da realidade que a cerca.
Enquanto a água desce pela garganta, um pensamento rápido atravessa sua mente.
“Será que aquele pirralho do Masaru vai pegar o Rasen?”
A dúvida paira sobre ela, como um presságio de algo maior por vir.
“Espero que ele não arraste o Gabriel para isso… coitado. Isso está destruindo o psicológico dele.”
O jarro é deixado com um leve som sobre a bancada que separa a cozinha da sala, e ela, ainda imersa em seus pensamentos, agarra o controle remoto. Com um simples toque, a televisão ganha vida, e o canal seis logo se materializa na tela. Ela pisca, surpresa, ao ver um rosto familiar.
— Masaru? — sua voz quase se eleva a um grito, ao ver o jovem no meio de uma tribuna, uma figura impetuosa diante das câmeras.
A cena é absurda, quase surreal. Masaru está ali, desafiando Rasen abertamente.
— Então, Rasen, seu imbecil… por que não deixa de se esconder e vem resolver um assunto antigo?! — A voz dele é firme, carregada de sarcasmo e provocação. — Você não se diz o messias? Então quero ver se esse tal messias deixará de ser covarde e atacar um peixe grande…
Ele fala com tanta confiança que até um sorriso audacioso surge em seu rosto. Ele está provocando de todas as formas possíveis, jogando-se no papel de isca em uma perigosa armadilha. É um jogo de gato e rato, mas, naquela situação, Masaru não passa de um simples queijo na ratoeira.
Ao fundo da transmissão, pode-se ouvir Kryntt resmungando, desconcertado, imaginando que seria algo mais elaborado, talvez ainda mantendo a fé de que o celeste faria mais jus ao plano.
— Sério? Ele está… provocando como se fosse uma briga de quinta série? — balbucia, claramente desconfortável, enquanto um dos repórteres continua a gravar a cena, quase rindo de sua reação.
“Por Elum… será que isso vai dar certo?”
Os dois pensam… diante do plano, do jeitinho Jigoku.
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