Índice de Capítulo

    Ao atravessar o portal, um frio cortante o envolve, como se a noite em si o estivesse engolindo, abraçando-o com a intensidade sombria de uma tempestade de neve desenfreada. A escuridão é quase sólida, abafando o som de seus próprios passos, enquanto ele se aproxima da imensa rocha onde a cabana, outrora o outro lado do portal espaço temporal, se ergue em meio à vastidão de gelo e sombras. Das profundezas dela, sente três auras vibrando em calor — ressonâncias humanas. Essas presenças pulsantes o chamam, embora a razão de estar ali ainda lhe escape.

    — Então, por que exatamente fui trazido para cá? — Gallael murmura, sentindo o peso de uma dúvida que pende como um fio invisível entre ele e o desconhecido. — Como isso se liga à minha redenção?

    — Este lugar é onde você irá escrever a primeira linha da importância que buscará… Estamos a poucos passos da atrocidade que determinará o rumo final da guerra… Veja, sua versão neste mundo, sob o comando de Luciel, eliminou os pais do jovem Yamasaki — A voz ecoa com calma, e seus olhos, brilhando como as próprias luzes nos céus, estão fixos no horizonte, onde tênues luzes artificiais surgem das janelas da cabana, uma miragem em meio aos perdidos. — Mas, como já disse, ele arruinou tudo ao desafiar o imperador sem um plano…

    Gallael respira fundo, processando a verdade que lhe é revelada.

    — E?

    Seu olhar se estreita, cortante.

    — A questão é que o rapaz, o jovem Yamasaki, foi atraído pelo poder, como Azaael fora em tempos passados, levando-o a um pacto que se tornou uma prisão temporária para meu irmão, seu tio… Uma prisão feita para mantê-lo contido até que Luciel esteja em sua plenitude. E, segundo a cláusula final, essa cadeia será rompida pelo ato da morte… a sua morte, Gallael. Esse é o preço para ele retornar, pleno de poder e vingança! — Ao concluir, os olhos de ambos se encontram, em um confronto de vontades e intenções.

    Gallael entende, claro, mas aquele sentimento é um misto; ele se sente uma peça de xadrez manipulada pelo adversário, mas, ao mesmo tempo, pode sentir verdade e companheirismo, por mais razão que tentasse colocar em sua morte…

    “Rendição… sério? Eu já estou, aqui…”

    Pensa, então suspira para dizer algo.

    — Então, Azaael foi mesmo pego na armadilha? — A risada do príncipe escapa, engolida pelo uivo dos ventos que agitam os pinheiros ao redor, como se a natureza ecoasse a ironia que ele acaba de perceber.

    A entidade apenas assente.

    — Bem, então… a cláusula estipula que o assassino dos pais do garoto é a chave, não é? Então… — Seu olhar escurece, e a indagação sussurra amarga. — Minha redenção, é entregar a humanidade à vitória… libertando aquele que pode arruinar os planos de meu pai mas, essa é a jogada que Luciel realmente quer que ocorra, não é?

    — Exatamente! — responde, sua voz densa e perturbadoramente calma. Uma quietude cheia de segredos que parece engolir qualquer dúvida. A razão por trás de tudo ainda parece uma charada para o jovem, pobre demônio; nem sua mente brilhante consegue discernir as conclusões que aquele que domina o acaso e o destino em suas mãos alcança, e, mesmo que explicasse, seria uma trama que ele não conseguiria entender completamente, principalmente pela confusão que tal similaridade com seu próprio passado causa. Um dilema entre a lealdade e o altruísmo o arrasta para águas turvas. — Só que agora, Gallael, o propósito mudou. Antes, era a sua lealdade que o guiava; agora, é sua redenção. Mas se tudo ocorrer como previsto, esse caminho não será apenas um ato redentor, mas um passo crucial para corrigir os crimes dele… um desvio perigoso, ousado. E não será a única coisa a seguir um curso distinto do desejado!

    O príncipe recua um passo, um tanto contido pela visão que aquelas palavras lhe trazem.

    — Controle… é sempre sobre controle — murmura, a amargura aflorando em seu rosto ao tocar na empunhadura de sua lâmina. O metal reflete sua expressão dividida, a lâmina fria entre seus olhos. Em um lado, seu rosto carrega o ódio puro, como se fosse esculpido pela traição e pelo peso de ser um peão no tabuleiro de seu pai. As verdades que ele acreditara, as causas que defendera, tornam-se mentiras. No outro, uma hesitação silenciosa, uma dúvida crescente: talvez a única escolha seja romper de vez com os papéis impostos. — E acha isso fácil? Caminhar para a própria morte, jurando que será por algo maior… E eu realmente deveria me importar em ser melhor?

    Seu interlocutor o fita com uma serenidade implacável, as palavras lentas, quase incisivas.

    — Eu poderia questionar o mesmo, mas… será que sua lâmina já não está cansada de ser manchada por sangue? Mesmo que ela permaneça embainhada, vidas se perderão diante de você. Que já não ame, você já amou. Já sofreu as perdas que vêm com isso. Diria ao seu eu mais jovem, àquele que tanto perdeu, que não vale a pena lutar para que outros não carreguem essa dor no futuro?

    As palavras o cortam como lâminas invisíveis. Aquela serenidade, a convicção firme, são as respostas que ele teme enfrentar.

    — O covarde… — continua o outro. — O covarde não é quem recua uma ou duas vezes diante do perigo, mas aquele que, após perder tanto, escolhe nada fazer. Esse é o legado que deseja deixar? Ser um covarde, um insensato, preso às próprias feridas? A redenção pode ser a única trilha para desfazer isso, por isso entendo seu dilema… Foi a verdade mais dura que tive que aceitar!

    O silêncio cai entre os dois após as últimas sentenças. No fundo, Gallael sabe que aquelas palavras são um desafio, uma acusação disfarçada de compaixão. No íntimo, ele se vê refletido no aço de sua lâmina, não apenas como um guerreiro, mas como alguém à beira de uma decisão que não poderá ser desfeita… A tempestade ao redor ruge, como se o próprio destino aguardasse sua resposta, e, pela primeira vez, ele se permite contemplar o verdadeiro significado de sua própria redenção.

    Agora, ao dar os primeiros passos, algo dentro dele luta contra a maré. Não é a vingança que o guia. Ela o havia consumido antes, incendiando sua alma em um fogo que destruía tudo em seu caminho… Ele a conhece bem, já havia seguido esse caminho antes, com o punho fechado e o olhar endurecido. Mas agora, algo em seu interior clama pela tal “redenção”, por um sentido maior que o simples desejo de retribuir dor com dor.

    Ele quer quebrar o ciclo, mesmo que isso custe sua vida.

    “Pela primeira vez, me deixarei acreditar na fé!”

    Seus passos afundam na neve, deixando pegadas que o vento logo cobre, uma trilha efêmera rumo a um destino maior que ele mesmo.

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