Capítulo 193 - Sabedoria e Experiência Não são Sobre Idade
Seguro das garras do mal e agora deitado em uma maca, Jacir fixa o olhar em suas próprias mãos, como se buscasse nelas respostas para o fracasso que o consome. Enquanto seus lábios tremem com uma mistura de desgosto e resignação.
— Eu… não consegui. Quando finalmente tentei, perdi o controle… — murmura, a voz abafada pela culpa que se espalha pelo ambiente.
Do outro lado da sala estéril e silenciosa, a mulher suspira e se ajeita na cadeira próxima à cama, cruzando os braços sobre o peito. Eles estão em um dos vários hospitais particulares de Nova Tóquio, locais mantidos em parceria entre o governo e a Ordem.
Elizabeth o observa, a expressão marcada pela mesma culpa que o aflige.
— Não foi sua culpa… fui eu. Fui irresponsável, Jacir. Agi inconsequentemente, me animei demais. — Aperta os lábios antes de continuar, tentando encontrar sentido no que diz. — Talvez estivesse frustrada como exorcista… fazia dias que não exorcizava ninguém. Não sei, acho que fui hipócrita. Critiquei tanto o Masaru, mas no final… sou tão impulsiva quanto ele.
Mas ele ergue a cabeça, os olhos faiscando com um brilho de negação.
— Não! — interrompe, a voz carregada de emoção. — Eu poderia ter encerrado tudo com a minha técnica, mas fui tolo. Você pode ter errado, mas eu… quase me deixei ser morto. Ele quebrou meu ego. E, agora, só consigo sentir vergonha de mim mesmo.
A mulher arqueia uma sobrancelha, um riso seco escapando de seus lábios enquanto pega o smartphone em seu colo. Lá, as mensagens recém-respondidas de Gabriel parecem gritar de urgência em sua tela.
— Dois irresponsáveis, então! — comenta, tentando amenizar a tensão com um toque de humor. Ela recosta a cabeça na parede atrás de si, soltando um longo suspiro. — Aff… quem sou eu para dar lição de moral?
O silêncio cai entre eles por alguns segundos, quebrado apenas pelos ruídos suaves do hospital. Jacir, hesitante, volta a falar:
— Eu… você… poderia me ajudar? A aprender isso?
Ela inclina o rosto na direção dele, franzindo a testa.
— O quê? Sua técnica inata?
— É. Quando a usei, finalmente entendi por que sempre me agarrei a muletas. Eu não sei controlá-la. É como se… como se ela me controlasse. Me sinto como uma besta fora de controle. Será que isso é… imutável?
Ela o observa atentamente, percebendo o quanto ele está abatido. Sua voz suaviza.
— Olha… não sei se isso é algo intrínseco a você ou se é apenas uma questão de refinamento. Mas, tudo tem um jeito, certo? — Um sorriso pequeno surge em seus lábios. — E isso significa que posso te ajudar!
Jacir levanta o olhar, a esperança começando a substituir o desespero em seus olhos.
— Mas nada de me chamar de mestra! — Ela ri. — Vamos fazer disso uma parceria, OK? Eu te ajudo, mas o trabalho duro é todo seu.
E ele assente, um vislumbre de determinação ressurgindo em seus olhos. O peso do fracasso ainda paira, como uma sombra persistente, mas algo mais começa a despontar: uma promessa de redenção que cresce silenciosamente dentro dele.
— Se eu fosse um terço de você… caramba, isso já seria o máximo!
— É mesmo? — Ela arqueia uma sobrancelha, o tom carregado de uma curiosidade mal contida. — Você me acha tão incrível assim?
— E como não? — responde, com um entusiasmo que parece quase infantil. — Você exorciza demônios como se fossem brinquedos quebrados. Aquele último então? Saiu sem nem um arranhão! — Ele gesticula enquanto fala, como se ela fosse uma heroína saída de uma HQ. — E tudo isso sem nem sequer expandir energia. Estou errado?
— Não, não está… — admite, desviando o olhar como se a própria habilidade fosse algo desconcertante. — Acho que a dimensão disso muda de pessoa para pessoa. Para mim, pode parecer corriqueiro, mas para você… é um feito absurdo lidar com tantas entidades.
Por um instante, seu rosto exibe um misto de orgulho e amargura, antes de ser tomado por algo mais sombrio.
— Mas sabe, nem tudo é tão simples. De cada 100 exorcistas que atravessam uma passagem, 40 morrem. Todos lidando com entidades, ou enfrentando demônios que são simplesmente… fortes demais.
— Quarenta? — Ele parece engolir em seco, a leveza de antes dando lugar a um choque. — Eu… não sabia que…
— Que tantos morriam? — interrompe, com uma dureza inesperada em sua voz. — Pois é, não é exatamente o tipo de dado que se espalha. Não costumamos pensar em quantos eletricistas falecem no trabalho, ou quantos policiais não voltam para casa. As pessoas só… aproveitam o que recebem, sem se importar com o custo. É um mundo injusto, sabe?
E Jacir?
Esta com os pensamentos se enredando. Nunca tivera parado para pensar nisso. Seu povo também não tinha muito essa percepção. Era curioso, de certa forma…
Ela, intrigada, pergunta:
— E como é entre vocês?
Sua curiosidade transborda.
— É algo natural, como um conto passado de geração em geração. Dizem que o Deus Lobo cuidava de seus seguidores, os protegia do frio com seu calor. Mas quando desceu à terra? Foi caçado e transformado em pele.
Ele faz uma pausa, os olhos perdidos em algo distante.
— Mas sabe o que isso simboliza?
Elizabeth o encara, curiosa, com o tom mais brando.
— O quê?
— Que nada é eterno. Por mais cruel que pareça, nada dura. Os homens que caçaram o Deus Lobo? Morreram de frio na estação seguinte. E então, novos ventos voltaram a soprar, novas eras começaram. Tudo é um ciclo. Ele sorri de leve, um brilho de convicção nos olhos. — E nesse ciclo… há uma justiça que escapa à nossa compreensão.
Ela permanece em silêncio, deixando as palavras dele ecoarem em sua mente como o gotejar de uma torneira em um cômodo vazio. Não é exatamente um consolo; a ideia de renovação carrega um peso, uma mistura de amargura e esperança que se entrelaça com a confusão que sente.
Ainda assim, há uma lógica sombria naquele pensamento, uma tentativa de ordem em meio ao caos.
Após um longo intervalo, ela murmura, a voz quase hesitante, como se testasse as águas daquele raciocínio:
— Certo… Acho que é uma visão menos caótica, por mais fria e pragmática que pareça. Quem sou eu para questionar o conhecimento acumulado de gerações, não é? Ela tenta uma brincadeira, mas o sorriso que a acompanha é pálido, quase inexistente, mais resignação do que humor.
Seus olhos desviam para a janela, onde a chuva cai em fios densos, formando rios efêmeros no vidro. Ela traça um deles com o olhar, sua expressão pensativa.
— Justiça… me pergunto se o mundo é justo para alguém que não tem um teto sobre a cabeça. Para quem está lá fora agora, debaixo dessa chuva, com roupas encharcadas e pés descalços. Existe justiça para eles?
A observa, ponderando a pergunta. Finalmente, responde, sua voz grave e medida:
— Para quem dorme coberto por lençóis de ouro, talvez o mundo pareça menos justo do que para aquele que tem um diamante em suas mãos. Justiça é uma questão de perspectiva… ou de privilégio.
Ela inclina a cabeça, intrigada.
— Então, você está dizendo que o mundo é, ao mesmo tempo, cruel e generoso? Que depende de como — ou de onde — estamos olhando para ele?
Jacir faz um leve movimento com os ombros, um gesto quase imperceptível.
— Talvez. Ou talvez a justiça seja um conceito que criamos para nos confortar. Para quem tem frio, um fogo basta; para quem está aquecido, talvez nunca seja suficiente.
Ela suspira, abraçando-se enquanto a chuva continua sua melodia melancólica.
— É uma forma interessante de pensar… Mas, no fundo, acho que ainda prefiro acreditar que existe algo mais. Algo além da perspectiva. Por que, se não houver… o que resta?
— É o seu direito! Ele sorri e, naquele instante, parece que algo sutil, quase imperceptível, muda entre eles.
É um momento de cumplicidade silenciosa, o tipo de conexão que transcende palavras. Talvez seja o peso da verdade compartilhada, ou a leveza de admitir que nem tudo precisa de respostas.
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