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    Seguro das garras do mal e agora deitado em uma maca, Jacir fixa o olhar em suas próprias mãos, como se buscasse nelas respostas para o fracasso que o consome. Enquanto seus lábios tremem com uma mistura de desgosto e resignação.

    — Eu… não consegui. Quando finalmente tentei, perdi o controle… — murmura, a voz abafada pela culpa que se espalha pelo ambiente.

    Do outro lado da sala estéril e silenciosa, a mulher suspira e se ajeita na cadeira próxima à cama, cruzando os braços sobre o peito. Eles estão em um dos vários hospitais particulares de Nova Tóquio, locais mantidos em parceria entre o governo e a Ordem. 

    Elizabeth o observa, a expressão marcada pela mesma culpa que o aflige.

    — Não foi sua culpa… fui eu. Fui irresponsável, Jacir. Agi inconsequentemente, me animei demais. — Aperta os lábios antes de continuar, tentando encontrar sentido no que diz. — Talvez estivesse frustrada como exorcista… fazia dias que não exorcizava ninguém. Não sei, acho que fui hipócrita. Critiquei tanto o Masaru, mas no final… sou tão impulsiva quanto ele.

    Mas ele ergue a cabeça, os olhos faiscando com um brilho de negação.

    — Não! — interrompe, a voz carregada de emoção. — Eu poderia ter encerrado tudo com a minha técnica, mas fui tolo. Você pode ter errado, mas eu… quase me deixei ser morto. Ele quebrou meu ego. E, agora, só consigo sentir vergonha de mim mesmo.

    A mulher arqueia uma sobrancelha, um riso seco escapando de seus lábios enquanto pega o smartphone em seu colo. Lá, as mensagens recém-respondidas de Gabriel parecem gritar de urgência em sua tela.

    — Dois irresponsáveis, então! — comenta, tentando amenizar a tensão com um toque de humor. Ela recosta a cabeça na parede atrás de si, soltando um longo suspiro. — Aff… quem sou eu para dar lição de moral?

    O silêncio cai entre eles por alguns segundos, quebrado apenas pelos ruídos suaves do hospital. Jacir, hesitante, volta a falar:

    — Eu… você… poderia me ajudar? A aprender isso?

    Ela inclina o rosto na direção dele, franzindo a testa.

    — O quê? Sua técnica inata?

    — É. Quando a usei, finalmente entendi por que sempre me agarrei a muletas. Eu não sei controlá-la. É como se… como se ela me controlasse. Me sinto como uma besta fora de controle. Será que isso é… imutável?

    Ela o observa atentamente, percebendo o quanto ele está abatido. Sua voz suaviza.

    — Olha… não sei se isso é algo intrínseco a você ou se é apenas uma questão de refinamento. Mas, tudo tem um jeito, certo? — Um sorriso pequeno surge em seus lábios. — E isso significa que posso te ajudar!

    Jacir levanta o olhar, a esperança começando a substituir o desespero em seus olhos.

    — Mas nada de me chamar de mestra! — Ela ri. — Vamos fazer disso uma parceria, OK? Eu te ajudo, mas o trabalho duro é todo seu.

    E ele assente, um vislumbre de determinação ressurgindo em seus olhos. O peso do fracasso ainda paira, como uma sombra persistente, mas algo mais começa a despontar: uma promessa de redenção que cresce silenciosamente dentro dele.

    — Se eu fosse um terço de você… caramba, isso já seria o máximo!

    — É mesmo? — Ela arqueia uma sobrancelha, o tom carregado de uma curiosidade mal contida. — Você me acha tão incrível assim?

    — E como não? — responde, com um entusiasmo que parece quase infantil. — Você exorciza demônios como se fossem brinquedos quebrados. Aquele último então? Saiu sem nem um arranhão! — Ele gesticula enquanto fala, como se ela fosse uma heroína saída de uma HQ. — E tudo isso sem nem sequer expandir energia. Estou errado?

    — Não, não está… — admite, desviando o olhar como se a própria habilidade fosse algo desconcertante. — Acho que a dimensão disso muda de pessoa para pessoa. Para mim, pode parecer corriqueiro, mas para você… é um feito absurdo lidar com tantas entidades.

    Por um instante, seu rosto exibe um misto de orgulho e amargura, antes de ser tomado por algo mais sombrio.

    — Mas sabe, nem tudo é tão simples. De cada 100 exorcistas que atravessam uma passagem, 40 morrem. Todos lidando com entidades, ou enfrentando demônios que são simplesmente… fortes demais.

    — Quarenta? — Ele parece engolir em seco, a leveza de antes dando lugar a um choque. — Eu… não sabia que…

    — Que tantos morriam? — interrompe, com uma dureza inesperada em sua voz. — Pois é, não é exatamente o tipo de dado que se espalha. Não costumamos pensar em quantos eletricistas falecem no trabalho, ou quantos policiais não voltam para casa. As pessoas só… aproveitam o que recebem, sem se importar com o custo. É um mundo injusto, sabe?

    E Jacir?

    Esta com os pensamentos se enredando. Nunca tivera parado para pensar nisso. Seu povo também não tinha muito essa percepção. Era curioso, de certa forma…

    Ela, intrigada, pergunta: 

    — E como é entre vocês?

    Sua curiosidade transborda.

    — É algo natural, como um conto passado de geração em geração. Dizem que o Deus Lobo cuidava de seus seguidores, os protegia do frio com seu calor. Mas quando desceu à terra? Foi caçado e transformado em pele. 

    Ele faz uma pausa, os olhos perdidos em algo distante. 

    — Mas sabe o que isso simboliza?

    Elizabeth o encara, curiosa, com o tom mais brando. 

    — O quê?

    — Que nada é eterno. Por mais cruel que pareça, nada dura. Os homens que caçaram o Deus Lobo? Morreram de frio na estação seguinte. E então, novos ventos voltaram a soprar, novas eras começaram. Tudo é um ciclo. Ele sorri de leve, um brilho de convicção nos olhos. — E nesse ciclo… há uma justiça que escapa à nossa compreensão.

    Ela permanece em silêncio, deixando as palavras dele ecoarem em sua mente como o gotejar de uma torneira em um cômodo vazio. Não é exatamente um consolo; a ideia de renovação carrega um peso, uma mistura de amargura e esperança que se entrelaça com a confusão que sente.

    Ainda assim, há uma lógica sombria naquele pensamento, uma tentativa de ordem em meio ao caos.

    Após um longo intervalo, ela murmura, a voz quase hesitante, como se testasse as águas daquele raciocínio: 

    — Certo… Acho que é uma visão menos caótica, por mais fria e pragmática que pareça. Quem sou eu para questionar o conhecimento acumulado de gerações, não é? Ela tenta uma brincadeira, mas o sorriso que a acompanha é pálido, quase inexistente, mais resignação do que humor.

    Seus olhos desviam para a janela, onde a chuva cai em fios densos, formando rios efêmeros no vidro. Ela traça um deles com o olhar, sua expressão pensativa.

    — Justiça… me pergunto se o mundo é justo para alguém que não tem um teto sobre a cabeça. Para quem está lá fora agora, debaixo dessa chuva, com roupas encharcadas e pés descalços. Existe justiça para eles?

    A observa, ponderando a pergunta. Finalmente, responde, sua voz grave e medida: 

    — Para quem dorme coberto por lençóis de ouro, talvez o mundo pareça menos justo do que para aquele que tem um diamante em suas mãos. Justiça é uma questão de perspectiva… ou de privilégio.

    Ela inclina a cabeça, intrigada.

    — Então, você está dizendo que o mundo é, ao mesmo tempo, cruel e generoso? Que depende de como — ou de onde — estamos olhando para ele?

    Jacir faz um leve movimento com os ombros, um gesto quase imperceptível.

    — Talvez. Ou talvez a justiça seja um conceito que criamos para nos confortar. Para quem tem frio, um fogo basta; para quem está aquecido, talvez nunca seja suficiente.

    Ela suspira, abraçando-se enquanto a chuva continua sua melodia melancólica.

    — É uma forma interessante de pensar… Mas, no fundo, acho que ainda prefiro acreditar que existe algo mais. Algo além da perspectiva. Por que, se não houver… o que resta?

    — É o seu direito! Ele sorri e, naquele instante, parece que algo sutil, quase imperceptível, muda entre eles.

    É um momento de cumplicidade silenciosa, o tipo de conexão que transcende palavras. Talvez seja o peso da verdade compartilhada, ou a leveza de admitir que nem tudo precisa de respostas.

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