Índice de Capítulo

    O mundo era cruel para todos, alguns sofriam mais, outros menos. Mas qual era o valor em quantificar o sofrimento alheio?

    Assim, viviam os tolos: uns mais imaturos, outros um pouco menos. Mas qual o valor em medir a extensão de sua própria tolice?

    No final, a única coisa que sabíamos com certeza era que…

    Banhado em sangue e consumido pelo vazio, Gallael emerge do portal que o conduz ao seu destino. Suas mãos ainda tremem com o peso do pecado cometido, um ato que o marca profundamente.

    Diante dele, a cruz. Sempre a cruz, a eterna testemunha de suas decisões.

    — Pronto… — murmura, quase inaudível, enquanto seus olhos se erguem lentamente para encontrar Asmael, que o aguardava. — As engrenagens estão postas!

    O silêncio entre eles é denso, quase palpável.  O rei inclina a cabeça, como se ponderasse as palavras dele, antes de romper a quietude com uma pergunta:

    — Sente o peso?

    — Sinto! — desaba de joelhos, o olhar fixo nos próprios pés. Seus pensamentos se agitam como um mar revolto. — Eu… sempre me considerei frio. Impiedoso. Mas agora… não sei por que sinto esse vazio em meu peito. Eles eram só humanos…

    — Diferente dos exorcistas, não é? — provoca Asmael, arqueando uma sobrancelha. Suas palavras cavam por debaixo das rochas, em busca de algo mais valioso do que ouro.

    — Diferentes… — Ergue o olhar, um lampejo de desafio em seus olhos. — Não que eu tenha matado algum exorcista! — completa rapidamente. — Mas acho que sentiria o mesmo. Os poucos que matei… eram meus irmãos. Fantoches do meu pai. Eu os destruí porque, se não o fizesse, não haveria um amanhã para mim. Mas essas pessoas? Eu as matei pelo oposto…

    — Irônico, não acha? — o interrompe, roubando as palavras que ele tenta formular. — Esse sentimento que o invade agora… é empatia. É o mesmo que os humanos sentem ao olhar para um animal prestes a ser abatido. Algo puro, belo.

    — Belo? — Gallael estreita os olhos, a dúvida evidente em sua expressão. — Um sentimento que me torna frágil… é belo?

    — Sim. Não há nada mais belo do que nossas fraquezas, que eles chamam, que nós chamamos ou deveríamos de amor! — ele sorri, um sorriso genuíno e carregado de um misto de melancolia e ironia. — Liliel e Azaael também o chamaram assim…. Quanto a mim? Eu roubei o significado. — Sua risada ecoa, baixa e carregada de um sarcasmo quase cruel. Ele pousa a mão no ombro do demônio, um gesto surpreendentemente leve. — Um dia, você encontrará uma razão que o fará pular de peito aberto sobre uma espada. Mas não se preocupe. A dúvida nos acompanha até mesmo quando estamos certos. Aceitar uma verdade… essa é a dádiva dos ignorantes!

    — Morrer por uma dúvida? — Gallael o encara de lado. Por um instante, um sorriso quase se forma em seus lábios, mas o sangue em seu rosto o impede. — Não acho que cheguei a esse nível de iluminação…

    — Morremos por menos! — dá de ombros, despreocupado, mas seus olhos brilham com algo que pode ser sabedoria ou apenas um cinismo afiado. — A vida, afinal, não tem valor. Guerras são travadas em nome da paz. E, nos ideais, as guerras são pacíficas. Mas a história? Ah, essa é violenta e trágica. — Ele estala os dedos, um som seco que reverbera pelo espaço, e uma fenda se abre, rasgando o tempo e o espaço. — Então, Gallael, daremos aos homens uma nova chance. Que criem um mundo sem sofrimento, sem dor. E, se possível, que aprendam com seus erros!

    As palavras do rei pairam no ar, carregadas de um peso que o príncipe mal pode compreender.

    Não são apenas promessas vazias – são confissões veladas, ecos de algo maior, algo que parece ressoar no vazio de seu peito. O mesmo vazio que, por tanto tempo, define sua existência. 

    Contudo, agora, há uma fagulha.

    Um lampejo de redenção ou de destruição – ela não sabe dizer. Talvez seja ambos. E se for, que caminho escolherá?

    Enquanto um está diante do abismo, outro mergulha mais e mais profundamente.

    Liliel, literal e figurativamente. No topo de um prédio, as luzes da cidade de Nova Tóquio se fundem em um mar nebuloso de brilhos artificiais, tão distante quanto Yamasaki, que repousa em sono profundo sob aquele mesmo céu. Ela o observa há quilômetros do distrito vizinho, presa entre o anseio de agir e o pavor de fracassar.

    Mesmo ali, sente a presença de Azaael.

    É um cheiro, um vestígio, algo intangível que a mantém conectada a ele.

    “Maldição… Ele está tão perto e tão longe!”

    A frustração ferve em seus pensamentos enquanto o olhar atravessa as nuvens, onde Nox, a testemunha eterna, a encara com olhos inquisidores através de sua luz fria e gélida.

    “Você… é minha única testemunha…”

    Ela aperta as mãos contra o peito, como se pudesse esmagar os sentimentos que a consomem. Não é justo. Ela e o rei lutaram por algo que ousaram chamar de amor. Um amor que jamais deveria ter existido.

    Um amor que agora ameaça desaparecer em uma mera promessa. Eles estão em perigo, a vida depende de escolhas que não cabem mais a ela ou a ele.

    Mas o que fazer? Jogar contra o abismo que serve ao seu inimigo é assinar sua sentença. E mesmo assim, a ideia de permanecer inerte a dilacera.

    Sua afeição é visível não em palavras doces, mas em atos – egoístas na superfície, mas impregnados de um altruísmo tortuoso. Ela clama em silêncio, quase inaudível, por perdão.

    Não ao mundo, mas ao homem que ela não pode amar eternamente.

    A mente dela vaga por águas turbulentas, oscilando entre a certeza de que está perdida e a ternura de memórias que queimam como brasas. O arrepio em sua pele ainda pulsa na lembrança de Azaael tocando-a, prometendo um mundo onde poderiam existir juntos. A voz dele, rouca e apaixonada, ainda ecoa como uma melodia que ela não pode ter – não mais.

    Faz tanto tempo… tantos ciclos, ela ainda pode contar, dia após dia, até enfim ser teletransportada mentalmente… 

    ÚLTIMO CAPÍTULO ESCRITO AQUI!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota