Capítulo 197 - Conto Passado: Romeu e Julieta — Part I
Em uma época sombria, onde a tirania dos reis se estende sobre os corações dos homens como uma sombra eterna, as terras de Aija são o cenário de uma guerra interminável entre os povos, um tumulto de sangue e escombros.
Quando o imperador ainda não se ergue, e as potências arrastadas pelo mundo não possuem sinal de unidade. Marcado pela desolação, pela brutalidade e pelo eco constante da morte.
E em Maladomus, Luciel se prepara para o caos que logo espalhará. Ele, o rei dos reis, o soberano de tudo que existe, observa o horizonte sombrio com uma calma inquietante, sabendo que a guerra se aproxima como um monstro sedento, pronto para devorar tudo em seu caminho.
E tem, à sua disposição, o pior dos carrascos: Azaael, naquela época conhecido como o demônio da ira, cuja fúria incontrolável destrói tudo que se põe à sua frente. Invencível, ele leva milhões à morte, anjos à escuridão e até outros demônios ao pó. Sua sede insaciável de sangue e destruição não conhece limites.
É nesse contexto, enquanto caminha sozinho pelas terras devastadas ao redor de seu palácio, que Azaael pela primeira vez na eternidade de sua existência sente algo novo emergir em seu peito.
Uma semente, uma presença desconhecida e implacável, a mesma que dará origem a uma macieira, frutificando uma versão renovada de si. Ele sente a primeira e singela mudança, algo visceral, como se o próprio destino estivesse prestes a se reescrever.
À distância, no lado mais sombrio e esquecido da superfície do reino sombrio, Liliel, a filha mais nova de Asmael, o observa. Bela como uma flor no inferno, seus olhos brilham com um fogo misterioso. É um fogo de desafio e curiosidade, uma chama que não se apagará tão facilmente.
Ela o vê de lado, sabendo que aquele será o encontro definitivo, um momento em que o destino se dobrará. Há tanto tempo o aguarda, com paciência, mas também com ardente desejo de compreensão.
— O cão mais fiel e sanguinário do rei dos orgulhosos! Enfim, te conheço… — diz ela, chamando mais sua atenção, uma leve ironia em sua voz, como se seu olhar já tivesse percorrido as ruínas daquele monstro inexplicável. — Como é na superfície? Em Crea…
O rei a encara com olhos que queimam como rubis, seu semblante inabalável, mas seu coração pulsa mais rápido ao ver aquela mulher tão imponente. Ele se aproxima, naquela época, em sua verdadeira forma, uma monstruosidade de poder que mais parece um deus da guerra.
— Quem és?
Sua voz é profunda, como um trovão que ecoa e rasga seu peito. Ele a olha intensamente, absorvendo cada traço dela, como se tentasse entender o mistério que se esconde naquele corpo delicado.
— Eu? Ah, Liliel. Já fazem ciclos que meu pai disse que partiria. Conheci os seis reis, só faltava você… Sou a caçula de Asmael!
Ela o encara com valentia, os olhos ainda ardendo com aquele fogo irreprimível.
— Dizem ser invencível… Verdade?
O demônio sorri ao ouvir, um sorriso frio como a lâmina de uma espada.
— Talvez… Por quê? Gostaria de me desafiar?
A resposta de Liliel é um estalo de pura ousadia:
— Gostaria de ver o dragão inderrotável em minha lança, topa?
Ela o surpreende com a confiança em sua voz, seu desafio irradiando como uma rajada de vento cortante.
— Você deve achar que por trás dessa flor não há uma guerreira!
Sem aviso, uma adaga negra, como a própria noite, aparece em sua mão. A princesa avança, rápida como o vento, e a lâmina encontra o pescoço dele, parando ali. O ar está denso, mas há um brilho insano nos olhos dela, almejando demonstrar seu poder.
— Caramba…
— Por que está surpreendido?
Ela desafia, com a lâmina ainda na garganta dele.
— Foi tudo na sua frente…
Mas ele, com um sorriso distante, usa um poder inefável para empurrá-la para baixo. A força de seu movimento é tão brutal que a adaga finca no chão com um estrondo.
— Sua beleza…
Ele a observa com respeito e algo mais profundo, mas seus olhos ainda são impassíveis, vazios de qualquer sentimento humano.
— Você é rápida… mas não o suficiente para mim!
Liliel levanta a cabeça, encarando-o com uma intensidade que parece desafiar a própria eternidade.
— Só um tapa?
Ela o fuzila com os olhos.
— Um dia, irei devolver…
— Aguardo com prazer!
O sorriso se mantém, mas há algo em seus olhos que reflete mais do que apenas impiedade. Ele sabe que este encontro, por mais breve que seja, marcará algo maior no tecido do destino.
Sua obediência e sua guerra não são movidas por honra. Ele se ergue vazio, pela vontade de seu irmão, como todos os sete demônios reis, vistos como uma unidade, mas quem comanda seus movimentos deseja o melhor para si. Não é diferente dos homens, de ontem e de hoje.
Após, não bastam os dias. Ele está lá, mais uma vez, enquanto vislumbra a calmaria que o toma, uma certeza desconcertante… estar sem sangue, sem guerras, o deixa à mercê da dúvida.
— Por que não foi? — indaga ela, se sentando ao seu lado. — Disseram que sua campanha em Crea não acabou, então, por que não foi atrás de sua guerra?
— Minha?
— É…
— Por que se importa?
— Ora… — ela cerra os punhos, sua aura densa. — Também quero… ter uma certeza, como você!
— Certeza?
— É, rei, você vai à superfície por algo, não? — ele vê, por um instante, um brilho genuíno, que jamais vira em qualquer olhar.
— Por algo… Você é tão poderosa, mas tão inocente. Não vou à superfície por nada mais que covardia! — admite, mais corajoso do que nunca. — Mato por mentiras, e assim vivo. Você está ansiosa por isso?
— Eu… estava…
— Estava… posso parecer aquele que desencoraja os outros, mas não deveria almejar viver como eu! — Quando enfim, determina, um suspiro ecoa dos lábios dela. — Que… foi?
— Finalmente, não posso fingir que me importo com isso! — ela diz, sua tristeza, seu desânimo desaparecendo de seu rosto, arrancando novamente uma feição de surpresa do ser. — Sabe, eu nem me importo com essa merda… que se foda o imperador!
— Quê?
Esse sentimento foi o primeiro laço, entre os dois…
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