Capítulo 198 - Conto Passado: Romeu e Julieta — Part II
— Eu sempre acho que sou a única que percebe o vazio de andar em círculos — Liliel diz, a voz carregada de uma amargura libertadora. — Sempre chegamos ao mesmo ponto. Olhe para este lugar. Ele reflete tudo o que somos: vazios e deformados, apesar de uma fachada de beleza que nem o tempo consegue apagar… externamente. Mas, internamente, somos apenas ecos de nós mesmos, repetições de algo que já não sabemos se é real!
Seus olhos se fixam nas árvores mortas à sua frente, e por um instante, a beleza melancólica de suas próprias palavras a envolve. Com um sorriso irônico, ela sente o ar ao seu redor mudar. A aura dela parece se misturar à dele, tornando tudo mais denso, carregado de uma energia que o desafia a compreendê-la.
— E o que você almeja? — Ele interrompe, a voz cortando o silêncio. Há cinismo em seu tom, mas também uma curiosidade velada, quase sombria.
— Eu? — Ela aperta os lábios, hesitando, como se falasse para o vazio. Em seguida, a frieza em sua expressão suaviza. — Viver. Você não almeja? Nascemos fortes o suficiente para desafiar o destino, se é que ele existe. Podemos ir além dos homens e buscar uma verdade que seja só nossa. Não somos marionetes; somos a vontade do que não se vê.
— Viver… — Ele repete, a palavra ecoando, ressonante, de maneira inesperada.
— Então vá. Diferente de meu pai, você entende até onde podemos refletir a escuridão sem perceber que somos feitos dela, não? — Suas palavras cortam como lâminas, cada sílaba um golpe em algo profundo dentro dele.
O silêncio que se segue é pesado, e suas palavras, lentas como veneno, começam a surtir efeito.
Tanto é que ele retorna tempos após a “sua” última Guerra.
Ele, o carrasco outrora temido, retorna a Maladomus com a mente conturbada. Liliel, agora uma força inabalável, já ascendeu ao comando do principado. Dois dias depois de sua chegada, ele a observa derrotar um dos príncipes demônios mais poderosos.
Ela permanece ereta, inabalável. Seus cabelos vermelhos dançam como chamas ao vento enquanto os demônios abaixo dos reis se ajoelham, reconhecendo sua força.
Astael, seu adversário, cai de joelhos, derrotado pelo golpe devastador. A Daemon Satanicus, Serpens Mille Laminae, uma antiga maldição dita por ela e manifestada em lâminas negras, dilacera sua armadura como se fosse papel.
— Você se rende? — ela pergunta, pisando sobre sua cabeça, sua presença esmagadora não dá chances ao pobre desafiante. Sem forças, ele se submete. Com um golpe final, golpeando o solo com os punhos cerrados, Liliel é consagrada líder do principado.
O Reencontro…
Momentos depois, Azaael encontra Liliel na ponte que leva ao monumento dos nobres demônios. Ela parece distante, transformada, como se sua essência tivesse sido moldada para comandar. Ele, um espectro de sua própria alma, está marcado pelas batalhas, mas seu olhar entrega a intensidade do momento.
— Então é isso. Você se tornou o que buscava… a líder dos príncipes e nobres — ele declara, sua voz grave, escondendo uma inquietação sob um sorriso leve.
— É. Foi o que busquei enquanto você esteve fora. E você? Veio de mais uma guerra… encontrou coragem? — As palavras dela, provocativas e amargas, tocam algo profundo nele.
Sem mencionar os anos que os separaram, eles se entregam ao que há entre eles. O tempo para; o mundo ao redor desaparece. Seu amor nasce explosivo e inescapável, consumindo dias e noites em uma entrega absoluta.
O Desafio Final…
Quando tudo parece convergir, Azaael enfim avança até o antro dos leões: o palácio do soberano dos demônios. Sem se ajoelhar ou fazer reverência, ele desafia a corte das trevas — Luciel, Bezeel, Asmael.
Ao caminhar, flashes de seus momentos com Liliel misturam-se a seus pensamentos, a água sacudindo diante da dança de seus corpos e o calor de seus lábios a cada promessa, um juramento silencioso de buscar algo maior: amor e a verdade.
Anjos e demônios cantam enquanto ele se coloca diante da corte, inquebrantável, sua alma finalmente liberta.
— O que almeja? — A voz de Luciel corta o silêncio, afiada como uma lâmina. — O que você, que reflete a ganância, veio pedir?
— Eu… — responde Azaael, sua voz calma, mas carregada de um peso inesperado.
O olhar da Luxúria se estreita, enquanto a figura de Gula, de braços cruzados, observa em silêncio.
— Diga, então.
— Venho anunciar a você… meus irmãos… os que restam… que não almejo mais ajudar! — As palavras dele ecoam pela sala, e o poder de sua declaração faz com que a própria fundação do trono do imperador estremeça. — Encontrei um motivo para trilhar, algo que vá além de tornar o seu sonho uma realidade!
Todos os olhares se voltam para o imperador, esperando sua reação.
— Meu sonho? — A voz de Luciel se eleva, carregada de incredulidade. — Sempre foi nosso… e o que você encontrou? O que seus olhos almejam, mais do que a liberdade?
— Amor… — desafia Azaael, como se afrontasse o céu e o inferno com sua verdade. — Há liberdade sem amar? O que você almeja, Luciel?
— Tolo, amor? Que tolice… É isso que te move? Então, após prometer que jamais me trairia, de oferecer vida longa ao seu imperador, agora diz que desertará por amor? Que patético! — a voz de Luciel soa cortante, como lâminas afiadas, carregada de desprezo. Sua aura se ergue, quase palpável, uma força sombria que consome o próprio espaço ao redor. — Não conhece o amor aquele que renuncia à própria liberdade e profere mentiras profanas na casa de seu senhor! Oh, pária desprezível!
Este é o momento crucial, o ponto de ruptura, o destino selado pela própria palavra do traidor. Luciel sente o peso desse instante, sem retorno. Com um gesto preciso, ele ergue a mão, como se acariciasse o vazio enquanto acusa. Em resposta, a realidade se distorce. Uma rajada de energia, tão pura e destrutiva quanto a fúria do cosmos, dispara. O impacto é de tamanha força que a tênue barreira do mundo imaterial se quebra, rachando como vidro fino sob um golpe devastador.
“Será…”
A mente de Luciel ferve, uma chama de excitação ardendo em sua razão. Ele já sabia, já sentia a traição de Azaael chegando. As sombras da deslealdade estavam sempre presentes, sussurrando em seu interior. Mas, ao ver o demônio de pé, uma estranha sensação de desconforto o percorre.
A verdade, inegável e desconcertante, é que o sonerano não consegue, por mais que tente, superar a velocidade da dádiva maldita do irmão: a Invincibilis Portator.
Esse poder o desafia, o desestabiliza, porque anula qualquer ataque, qualquer destino que tente se cumprir contra ele. Nada o toca. Nem a morte, nem a manipulação da realidade.
Com movimentos lentos e deliberados, Azaael se ergue da destruição, seus olhos ardendo como carvões incandescentes. Ele para por um instante, avaliando. A resposta está ali, explícita, na resistência do irmão, na recusa em ceder.
Quem é esse ser que permanece diante dele, imbatível, inquebrantável? Luciel, o imperador, aquele cuja única certeza é que a força sempre se renova, sempre se torna mais poderosa, mais incompreensível, se vê desafiado. Mas Azaael… Ele representa algo além da força. Algo mais profundo. Mais desconcertante.
O invencível. O imortal.
E a dúvida, pela primeira vez, pesa sobre o imperador.
Quem vencerá?
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