Índice de Capítulo

    — O que…? — murmura Liliel, a voz carregada de fúria. O peso da traição ressoa em cada canto do principado, como um sino sombrio que alcança até mesmo as profundezas do abismo. Nos aposentos contíguos ao do líder, onde as paredes parecem pulsar com sua indignação, ela se levanta abruptamente dos lençóis de seda. Seus olhos, em brasas, queimam como estrelas prestes a consumir tudo ao redor, fixando-se na figura paterna. — Não pode ser… — as palavras saem rasgadas.

    Enquanto Asmael observa a cena, cada palavra dela é compreendida pela entidade. Ele sabe. Sempre soube. Afinal, fora ele quem recomendara a aproximação.

    Ao redor dos dois, o quarto luxuoso se revela: uma materialização imaterial do espaço mais desejado pelos homens. O principado, vasto como um vale e repleto de ouro e joias, encarna a máxima ganância, soberba, inveja e luxúria humanas.

    — Entendo, amor… você está apaixonada… — murmura, a voz pesada e amarga, como se chegasse tarde demais.

    Enquanto a aura dela vibra, ameaçando incendiar o lugar.

    — Eu… não acredito que ele foi sem mim! — diz, a voz como um trovão, reverberando em cada fibra do demônio.

    O ódio em suas palavras é tão intenso que quase oculta o verdadeiro motivo por trás de seu desabafo.

    Ele, porém, ouve. Sempre ouve. E, naquele momento, é como se o chão sob seus pés desaparecesse.

    — O quê…? — tenta falar, mas a voz falha.

    — É isso mesmo, pai! Eu estou irritada! Nós dois íamos fazer isso juntos! O que deu nesse desgraçado?! — explode ela, o calor preenchendo o ambiente como um incêndio descontrolado.

    Em resposta, ele pisca, confuso, o olhar perdido na figura de sua filha. Ele, que enfrenta legiões de exorcistas, desafia seres de luz e retorna inúmeras vezes do limiar da existência, agora se sente impotente.

    — Não… — murmura, quase para si. — Não pode ser! Liliel… você e Azaael… por acaso são cúmplices dessa traição? Então, o amor… era o amor de vocês?

    Ele não sente raiva dela. Não. A fúria que pulsa em suas veias é dirigida à situação, ao destino implacável que parece brincar com suas vidas. Desde que começou a caminhar por essa jornada, sua vida tem sido um fardo, parasitada pela única de seus filhos que escapava do destino de ser apenas uma sombra das trevas. Tudo o que ele sempre quis era o bem dela, um futuro onde fosse feliz… diferente dele.

    “O que fiz de errado? Destino… Será que minha garotinha está condenada a morrer inevitavelmente, em todas as linhas do tempo?”

    O pensamento ecoa em sua mente enquanto ele dá um passo à frente, bloqueando o caminho dela até a porta.

    — Escuta, Liliel. Você não vai piorar as coisas! — A voz dele treme com uma mistura de amor desesperado e um medo que ele nunca admitiria em voz alta.

    Ela para, hesitante. Pela primeira vez, algo em suas palavras a desarma. Sente, naquele momento, o peso de um amor que sempre esteve ali, mas que agora parece se entrelaçar com o receio de um pai que vê o mundo desmoronar diante de seus olhos.

    — Por quê, pai? — pergunta, a voz baixa, um misto de curiosidade e indiferença.

    — Você… Azaael, são tolos. O que acharam? Que conseguiriam vencer Luciel ou viver sem a influência dele?

    — Qual é… — responde ela, despreocupada.

    E antes que ele possa reagir, ela o envolve em um abraço forte, quase desesperado. Seus braços se fecham ao redor dele como uma muralha frágil, mas obstinada, uma tentativa inútil de protegê-lo de forças invisíveis, forças que ele próprio sabe serem incontroláveis.

    — O que é isso…? — Sua voz sai baixa, hesitante, como se fosse um eco de dúvidas que ele nunca ousou verbalizar. — Não era você quem me ensinou a ser assim? A ser forte? A lutar? — sussurra, mas sua voz carrega uma confiança inabalável, como em todas as vezes que o desafiou. Mesmo assim, ela não se afasta. — Caramba, só estou seguindo seus conselhos, ser feliz… O que foi? O medo te dominou?

    O abraço dela não é apenas um gesto físico; é uma súplica silenciosa, um pedido desesperado por permissão, por compreensão. Ele sente isso. E, por um breve instante, o calor da ira que o consome dá lugar a algo mais profundo e insuportável: o peso esmagador de uma escolha que ele não quer fazer.

    — Mas… — começa, sem saber como terminar.

    — Mas? — o interrompe com palavras que cortam como lâminas, sua voz trêmula, mas firme. — Se já estou decidida, o que almeja? Que viva como uma escrava, como você? — As palavras dela são flechas certeiras que atingem o âmago de seu coração covarde. — Você, mais do que ninguém, odeia… isso tudo, não odeia?

    — Mas… as coisas não são tão simples assim! — Ele se afasta dela abruptamente, batendo a mão contra o rosto, num gesto de impotência. — Se rebelar assim… só vai trazer mais dor! Para mim, para você… para tudo o que…

    — Poderá fazer? — Ela o interrompe de novo, a intensidade em seus olhos quase sufocante. — Nada, ué… Por quê? Você acha que segura o mundo nas suas mãos? Esse mundo todo só não desmorona porque você insiste em segurá-lo. Mas já se perguntou… por que o faz? Já pensou em você?

    Ele abre a boca para responder, mas é ela quem continua:

    — Não! — A palavra vem como um golpe final. — Você nunca pensa em si. Primeiro foi Luciel, agora sou eu… Depois, o mundo. Sempre alguém, sempre algo mais importante do que você.

    Ele sente como se estivesse sendo desnudado por aquelas palavras. Ela não está apenas o desafiando; está expondo uma verdade amarga que ele evita encarar há anos.

    — Talvez… — Ele se senta na beira da cama, os ombros curvados sob o peso de sua própria existência. — Talvez eu seja mesmo quem deve trazer um pouco de luz a esse mundo… Mas, caramba… eu só queria, ao menos uma vez, fazer quem amo feliz… Ou ao menos deixá-los…

    — Você vai me fazer feliz se me deixar seguir meu caminho! — ela o corta, a voz baixa, mas carregada de determinação, enquanto seus olhos brilham com uma mistura de medo e coragem. — Eu tenho medo, claro que tenho… Todos têm. Mas, ainda assim, eu escolho isso!

    Ele a olha e, pela primeira vez, vê não apenas a garota que tenta proteger, mas uma mulher disposta a enfrentar o mundo — e ele — por sua liberdade.

    Pobre Liliel, pensa ele, enquanto sua mente o trai com pensamentos sombrios.

    Ela mal sabe o que um coração paterno, repleto de amor e desespero, é capaz de fazer.

    Após a conversa, ele caminha em direção ao palácio. Em instantes, abre os portões com um olhar praticamente sem vida.

    — Meu senhor?

    Diz, atingindo a criatura que está em pé, encarando a cabeça de um demônio nas mãos, que acabara de matar, pois o sangue púrpura escorre sem trégua.

    — Diga!

    — Ehr… eu tenho mais um nome! — ele se ajoelha, relutando. Sente uma força invisível segurar seus punhos, mas logo os fecha, após transitar por tantas questões. — Peço misericórdia, compaixão… Pois… — os olhos da besta se voltam para ele, soltando o pedaço macabro. — É minha filha! Liliel…

    — Ué, Liliel? — Luciel não se surpreende, mas um sorriso invade seu rosto. — O maior prodígio entre nossos filhos? Que decepção…

    — Sim! Infelizmente… eu suplico que me deixe bani-la para uma dimensão tão longínqua que não volte nunca mais, mas não, mande a executar por traição! — sua voz é forte, como um chicote que estrala. 

    Nesse instante, seu rosto se ergue, não é a primeira vez que ele toma uma decisão em prol de um “bem”, mas esta é a primeira vez que vacila em suas decisões, seu coração estava inquieto…

    “Me entregando um refém? Caramba… Asmael realmente é um maldito, tão poderoso, até eu o temo, mas se coloca em minha mão com tanta fé…”

    Pensa, sentindo-se melhor do que era.

    — Pois bem, temos um acordo!

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