Capítulo 223 - Inabalável e Humana
“Agora, é só dar o golpe final!”
A entidade pensa enquanto joga os ossos arrancados do próprio peito no chão… restos que parecem representar a confiança de Zuri que se dissipou…
E, enquanto o breu regenera, um silêncio profundo se espalha, um gemido de dor escapa por entre seus dentes, e sua cauda golpeia aquele ligar árido, como o golpear de um trovão no solo.
O sangue púrpura escorre lentamente pelo ferimento em seu torso, enquanto sua visão começa a turvar.
“Que dor insuportável… Essa mulher… é tão letal!”
O pensamento se interrompe quando ergue os olhos e percebe algo que desafia a lógica: sua vítima desapareceu. Apenas uma poça de sangue permanece no chão onde estava, mas, com um rastro seguindo para a direita.
“Como isso é possível?”
— Estou aqui! — A voz de Zuri ecoa à distância, vinda da direção onde seus olhos se fixam. O tom é firme, carregado de energia. — Isso doeu pra caramba, sabia? — ela completa, enquanto cauteriza a ferida no ombro com as chamas que invoca em suas mãos.
A entidade hesita, perplexa.
“Nem mesmo após perder o braço? Eu vi a derrota nos olhos dela… Então, o que a fez se levantar?”
Mas ela mantém seu olhar fixo na entidade, sua aura cresce levemente, enquanto seu corpo está visivelmente exausto e no limite. E seus olhos… os olhos ardem com algo que a entidade não consegue compreender… talvez a resposta que tanto procura.
“Seria isso um blefe? Ou algo ainda mais perigoso?”
A marquesa tenta deduzir.
— Como? Seu braço… — murmura a criatura, incapaz de esconder a confusão.
— O que tem ele? — responde com desdém, a voz carregada de uma ironia exagerada até demais. — Ainda tenho outro braço, não? E mesmo que você o arranque também, ainda tenho minhas pernas… e o meu espírito. Você sequer descobriu a totalidade do meu poder!
Suas palavras são afiadas como lâminas, mas há algo mais nelas: uma promessa.
Até onde iria?
Ela flexiona os joelhos, pronta para agir, mas não antes de lançar um olhar para o cenário desolador ao redor. O terceiro distrito está em ruínas. Metade dele já caiu, engolido pelo caos, e as vidas perdidas são incontáveis.
Então, a celeste murmura, baixinho, como se orasse:
— Que descansem em paz…
A entidade não espera mais. Lança-se em um ataque feroz, rasgando o ar com uma velocidade absurda. Seus dedos vibram, disparando raios em direção à exorcista.
Os relâmpagos cortam o cenário como garras, arranhando o chão e quase atingindo-a. Ela se esquiva no último instante, jogando o corpo para trás em um movimento ágil, os olhos fixos na criatura.
Nesse deserto devastado, essas duas forças colidem: uma busca destruir, a outra, sobreviver.
— Transmutatio materiae et status!
De repente, sua voz ecoa com a força de um comando primordial. Ventos colossais se formam em espirais ao seu redor, explodindo com uma orquestra devastadora de caos…
A marquesa é imediatamente lançada para trás como um boneco de pano, seus pés deslizando descontrolados enquanto tenta recuperar o equilíbrio.
É o momento perfeito.
Enquanto ela aterrissa em um único movimento, o pé esquerdo freia a queda como um contrapeso. Com os dedos cruzados contra o vento, seu rosto permanece impassível, mas o fogo em seus olhos trai uma resolução feroz.
— Não! — a voz demoníaca corta o ar como uma lâmina. — Não irei deixar que expanda!
Expandir energia… é essa a única saída para sua adversária? Talvez não…
Mas esse dilema é tão simples e tão cruel para a criatura demoníaca. O medo queima por trás de seu olhar, um reflexo que tenta esconder em vão.
Mas há algo mais forte do que o medo: a recusa de falhar. Quem é ela, o pináculo de poder acima de outros postos, perdendo para um humano?
— Eu não vou perder!
Ela, cujas garras cravam-se no solo para frear o impacto anterior, agora ergue suas asas como um predador enjaulado. Com um rugido que parece rasgar a própria realidade, ela lança-se em um disparo direto como uma flecha viva, tão rápida que o ar ao seu redor se torna um clarão.
O golpe vem em seguida como um raio, após frear na metade do caminho e disparar. Um feixe de energia negra, cortante como a lâmina de uma espada amaldiçoada, perfura o abdômen da exorcista. O sangue flui quente e espesso, manchando o solo com a cor de sua determinação…
Mas não é suficiente.
Não pode ser suficiente para a parar!
Ela cambaleia, um gemido grave escapando de sua garganta enquanto sua mente luta para ignorar a dor abrasadora. Não há espaço para fraqueza. Não agora. Não depois de tantos que morreram por sua causa.
— Extensio Energetica: Activatio Simplex Bilinearitatis!
Suas palavras são como uma corrente elétrica. Uma onda de energia varre o ambiente, iluminando a cena como uma farol. Sua aura cresce exponencialmente, expandindo-se em cascatas luminosas que refletem estrelas em constante colapso e renascimento.
É como se ela rompesse o próprio tecido de sua existência.
Mas o preço é alto.
Seu olho esquerdo explode…
O sangue quente escorre em um jorro pela lateral do rosto, manchando seus lábios, que exalam um suspiro trêmulo.
Sua cabeça pende ligeiramente para o lado, enquanto a dor excruciante ameaça dominá-la.
O que aconteceu?
Diante de sua visão turva, a criatura sorri. Um sorriso deformado, triunfante, de orelha a orelha.
— Acabou? Sua energia? Eu vou te matar, sua vadia!
Com um grito que é pura fúria e arrogância, investe novamente. Suas asas cortam o ar, sua velocidade, desafiando qualquer esperança de reação… seria o fim!
Mas algo está errado.
O mundo ao seu redor começa a desmoronar. Não como uma destruição comum, mas como uma pintura borrada sob a chuva. As cores, as formas, tudo se dissolve em sombras densas e maleáveis.
Até mesmo a exorcista, que parece à beira do colapso, começa a desaparecer, sua figura sendo tragada pela escuridão como se fosse parte dela.
— O que ela fez? — grunhe a criatura, agora hesitante.
E então, o breu toma tudo.
Ela vaga, por aquele tapete de escuridão, a procura de sua presa, até que… um sentimento calmo começa a tomar seu ser. Ao olhar para sua mão, ela percebe que está curada. Sua forma, lentamente, se desfaz, voltando à normalidade. Ainda tem chifres, olhos vermelhos, mas sua cauda e asas se retraem…
“Minha forma… meu corpo…”
É então que, diante dela, ao cair do breu, lá está o vislumbre do infinito. Mas não é o espaço sideral. É um espaço praticamente vazio, e aos pés, um deserto de areia se forma…
Atrás, às suas costas, está Alum.
— Então você falhou, Jahiel! — ele diz. — Vai retornar ao seu senhor…
Ele se ergue.
Aquele instante faz sua mente colapsar, sua pupila dilata… Até ela se dá conta, perdeu?
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