Capítulo 232 - Adeus Kyotaka!

O firmamento parece uma despedida dos deuses, um último presente de beleza para um homem que enfrentou o peso do mundo.O céu, tingido de cores suaves pela aurora, reflete-se na superfície de suas feridas, transformando o sangue seco em um mosaico de tons dourados e rubros. É um contraste cruel: a serenidade do amanhecer contra a brutalidade de uma vida que se esvai.
Tal exorcista, uma lenda viva até então, permanece ereto, como se até a morte fosse algo a ser encarado. Sua figura mutilada é o retrato do seu sacrifício. O braço obliterado, a ferida letal no peito, a aura que antes pulsava com a força de séculos agora dissipada, frágil como uma névoa ao vento. Cada exalar de ar é um esforço hercúleo, mas sua expressão carrega uma calma incompreensível, quase poética, diante do inevitável…
— É estranho… como o céu pode ser tão belo? Mesmo em um dia tão caótico… — murmura, sua voz rouca e frágil, como se estivesse falando mais com o mundo do que com qualquer ser vivo.Talvez seja uma fala direcionada a Elum, princípio, fim e razão de seu ser!
E também, quando Shirasaki surge, com os olhos arregalados de choque e os passos hesitantes, a cena o atinge como uma lâmina. A visão do velho refletida em seus olhos, um pilar em sua vida desmoronando, traz uma dor que nem a raiva consegue conter.
— Você é um idiota! — grita, sua voz ecoando pelo vale de destruição. — Sempre disse que éramos uma equipe, que isso era sobre confiança! Por que… por que nos deixou para trás?
A figura diante dele não se move. Os olhos do velho, que outrora carregavam uma luz imortal, parecem distantes, como se já vissem algo além deste mundo.
Ainda assim, um sorriso leve surge em seus lábios rachados.
— Porque… eu sabia… — Com esforço, suas palavras lentas, mas firmes. — Sabia que não estavam prontos… E isso não é um insulto, garoto. Vocês são… brilhantes, promessas para este mundo. Mas promessas precisam de tempo para florescer… E eu… já vivi mais do que deveria!
A tosse violenta corta o ar, trazendo consigo mais sangue, mas também uma risada breve, quase zombeteira.
— Planejou morrer?
— Não… não pense nisso como suicídio. Foi escolha. Foi… necessidade. Aquela criatura… ela não podia viver. E se eu não tomasse a dianteira, quem tomaria? Você? Mahmoud? Não. Vocês têm que viver… para mudar este mundo. Eu só… só abri o caminho!
Diante dessas palavras, o homem avança, seus passos rápidos e incertos, enquanto seu coração parece se despedaçar a cada palavra.
— Seu idiota… — sussurra, a voz embargada. — Não tinha que ser assim. Não tinha que ser você!
— E quem seria? Como acha que eu reagiria ao encontrar seu pai no paraíso e dizer que você chegou antes?O velho sorri, dessa vez mais largo, mesmo com a dor estampada em cada linha de seu rosto.
— Tinha que ser, garoto. Não há vitória sem perda… e a minha foi justa!
É quando seu corpo finalmente cede, tombando para frente como uma árvore que cai após séculos de pé. O impacto é suave, quase silencioso, mas o som ecoa na alma do homem.
— Kyotaka… — o nome escapa de seus lábios, como uma prece ou um lamento, antes que o último sopro de vida o deixe.
Shirasaki cai de joelhos ao lado do corpo, sua respiração entrecortada pela dor que agora transborda. Sente-se pequeno, impotente, como quando perdeu seu irmão. A mesma sensação de vazio, de impotência diante do caos.
“Mais um que se vai…”
Apertando os punhos.
“Mais um que o mundo levou para o inferno de suas lutas… Droga!”
E, ali, no silêncio quebrado apenas pelo suspiro do vento, ele percebe a verdade cruel do caminho que escolheu. A vida de um exorcista não termina em glória. Termina assim, na solidão de um campo de batalha, entre o peso de escolhas e o custo de sonhos…
Mas… não dura muito essa despedida…
O céu se fecha como uma cortina. O ar fica denso, carregado com uma energia sufocante, enquanto Elizabeth, vagando pelos escombros, sente algo se esvair de dentro dela. É como se uma mão invisível arrancasse algo essencial, deixando apenas um vazio gélido em seu peito.
“Hm? Por que… sinto esse vazio de repente?”
Pensa, virando-se para trás, os olhos vasculhando a paisagem desolada.
Seu domínio inato, antes um monumento à sua força e determinação, está se desintegrando. Acaba de encerrá-lo após realizar seu feitiço divino. A expansão de sua energia, que consome e derrota inúmeras entidades menores, agora parece lhe cobrar um preço alto.
Sua geração de energia está lenta e reduzida à metade de sua capacidade total.
— Será que… — murmura, hesitante.
É um pressentimento, uma intuição primitiva, mas também uma ausência. Algo perdido, distante, mas inexplicavelmente próximo. O que quer que seja, seu peito grita em silêncio, incapaz de traduzir em palavras o que se passa.
Então, diante de seus olhos, pousa a besta.
Uma figura colossal, envolta em trevas, cujo simples peso sobre a terra faz o chão tremer e rachaduras se espalharem como teias. O impacto gera uma onda de calor, um vendaval que sopra contra Elizabeth, forçando-a a firmar os pés no chão para não ser arremessada.
— Impressionante, exorcista! — A voz é grave, carregada com um sarcasmo venenoso. — Sozinha eliminou tantos. Me diga, qual é o seu segredo?
A criatura se ajoelha, como se reconhecesse a força dela, mas há algo desdenhoso na forma como sua mão esmagadora provoca pequenas explosões de poeira e vento ao tocar o solo.
Elizabeth não responde imediatamente. Percebe algo estranho. A aura opressiva emanando daquela criatura é sufocante, como se o ar ao redor estivesse impregnado com pura malícia. Seus instintos gritam que aquilo não é apenas um demônio qualquer.
— Ah… Qual é o seu nome? — indaga, tentando esconder o nervosismo, mas seus sentidos traem sua confiança.
“Há energia demais… isso é… um demônio original?”
— Sou Vassael, humana. Um conde demônio! — Sua voz reverbera, carregada de orgulho e ameaça.
A exorcista arqueia uma sobrancelha.
— Vassael? — repete, e então, de forma inesperada, deixa escapar um sorriso curto.
— O que é tão engraçado, exorcista? — ele pergunta, inclinando a cabeça de leve.
Ela coça os olhos, soltando um suspiro longo, como se estivesse desarmada.
— Não leve a mal, demônio… mas o seu nome me lembra a palavra vassalo. Interessante, não acha?
Por um instante, o silêncio se instala, quebrado apenas pelo som do vento carregando poeira e cinzas ao redor. A expressão dele oscila entre surpresa e irritação, mas ele apenas balbucia:
— Hah… Bem, vamos focar no que importa, exorcista! — Com um gesto brusco, ele conjura trevas entre suas garras.
Elizabeth aperta as mãos, sentindo sua própria energia fluindo, ainda que instável. Sabe que não enfrenta qualquer inimigo, mas uma ameaça singular. E, embora sua mente racional grite que a derrota é provável, algo em seu peito queima com uma convicção inabalável.
O mesmo ocorre com a criatura.
“Será arrogância achar que posso vencê-la… ou é confiança? Merda!”
A batalha está prestes a começar, e o destino será decidido ali, entre o aço e as trevas.
Quem tombará primeiro?
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