Capítulo 233 - Percepção de Um Vivo

Kyotaka abre os olhos, sentindo um vazio frio ao seu redor. O ar parece denso, e seus sentidos retornam lentamente. Um nevoeiro espesso envolve tudo, como um manto de silêncio e mistério.
Ele olha ao redor, mas não encontra nada além do vazio.
— Onde estou?
Sua voz ecoa, baixa, quase sussurrada.
— Será… um delírio após a morte?
Ele hesita. Seus pés tocam o chão firme, mas a névoa encobre tudo como uma capa.
— Ou, meu purgatório pessoal?
Seus pensamentos são fragmentados, confusos. O lugar parece um reflexo distorcido de sua própria alma, como se estivesse à beira do desconhecido, entre o ser e o nada.
Mas…
— Purgatório? Então você se acha digno de castigo?
A voz ecoa em sua mente, familiar e distante, como uma lembrança antiga. É cálida, quase paternal, mas carrega uma intensidade que ele não ouve há anos, a de um amigo tão antigo quanto o quimono que veste.
— Quem…? Quem está aí? — ele pergunta, trêmulo, os olhos procurando freneticamente pela fonte.
Como se obedecendo a um comando, o nevoeiro começa a se dissipar lentamente, revelando uma figura.
De cabelos castanhos que brilham à luz que emana dos céus, um homem desce suavemente, como se fosse parte do próprio vento. Atrás dele, o vazio imensurável de um deserto dourado se estende até onde a vista alcança.
— Satou Shirasaki… — o velho murmura, atônito, como se as palavras fossem um peso em sua língua. Seus olhos se estreitam, buscando compreender. Ele parece tão jovem, tão vibrante, diferente de como era quando deixou este mundo. — Mas… tão jovem? Isso significa o quê?
A figura sorri, um gesto cheio de compreensão e ternura, como se já tivesse passado por essa situação antes.
— Jovem? Ah, Kyotaka… meu velho amigo, ainda vê o mundo com os olhos de um mortal. Esta não é minha verdadeira forma! — Sua voz é como o sussurro de uma brisa, mas carrega uma profundidade que transcende o tempo. Ele estende as mãos, como se oferecesse algo intangível. — Vim buscá-lo. Este lugar… este deserto, é o reflexo de sua alma. Vastidão e vazio coexistem, como seu coração sempre foi. Mas a beleza do tempo não pode ser capturada pelos olhos dos vivos. É por isso que você não me reconhece de imediato em minha forma real!
Kyotaka hesita, sentindo uma pontada de nostalgia e reverência.
— Quer dizer que o tempo passa no paraíso? Ou você estagnou?
O homem inclina a cabeça levemente, o brilho em seus olhos oscilando entre a sabedoria e o humor.
— Passa. E passa muito! Não há nada imutável, mesmo no eterno!
A serenidade na voz dele.é como um bálsamo, uma âncora no caos interno que ele sente. O exorcista respira fundo, tentando reunir coragem.
— Está pronto? — pergunta, observando-o com paciência infinita.
Afinal, o fantasma de seu falecido amigo viu tanto desde que partiu… O que seria mais um pouco?
Mas ele hesita, perdido, Kyotaka olha por sobre o ombro. A névoa atrás dele parece pulsar, como um lembrete do que está deixando para trás.
— Eu… acho que sim!
Shirasaki arqueia uma sobrancelha, uma leve reprovação iluminando seu rosto.
— Achar não é suficiente. A dúvida é o veneno que paralisa a alma. Deve ter foco. Certeza. Afinal, como você costumava dizer: ‘Nos mares da incerteza, barcos fracos não velejam’. Lembra?
Kyotaka esboça um sorriso. A memória é um consolo inesperado, como reviver o dia em que disse aquilo tantos anos atrás.
— Como poderia esquecer?
Ele dá um passo adiante, sentindo o peso do mundo antigo dissipar-se com o movimento. A areia está morna sob seus pés, a brisa é leve, e o cheiro de água se mistura ao ar. O deserto à sua frente parece menos intimidador, quase convidativo.
— O que… e se eu errar? — ele murmura, ainda hesitante.
E a Aurora começa a desaparecer no céu, assim como seu guia. Seu corpo se funde ao horizonte dourado, como névoa ao vento.
— Confie em sua fé. E no que seu coração sempre soube, mesmo nos momentos de silêncio!
— Fé?
A resposta não vem. Apenas o eco da voz de Shirasaki ressoa ao longe. Atrás de Kyotaka, o silêncio se aprofunda. É hora de seguir em frente.
— Bem… — ele sussurra, um sorriso leve surgindo em seu rosto. De repente, a dúvida evapora de seu coração. — Se é assim…
Ele dá mais um passo, deixando aquele lugar para trás. A cada movimento, o peso desaparece, a névoa se dissipa, e ele se torna menos presente ali. E então, ele some completamente.
O paraíso o espera.
E enquanto sua alma transita, Luciel ouve as boas novas.
De pé em seu salão, no coração do palácio demoníaco, ele permanece sozinho, exceto pela presença de Asmael.
A atmosfera é pesada, e a entidade demoníaca, com sua postura altiva e olhar impenetrável, relata minuciosamente tudo o que aconteceu até aquele momento.
— Então, o grandioso genocídio foi completado?
— Não totalmente, mas estamos muito próximos disso! — responde, com os joelhos dobrados em reverência. — O humano está prestes a trair. Ele irá varrer os exorcistas da face de Aija, garantindo que a primeira instância do maldito feitiço se realize!
— Ah, ele continua vivo? — Luciel franze o cenho, claramente insatisfeito.
E o sorriso constrangido de seu irmão já responde mais do que as palavras.
— Pois bem, mande Gallael eliminá-lo, caso sobreviva.
— Sim, senhor! — Asmael se ergue rapidamente, mas não consegue evitar um suspiro.
— Espere! — interrompe, seus olhos ardendo de fúria, apagando a alegria que há pouco demonstrava. — Por que interferiu? Os demônios relataram sua intromissão. O que foi fazer lá?
— Ah… eu… — o rei se ajoelha novamente, a voz vacilando. — Participei da eliminação de K-Kyotaka, senhor. Tive sucesso. Quis desmoralizar ainda mais nossos inimigos. Fiz errado? Desejava usá-lo para algo maior?
Seus punhos estão cerrados, como se pudesse esmagar o mundo com as mãos.
— Hm… — Ele fica em silêncio por um instante. Então, ao invés de castigá-lo, ergue os braços e alivia os dedos, seu semblante carregado de ironia.
Ele bate palmas lentamente, ganhando animação à medida que os segundos passam.
— Foi esperto. Mas escute bem: que seja a última vez que move as peças sem minha permissão ou sem uma ordem direta. Está claro?
— Não farei novamente, senhor! — A serpente responde, aliviado, embora o peso da tensão ainda recaia sobre ele.
O jogo se torna arriscado demais…
“Afinal… eu já faço! Meu irmão, mais do que o necessário para ver seu fim!”
A traição já está consumada. E ele não apenas prova da fonte, mas se banha nas águas da perversão que ela oferece! De tudo faz, para ver aquele maldito demônio perder sua estimada guerra!
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