Capítulo 254 – O imperador
Três dias após… o 45º dia daquele mesmo ciclo.
A capital, outrora uma megacidade vibrante e imponente, não passava agora de um colossal cemitério humano.
34 milhões e 725 mil mortos no massacre demoníaco. Outros 13 milhões e 900 mil sucumbiram à Síndrome da Escuridão — a praga insaciável que devorava corpos e almas sem piedade.
A vida, onde quer que estivesse, seria ceifada.
A mancha negra já se alastrava por 89 milhões de quilômetros quadrados, consumindo um quinto do outrora grandioso continente verdejante. 69% da vegetação natural pereceu. O clima permanecia inalterável: 52 graus fixos, implacáveis, sob a luz da Aurora ou nas noites de Nox.
Mas não era de agora…
As plantações foram erradicadas em poucas horas. O Império, outrora próspero, ruíra tão rapidamente que mal houve tempo para salvar algo.
O estado de calamidade foi decretado. Nas 49 cidades-estado, cada estandarte tombou, cada bandeira nacional foi substituída pelo branco da rendição.
Aija estava condenada.
E não havia mais espaço para ilusões. Os continentes vizinhos, antes aliados, romperam os contratos e se afastaram — ou talvez já o tivessem feito no instante em que souberam do ataque à capital. O isolamento era absoluto. A Síndrome da Escuridão se mostrou altamente contagiosa. Ninguém, absolutamente ninguém, ousava deixar o continente.
E quem tentava, era sumariamente executado pelos navios e pela vigilância militar inimiga.
No coração sombrio do palácio imperial, o jovem imperador, Kagetsu no Mikado, aguardava seu destino. Mas já não era um homem… era um cadáver à beira da consciência.
Metade de seu rosto estava necrosada, tingida de um negro fúnebre que devorava sua carne. Seu olho esquerdo já não existia. Dois dias antes, sua própria mão apodreceu e caiu, como uma folha morta se desprendendo do galho. Alimentava-se apenas por um tubo frágil, ligado diretamente à garganta.
Cheirava à morte. Era a própria morte. Sentia que já deveria estar a sete palmos da terra.
E agora, à sua frente, estava Seiji.
De pé, imponente, exalava a postura de um vencedor, de um predador diante de sua presa ferida.
Tolo. A derrota fora para todos os homens. Mas, naquele instante, ele não se via como um mero homem.
— Então… é assim que termina? — A voz do imperador saiu fraca, mas carregada de orgulho. Ainda era um nobre para si. — Nos oferecem um vislumbre de compaixão, mas ao preço de nossa servidão?
O líder sorriu.
— Exatamente! — Inclinou levemente a cabeça, zombeteiro. — Vocês não têm mais saída. Mas podemos salvar sua família, Imperador. Basta renunciar… e nos proclamar os novos mestres. Já passou da hora de este mundo deixar de ser regido por ignorantes, não acha?
O jovem Kagetsu tossiu violentamente. Uma mancha escura de sangue se espalhou por sua túnica. Quase desabou. Seus servos, generais e governadores — os últimos que restaram, os que ainda se agarravam à esperança de sobreviver — o seguraram. Porque sabiam que, sem ele, suas cabeças rolariam em seguida.
Ou talvez…
rolassem de qualquer jeito.
— Meu pai… Não, meus bisavós! — Sua voz se ergueu em um último lampejo de indignação. — Eles lhes deram acolhimento! Reconheceram a Ordem, unificaram suas terras, ofereceram-lhes um lugar entre os impérios! Como podem nos trair? Como podem exigir servidão daqueles que lhes deram a mão? Não é isso que a sua Igreja prega? A gratidão?
— Gratidão?
Uma risada lenta, mordaz, corrosiva.
— Ora… — Girou nos calcanhares e, com um mero piscar de olhos, se lançou sobre o trono. O trono dos imperadores, moldado do mais puro metal — diziam que ali se sentava sobre a vida de cem mil homens.
— Fala da minha crença, mas não foram seus antepassados coroados por falsos deuses? Acha que sou tão ingênuo quanto Kyotaka? Vocês só se uniram à Ordem para manipular a plebe. Rei escolhido por Elum? Ha! Você é tão desprezível quanto qualquer rato que rasteja sob as mesas da nobreza!
O imperador tentou se erguer. Mas então…
O silêncio caiu.
E, num único instante, todas as cabeças rolaram.
Generais. Governadores. Servos. Os últimos homens leais ao seu líder…
Decapitados.
Os corpos desabaram sem resistência. O sangue jorrou em ondas, tingindo o piso imperial num tapete escarlate.
O último imperador, encharcado no vinho vil da morte, arregalou os olhos vazios. O horror consumiu-lhe os ossos.
— O que…?
Então, ele ouviu a risada.
Baixa. Amarga. Cruel.
Atrás dele, emergindo das sombras como um espectro, estava Miyazaki Watanabe. O herdeiro da pária. O príncipe cruel.
Aquela fração de segundo foi um mero vislumbre de sua técnica inata: Aracnofagia. Como uma aranha, manipulava fios tão finos quanto lâminas — invisíveis, letais.
Seu sorriso era como seu corte: afiado e impiedoso. Os fios, tão logo cumpriam sua sentença, retornavam aos seus dedos como se fossem sugados por sua pele.
Com desdém, chutou um dos cadáveres. Como se não passasse de um saco de carne podre.
— Dezenove homens mortos num estalo? — Sua voz carregava escárnio e desprezo. — Esses eram os mais fiéis e poderosos do rei?
Por Elum… se ainda estiver aí, está?
Sou tão infeliz assim?
De nada adiantou voltar atrás por minha culpa? Aceitar meus erros? Aceitar você?
Os bem-aventurados não são aqueles que se arrependem?
De nada adiantou!
— Não seja tão deselegante! — A voz de seu pai cortou o ar como uma lâmina, carregada de uma autoridade fria e implacável. Ele o encarava como se fosse um mero inseto. — Não é pessoal, mas de que me adiantam tantos homens infelizes vivos? O povo precisa de sangue, você sabe. Chamam isso de justiça.
Já você… será um ponto crucial. Preciso de um inimigo vivo. Afinal, há de haver um inimigo para que a narrativa esteja sempre a nosso favor!
— Não há por que matar seu líder se ele estiver contra alguém pior…
Essas eram as palavras de seu pai. O antigo imperador. Um dos ensinamentos fundamentais da Cartilha Imperial.
É como ver… Ryūjin no Mikado.
Havia mais temor do que ternura ao reconhecer seu pai em alguém.
— Exatamente. São as regras do jogo político. A diferença é que nós podemos direcionar o mundo para uma ideia mais concreta. Por mais bons que sejam seus ideais, você não pode mudar o mundo, pode?
— E você pode?
— Agora posso… Veja, estou dizendo que a oportunidade faz o líder. Você estava em um estado imutável, preso a conceitos convencionais. Seus aliados? Eram as pedras em sua carroça. Mas eu? Posso estabelecer uma nova ordem sem me deixar afetar pelos pesares de seu reino…
Aquilo o fez amadurecer. Mesmo no leito de morte, o deposto imperador sentia que sua existência tinha valor. Por mais odiosa que fosse.
— Entendo… Mas ainda haverá problemas, não haverá? Não sou tão cético e ingênuo a ponto de pensar que Kyotaka era único…
Seu argumento era sua última cruzada. Além dali, só lhe restava aceitar o fim…
— Mas é aqui que está a questão. Meus problemas são mais fáceis de resolver que os seus! — Ele suspirou com desdém. — Há duas regras entre nós da Irmandade: o líder direciona o barco, mesmo que haja pedras no caminho. E se a doutrina e a lei não lhe agradarem, a deserção é livre de julgamento!
— Isso te faz sentir honrado?
— Eu sou honrado! — A voz dele soou levemente irritada. A pequena agulha de dúvida havia tocado a pele do dragão, fazendo-o sentir um sabor amargo. Pena que foi só um instante…
Um breve instante…
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