Capítulo 256 – Deserção e justiça
Colapso. Esse era o estado de todos.
O mundo ao redor desmoronava, fragmentando-se entre destroços e corpos pesados.
Nas águas da má sorte, navegaram os bem-aventurados de Aija — agora caídos em desgraça — e, entre os mortos, haveriam de caminhar.
E, em meio ao fim, lá estavam eles… os mortos!
Amai, a dama de cabelos de fogo, estava sentada sobre uma roda-gigante abandonada, cercada por vigas retorcidas e ferrugem consumindo o que restava de um parque de diversões esquecido pelo tempo. Lá do alto, avistava um trailer estacionado, imóvel como se aguardasse algo que jamais chegaria.
Seu dono, há tempos reduzido a lembrança e pó…
O brilho pálido da noite derramava-se sobre ela como o voo silencioso de uma coruja, esculpindo sua silhueta em sombras, quase espectrais. Do outro lado, a apenas dez centímetros de distância, separados por uma barra de ferro corroída, Yami a observava. Seu olhar, opaco e inexpressivo, parecia atravessá-la — como se buscasse algo além.
— Qual foi a maior dor que já sentiu?
O silêncio era absoluto até que a voz da garota rompeu a atmosfera sufocante.
Mas o exorcista permaneceu imóvel por um instante. Seus olhos, enevoados pela fadiga de quem há muito desistira de encontrar respostas, carregavam um peso invisível. Estava ali — de certa forma recuperado, mas jamais ileso. Desde aquele dia… desde aquela conversa…
— Por que quer saber isso? — Sua voz soou monótona, mas, nas entrelinhas, havia um traço sutil de cautela.
Ela sorriu — breve, sem alegria — um reflexo sórdido de ironia entrelaçado à sua dor. Seus olhos, vazios e pesados, contrastavam com o tom provocativo que assumia.
— Talvez eu tenha vindo atrás da sua companhia porque queria saber como lidar com a dor…? — inclinou ligeiramente a cabeça, brincando com a própria entonação, como se zombasse da própria pergunta. Então, estreitou os olhos, um vislumbre de desafio cintilando neles. — Não se esquive, azedinho!
Suspirou, revirando os olhos — preso entre ceder ou continuar feito um cão raivoso.
— Tá… tá! — murmurou, a contragosto. Um segundo de hesitação, um fio de resistência ainda por se romper. Então, baixou levemente a voz: — Perder meus pais…
Ele desviou o olhar da atenção que recebia, fixando-se no horizonte árido. O deserto que surgiu diante deles era vasto, imenso, mas em seus olhos, parecia ainda maior.
— Sabe, acho que nunca superei. Desde que falamos no parque sobre isso naquele parque… tudo voltou mais intenso do que já estava!
— Acha?
— Eu nunca superei! — ele a mirou novamente, olhos nos olhos — Por isso eu entendo Arthur, mas não entendo você, não sente ódio?
— Não! — Expirou, hesitante. — Eu lamento… mas me odeio mais por não ter conseguido fazer nada. No fim, é diferente…
Poderia ter encerrado a conversa ali, fria como sempre. Mas sair perdendo? Não.
— Você teve que crescer sozinho por causa disso, não é? Era mais jovem…
— É… Não é fácil lidar com nada quando se tem 11 anos. Imagina?
— Só isso? — Sorriu de lado, um brilho malicioso nos olhos. — Até hoje você age como se ainda tivesse onze…
O encarou assim que disse, como se tivesse algo a dizer, mas não disse. Em vez disso, inclinou ligeiramente a cabeça e deixou as palavras saírem num tom quase casual:
— Então… são oito anos imersos em remorso e ódio?
— Por que diz isso?
— Por quê? — O encarou com um sorriso enigmático. — Yami, não sou sonsa. Você tem um objetivo em mente, eu sei que tem. Se não, por que ainda dá um passo, dia após dia? Não há como esconder as dores, por mais que as pessoas as ignorem. Você está imerso nelas… desde nossas conversas. Eu sei o que você sente…
Aquilo o fez sentir o peito pulsar mais forte.
— E isso te preocupa por quê?
A encarou com um olhar penetrante, como uma raposa à espreita. Ele estava relutante em dar mais um passo, especialmente daquela forma. Já havia dito tanto, mas o que ela queria, afinal?
— Por quê? — Sorriu de lado, o desafio iluminando seus olhos. Nem que ele se ajoelhasse — Achei que soubesse…
Mas não eram os únicos a contemplar a vastidão. Após a fuga do campo de batalha, com o fim do ataque, Gabriel ainda estava com as mãos sobre o que restava das paredes da prefeitura, agora desmoronadas, ao lado de sua esposa.
— Havia tantas almas boas aqui… — disse, a voz um sussurro, como se as palavras não conseguissem carregar o peso da perda.
Pense: acreditar em uma estrutura, em um futuro que pode mudar tudo… e, de repente, vê-lo ruir.
Seus amigos, colegas… todos já não existiam. A maioria acordou cedo, quando o caos irrompeu, e morreu ali, desmembrada pelas forças malignas. E os que sobreviveram? Foram levados para os centros de abrigo, morrendo horas depois, onde seus corpos foram recebidos e cremados como pneus velhos, descartáveis.
— Nem o fedor das chamas pude sentir. Nem um enterro… que desgraça!
Praguejou enquanto socou a parede, e um vendaval se formou. Detritos se espalharam pelo cenário devastado — apenas destruição, entulhos e um horizonte cinzento.
— Não é sua culpa…
Mas o conforto veio, oferecendo-lhe compaixão.
— Não havia como segurar o caos.
Sentindo a mão de Elizabeth entrelaçada à sua, encontrou consolo na única pessoa que sempre estaria ao seu lado, não importava o que o futuro reservasse. Sua mulher, seu amor, sua aliada.
— Havia… — engoliu as palavras, o olhar perdido na devastação, antes de encontrar os olhos dela. — Não dá para acreditar que a vida de tantos escapou das nossas mãos… não consigo aceitar que esse destino era inevitável! Elum não pode ser tão cruel!
— Meu amor…
As palavras saíram roucas, e, pela primeira vez, ele a viu hesitar. Uma fragilidade que raramente se permitia. — Não é culpa do Criador… — sua voz vacilou, mas logo se firmou. — E perderemos mais. Com Seiji liderando a Ordem, não teremos paz, nem sequer a chance de reconstruir o que foi perdido!
Estava certa. Suas palavras eram a razão pela qual seus crucifixos, que antes adornavam seus pescoços, haviam desaparecido, arrancados de seus corpos no instante em que o religioso se autoproclamou líder. Agora, eram desertores — sem fé, sem chão, sem nada no que antes acreditavam no mundo dos homens.
— O que faremos? — Mal conseguiu formular a pergunta, o olhar vazio se perdendo naquilo que outrora fora sua cidade.
Ela pousou a mão esquerda sobre seu ombro, sentindo o quanto estava distante.
— Quando vidas estão em risco, eu me levantarei contra, lembra-se? — Sua resposta veio firme, um eco de um discurso que ele já ouvira antes. As mesmas palavras que dissera a Hugo, as mesmas que proferira em sua posse. — Hoje é Aija… mas e amanhã? Ele é um perigo.
— Você acha que seria capaz?
— Seria? Ele já fez! — Se inclinou para ele, os lábios roçando seu ouvido. — O exército do Imperador foi exterminado em Yokohama. Ele mandou grupos de exorcistas para a metrópole… e transformaram a cidade em um mar de sangue.
Que recuou levemente, olhos carregados de algo frio e implacável. Justiça? Não… aquilo ardia mais em suas veias do que qualquer outro sentimento.
— E não pararam por aí.
— Não…? — Mal conseguiu acreditar nas palavras ditas.
Todos sabiam do monstro que habitava o conselho, mas promover uma campanha de genocídio? Não… isso não era do seu feitio.
— Não! — O olhar se endureceu. — Ele se sentou no trono! O que acha que fará agora? Aquele velho psicopata vai transformar a miséria e a desesperança em seu reinado. Deve achar que será o rei do mundo… mas é só um tolo. E no fim? Não será nada além de pó depois que eu o matar!
— Matá-lo?
— Exatamente! — Os olhos dela brilharam com uma determinação inabalável. — Eu e você… vamos matar o novo líder da Ordem. Será nosso pedido de desculpas à humanidade! Topa?
A resposta dele seria como assinar um contrato, mas e você, leitor, lutaria ao lado do amor da sua vida para eliminar um inimigo comum?
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.