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    Parar um mal maior? Hum… Alguns propósitos soam mais genéricos que outros. E Arthur, aquele que escolheu o mais previsível e, talvez, o mais insensato dos destinos — vingança —, caminhava pelo litoral, seus passos afundando na areia suja do massacre. O cheiro metálico do sangue ainda impregnava o ar, e os cadáveres espalhados à sua volta pareciam zombar, como se tivessem morrido apenas para entretê-lo.

    A praia Hoshikiri.

    Antes, a mais movimentada. O refúgio dos amantes. O palco de encontros ardentes entre ele e Yelena. Agora, um cemitério de carne esquecida.

    A cada passo que dava, sentia o peso da ausência dela.

    A cada dia que passa… sinto que, junto com ela, foi o mundo! O pensamento martelava sua mente enquanto seus olhos percorriam aquele cenário macabro. O que antes era vida agora não passava de ruína. Não havia mais risos, nem gritos de crianças, nem o farfalhar das ondas embalando os sonhos de quem se deitava à beira-mar. Nem mesmo os animais restaram para testemunhar a tragédia.

    Os coqueiros, outrora verdes e vibrantes, agora estavam secos, esqueléticos, dobrando-se ao vento como velhos decrépitos. E a vegetação, reduzida a um manto amarelado e morto, cobria o chão em tons ocres, sem vestígios do verde exuberante que um dia compusera aquele paraíso. Não havia mais cores. Apenas sombras de um mundo que se apagava.

    Ele respirou fundo, mas o ar que entrou em seus pulmões parecia tão insípido quanto tudo ao seu redor.

    Será que este é o meu inferno particular?

    Ele já não sentia prazer na comida. Tudo tinha perdido o gosto. Agora, parecia que perdia as cores diante de seus olhos, se desfazendo lentamente, como uma pintura esquecida sob a chuva.

    Morte… será a verdadeira salvação para um mundo em sofrimento?

    Tinha cada vez mais essa certeza.

    Seu olhar vago se fixou em um corpo caído à beira-mar. A pele pálida do falecido contrastava com o azul turvo da água que lambia seus pés inchados. Mas não era a brisa salgada que o envolvia agora, e sim o hálito pútrido da decomposição.

    Um abutre, o verdadeiro coveiro deste mundo moribundo, estava ali — voraz, implacável, devorando o que restava da vida. Suas garras afiadas fincavam-se nas costelas expostas, enquanto o bico mergulhava na carne roxeada, rasgando as entranhas. Pedaços de vísceras escorriam de seu bico negro, respingando na areia como um tributo grotesco ao ciclo imutável da existência.

    Outrora, aquele corpo fora um homem. Talvez tivesse nome, sonhos, memórias. Agora, não passava de uma carcaça, alimento para os donos do fim.

    E ele o observava. Não desviava o olhar.

    Talvez, no fim, também estivesse destinado a ser banquete para os abutres.

    O destino que era inescapável, uma lâmina que fatiava a existência pouco a pouco, até restar apenas o bagaço de um ser que já não sabia se estava vivo ou apenas resistindo à decomposição.

    Como sempre, o ser humano é um prato cheio de sabores, ele pensava, os olhos desfocados na maré tingida de vermelho. Às vezes amargo como fel, doce como maçã, ácido como laranja ou suave como pêssego.

    Uma salada de frutas.

    Uma combinação efêmera de essências, contrastes e vida. Um ser tridimensional, feito de camadas de experiências, sensações e ilusões.

    Cada sabor, uma memória. Cada textura, uma cicatriz. O doce da infância, o azedo das escolhas erradas, o amargo dos arrependimentos. Tudo misturado, tudo se dissolvendo na boca do tempo.

    Mas, no fim, toda fruta apodrece.

    Era um desolado, um homem marcado pela perda, mas com um anseio ainda pulsando em seu peito. E enquanto se afogava em suas dúvidas, havia aqueles que colocavam seus ideais acima de qualquer dor, de qualquer sentimento: os rebeldes.

    Satoshi, Sofie, Karoline e Zuri estavam reunidos nas ruínas de uma casa, aquecendo-se ao redor de uma fogueira improvisada. As chamas dançavam em reflexos trêmulos nos olhos de cada um deles, mas o fogo mais intenso ardia em seus corações: ódio, raiva, frustração.

    — O que faremos? — perguntou Satoshi, apertando o crucifixo de seu pai entre os dedos, como se buscasse nele uma resposta. Sua voz carregava hesitação, mas também esperança. — Já não há tantos exorcistas por aqui… A maioria dos líderes debandou. Mas, com sorte, podemos achar Masaru e Daniel. O que acham? Eles seriam ótimos aliados…

    — Não, Satoshi! — A voz firme da celeste cortou o ar como uma lâmina. Seu rosto, metade desfigurado e sem cabelos, era uma cicatriz viva do inferno que haviam enfrentado. Mas sua determinação brilhava, implacável, inabalável. — Nosso foco tem que ser reverter o pouco que pudermos. Salvar vidas. Curar os doentes. Não há mais hospitais, nem policiamento. Não dá para embarcar no ódio e deixar que as pessoas sofram ainda mais!

    — Verdade… — murmurou Ethan, jogando lenha na fogueira. Os pedaços de madeira eram um de seus poucos achados preciosos, salvos das chuvas que quase destruíram seu abrigo. Enquanto isso, Sofie permanecia sentada, acariciando um gato. Pobre criatura, sem pelos, pele fina e castigada, mas agora aquecida e recebendo cuidados.

    O primeiro a ser salvo pelo grupo. O primeiro de muitos.

    — Que tal mudarmos o nome do nosso grupo? — sugeriu Sofie, sem tirar os olhos do felino. — Já que vamos salvar pessoas… que tal “Os Salvadores”?

    — Seria uma boa ideia se não fosse o nome de um grupo escroto de uma série que eu vi… — resmungou o herdeiro dos Tachibana, encarando os outros enquanto soltava um suspiro. A madeira crepitava, e as cinzas dançavam no ar ao redor. — Que tal… Lumen Covenant?

    — Em inglês? Por que não em japonês? — rebateu Karoline, a mais distante e reservada do grupo. — Rūmen Kovunanto… poderia ser…

    Isso acendeu uma chama descontraída entre o grupo.

    Pela primeira vez em muito tempo, a tensão que os envolvia como correntes se afrouxou, ainda que por um instante. Entre as sombras projetadas pelo fogo, um riso baixo escapou de Sofie, seguido pelo esboço de um sorriso em Satoshi. Até Karoline, sempre distante, arqueou uma sobrancelha.

    — Em egípcio, seria Rḫmt Hqt… único, original… e morto. — Zuri zombou de sua própria cultura, recostando-se contra a parede em ruínas. Seu corpo afundou nos lençóis sujos e velhos que serviriam como sua cama por um longo tempo. — Sei lá… bem mais único, né?

    O silêncio pairou por um momento, apenas o som do vento carregando cinzas e promessas incertas.

    — Verdade… que tal uma votação? — sugeriu Satoshi, quebrando o breve momento de contemplação.

    Eles ainda não tinham um nome, mas tinham um propósito. E, no fim, talvez fosse isso o que realmente importava.

    — Seria ótimo. Ao menos entre nós, a democracia vai funcionar! — comentou o ruivo, com um sorriso irônico, enquanto atirava outra lasca de madeira na fogueira.

    — Duvido. Sempre tem alguém querendo puxar o próprio lado! — murmurou Karoline, recostando-se contra um pedaço de parede em ruínas.

    — Bom, melhor do que resolver no tapa! — a celeste riu, cruzando os braços. — Mas acho que já sabemos qual nome vai ganhar!

    — Não subestime o poder do gosto duvidoso — retrucou a loira, brincando com o gato em seu colo.

    O fogo crepitava, e, por um momento, o peso do mundo parecia menor. A guerra ainda os esperava lá fora. Mas ali, entre as cinzas e a incerteza, estavam vivos. Estavam juntos.

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