Capítulo 258 – Cavalheiro de chifres
— Então, me seguirá?
A voz de Masaru soou firme contra o vento seco que soprava das terras altas de Shoushin. O solo rachado sob seus pés estalava a cada passo, e a poeira avermelhada, levantada pelos ventos impiedosos, agarrava-se às roupas como marcas de uma jornada sem volta. Atrás dele, a fronteira dissolvia-se em sombras distorcidas pelo calor, deixando para trás o mundo civilizado e adentrando a terra dos Aijianos impuros. Seus ossos, misturados à poeira, contavam histórias de guerras esquecidas — de quando foram reduzidos a meras sombras pelos sangue-puros, povos que, belicosamente, se colocaram acima de todos e impuseram sua cultura sobre as demais.
— Claro, o que mais faria? — respondeu Daniel, apoiando uma mão no ombro do parceiro celeste. O toque não era apenas um gesto de camaradagem, mas um pacto silencioso entre predadores. — Acho que somos iguais… Somos do tipo que busca ouro no sangue, e não nos belos, reluzentes e dourados!
Ao ouvir isso, o maneta virou-se ligeiramente, o olhar cortante como lâminas embainhadas. Mas, em seus lábios, havia uma risada presa.
— Acha que somos iguais? — Sua voz carregava um desafio. — Até onde iria?
O celeste inclinou a cabeça, como se estivesse degustando a pergunta.
— Fala de crueldade?
Ele sorriu de canto, um brilho enigmático nos olhos.
— Até onde iria a sua degradação? Pelo prazer?
— Até onde minha loucura permitisse! — respondeu, cruzando os braços. — Mas não sou um amante da crueldade. Gosto da insanidade, do caos teatral… Um palco que me faça dançar até cair, até que as cortinas se fechem. O que acha?
Um silêncio pairou entre eles. O vento sibilava entre as árvores mortas, arrancando folhas secas que não pertenciam mais a nada. O horizonte à frente se erguia em um vale sombrio, pontilhado por esqueletos de veículos abandonados, engolidos pela ferrugem e pelo tempo. A estrada cortava o cenário como uma cicatriz, um caminho que levava a lugar nenhum. Vida? Não havia ali. Apenas espectros de um passado que já não importava.
E Jigoku inspirou fundo, sentindo o gosto metálico da poeira na língua.
— Não é exatamente como eu, mas você tem… algo em comum.
O outro sorriu, um sorriso que não prometia nada além do inevitável.
— Somos amantes da adrenalina, que os homens chamam de morte!
— Ou… de irresponsabilidade…
A resposta quase quebrou — ou de fato quebrou — o clima épico da última indagação do maneta. Mas era uma verdade, não era? Ou talvez não.
O que importava era que, logo depois, voltaram ao seu objetivo, seja ele qual fosse.
E seguiram, sombras entre sombras, em direção ao desconhecido.
Enquanto, apenas um tinha certeza em seu resplendor.
Há dois dias atrás…
Um jovem que emergiu dos escombros de sua casa, a face marcada pelo horror, os olhos sem vida voltados para os céus. Sua mão, trêmula, estava banhada de sangue — seu próprio sangue, o sangue de quem amava…
— Mãe?
O grito rasgou o silêncio mórbido. Ele olhou ao redor e viu flashes, espectros surgindo e desaparecendo como se fossem fantasmas dançantes entre as ruínas. O vento frio cortou sua pele antes mesmo de tocá-lo. O choro distante de alguém, a metros dali, ecoou, seguido por um arrepio impossível de conter.
— O que… está acontecendo… comigo?
Tentando entender, deu um passo em falso. O corpo vacilou e ele caiu dos escombros, de cara no chão. Quando ergueu a cabeça, viu os corpos. Incontáveis. Espalhados ao seu redor. Mas ele… era o único a se erguer.
Seus cabelos escuros estavam emaranhados e cobertos de poeira, assim como sua camisa branca e a calça preta. O choque o mantinha paralisado, até que, de repente, percebeu.
Em sua cintura… ainda estava a espada. A katana que levava para a aula de esgrima antes de tudo desmoronar. Estava prestes a sair… quando uma explosão detonou seu bairro, foi forte o suficiente para matar mais de cinquenta mil pessoas na hora, e deixar um terço desse valor feridas.
Quem sobreviveu à explosão morreu da infecção. No fim, ninguém havia restado.
Inclusive ele…
Mas como?
Quando se ergueu, sentiu a respiração como nunca antes. Era como se estivesse sufocado por décadas, sem perceber a ausência do ar. Até o frescor do vento e da chuva foram novidades para seu corpo, que se arrepiou involuntariamente.
Ele era um ressuscitado. Aquele que se ergue da morte e se torna um com seu espírito. Mas qual foi o sentimento que o trouxe de volta aos vivos?
A injustiça. A desigualdade. A indiferença.
— Você é um transeunte. Agora!
A voz veio das sombras, fria e implacável.
Ele arregalou os olhos, o coração disparado no peito. Pelos chifres e pela silhueta que se destacava na escuridão de uma gruta de escombros, não havia dúvida: era uma entidade das trevas.
— O quê…? Quem é você?
Tentou se levantar, mas suas pernas fraquejaram. Sentou-se bruscamente, sentindo a terra fria sob os dedos.
— Um demônio…? Foi você que destruiu tudo?
Seu instinto falou mais alto. Os dedos encontraram o cabo da katana, e um resquício de energia primitiva começou a envolvê-lo, pulsando com sua fúria nos recantos de sua alma, atrás de seu medo.
— Por que eu faria isso?
— Porque… é um demônio!
— Sou? — A sombra recuou ligeiramente, um tom de escárnio na voz. — E quem aqui está ameaçando quem, hein?
O jovem hesitou. Inspirou fundo, calculou suas chances e, por fim, soltou o cabo da lâmina. Era natural temer, mas a voz da entidade era tão sutil que, se fosse morrer, morreria sendo enganado pela besta astuta.
— O que deseja? Se for me matar… que seja rápido.
Se eu morrer, a dor passa? Inocente, pensou. Afinal, a dor é a necessidade de viver. Quem vive, sofre; e quem morre é amante da miséria de não aprender.
— Eu? Por que te mataria?
— Já que posso te ver…
Suas palavras saíram como engasgos.
— Você é um despertado, garoto… e isso me alegra imensamente!
Ele está tentando me enganar? Cacete… por que não acaba de uma vez!? Morrer não parecia tão ruim.
— Por quê?
— Por que tantas perguntas? — A mão esquelética do demônio tocou-lhe o ombro, e sua aura negra cintilou. — Por que tanta desconfiança…?
— Por que me ajudaria?
— E por que não te ajudaria?
— Você é um demônio. Eu sou um humano!
Ouvir aquilo foi tão natural, como se o senso comum erradicasse suas crenças.
— Só isso? Nada mais? Sua existência se resume às regras que lhe impuseram? Que vazio…
A entidade ergueu-se, encarando-o de cima; seus pés praticamente sobre o jovem. Em um estalo, um escudo negro envolveu ambos, dissipando a pressão sufocante que se acumulava no ar — invisível, mas latente para aqueles que tocavam o limiar da morte.
— Sim, sou um demônio. Mas, se quer uma resposta… quero ajudar a humanidade. Faz anos que perdi a parte que diziam ser essencial em mim. Agora, sou um lobotomizado!
Ele o fitou nos olhos quando disse. Sua apresentação deveria ser cordial, e quem era, estava toda naquela frase.
— E eu não desejo que mais ninguém seja feito como eu. Consegue entender?
— Entender? — O jovem encarou seus pés. — Não entendi nada do que falou. Caramba, por que eu tive que sobreviver? Eu nem pude achar o corpo de minha mãe…
Então constatou… o nobre e cavalheiro rei demônio. Era difícil apresentar sua filosofia enquanto o jovem caía em um vazio indescritível.
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