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    Ao passar do prazo, Megumi lançou-se de cadeira em cadeira, lamentando a vida, afundando-se em uma espiral de desespero e revolta. Seus olhos, antes carregados de melancolia, agora ardiam com um fogo sombrio — um ardor que não era mais tristeza, mas algo mais profundo, mais visceral. Ele não apenas aceitara seu destino; ele o abraçara, mas de uma forma distorcida, talvez realista demais.

    — Eu… aceitarei — murmurou, a voz trêmula, não de medo, mas de fúria. Ergueu o olhar, encarando a entidade diante de si, o semblante transfigurado por um misto de ódio e determinação. — Mas, demônio… quero que me ensine. Acima de tudo, porque quero me livrar da minha dor. Da minha família. Do que resta dela… se é que ainda posso chamá-los assim!

    As palavras saíram como um rugido, carregadas de ressentimento reprimido. Não era mais apenas Megumi quem falava, mas uma nova versão de si, que emergia das cinzas de sua antiga existência.

    O que antes era calmo e ingênuo tornou-se frio e resoluto, enquanto experimentava o gosto amargo do “e se”, do “talvez”, do que jamais poderia ter sido.

    — Depois disso… poderei me render ao seu ideal.

    A entidade permaneceu em silêncio por um momento, observando-o com um brilho nos olhos. Então, com um movimento, escorou-se no balcão. Seus sapatos de couro deslizaram pelo chão, produzindo um som seco de atrito, como o sussurro de uma lâmina prestes a cortar carne.

    — Então? Aceita?

    Havia ganância em seu olhar, um prazer na maneira como formulava a nova proposta. 

    E Beel percebeu algo curioso — ele não estava apenas aceitando um acordo. Estava propondo um.

    Já havia passado por alguma mudança.

    — Aceito… — Seus dedos tremeram levemente, mas ele os fechou em punho, sufocando qualquer hesitação. — Mas me diga uma coisa… por quê?

    Os papéis haviam se invertido. Agora era ele quem questionava.

    — Por que meu pai… meu irmão… nunca se importaram comigo e com minha mãe? — Vacilou por um instante, mas logo retomou o tom frio e amargo. — Tanto que a expulsaram da família assim que nasci. Foi por culpa deles que ela morreu. Eu quero que paguem por isso!

    A entidade inclinou a cabeça ligeiramente, analisando cada camada daquele rancor.

    — Vingança… então será por um sentimento de injustiça. Abandono. É compreensível. Mas… após isso, está certo de que não quebrará? Não posso te dar poder e deixar que esvaie suas forças…

    Ele estendeu a mão, e seus dedos esqueléticos roçaram a pele de Megumi. No instante do contato, um calafrio percorreu a espinha do jovem. Era mais do que um toque. Era um reconhecimento.

    — Um pacto? — questionou, sentindo algo despertando dentro de si.

    — Não! — como se rejeitasse a banalidade da palavra. — Uma jura sincera. Apenas fé e confiança. O que acha?

    Havia engajamento em sua voz. Mais do que um desejo de barganhar, queria algo verdadeiro, algo além de uma simples troca de favores.

    — Te darei o seu desejo… e você, o meu.

    Isso fez o jovem respirar fundo, sua mente fervilhando. O peso da decisão já caía sobre seus ombros, e sentiu o impacto ao se jogar para trás na cadeira.

    Por um instante, tudo ficou em silêncio.

    Então, com um movimento brusco, ele se inclinou para frente, suas unhas quase arranhando a mesa.

    — E como fará?

    O demônio sorriu — um gesto sutil, mas carregado de significado. Antes, oferecia e ele aceitaria na hora; agora, precisava apresentar certezas. Uma negociação ia além de um simples “sim” ou “não”.

    — Vou treiná-lo como um demônio. Mas será de forma mais sutil e eficaz do que qualquer outro homem poderia ensinar!

    Havia confiança naquelas palavras e, de alguma forma, uma verdade. Diferente de um exorcista, ele não apenas conhecia o mundo imaterial — ele era parte dele. Compreendia seus segredos, seus caminhos ocultos, os fios invisíveis que conectavam tudo.

    — Como? — perguntou, ainda hesitante.

    A entidade ergueu uma sobrancelha. Ou pelo menos tentou — difícil expressar isso quando se é apenas uma caveira…

    — Dúvida? — E, sem lhe dar tempo para responder, continuou: — Veja, garoto. Energia espiritual é semelhante à energia negra. O que vocês chamam de fluxo, nós chamamos de intenção. O que chamam de feitiço, chamamos de dádiva. A inata é sua dádiva infernal, enquanto a não inata… essa é nossa técnica demoníaca. Ou, se preferir, a dádiva do abismo!

    Novamente franziu o cenho, tentando processar.

    — Certo… por mais que eu não entenda nada…

    — Verdade — concordou, com um tom quase divertido. Era um completo ignorante, deduzindo apenas o que ouvira de forma mastigada — o senso comum sobre demônios.

    — Então, vamos começar do básico. Pense no seu fluxo, na sua intenção. Qual é o sentimento que mais te domina?

    — Saudade… ódio?

    — Qualquer um deles pode ser o motor para uma explosão — explicou a entidade, sua voz assumindo um tom quase hipnótico. — Como o acender de um fogão. Em instantes, a chama estabiliza… e é seu fluxo que seguirá de acordo com seu foco.

    Cada palavra parecia ressoar na mente dele, pintando cenários abstratos, moldando uma compreensão que antes lhe escapava.

    — Tente!

    O comando foi tão repentino que ele quase caiu para trás.

    — Tentar?

    — Sim, tente reproduzir o que falei! Feche os olhos, expanda sua energia, pense em seus objetivos… o que mais almeja!

    Inspirou fundo assim que o demônio terminou de explicar o guia sobre a expansão da energia, sobre se proteger com a tal da aura. E então, de repente, finalmente decidiu tentar!

    Foi como ver uma fogueira surgir — intensa, efêmera — e, do nada, desaparecer, falhando como um fósforo apagado por um sopro.

    — Ehr…

    — Novamente! — disse o demônio, virando de uma só vez os 250 ml do copo antes de enchê-lo outra vez. Sorte que bebia por esporte — o álcool não o afetava, assim como o cansaço, a fome ou a sede.

    Pobre Beel… Naquele dia, repetiu tanto essa palavra que sua mandíbula quase caiu. E o garoto? Desmaiou na décima oitava tentativa.

    Tudo isso por um erro lógico. Era tolo tentar ensinar um lobo de zoológico a se portar como um selvagem, esperando que esse instinto despertasse naturalmente. Mas… esse era apenas um dos vários treinamentos.

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