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    Quando acessou os primeiros vestígios de sua aura, foi um misto de assombro e vertigem. O mundo ao seu redor se desfez em véus translúcidos, como se estivesse espreitando através de um vidro distorcido. Tudo vibrava, pulsava em ritmos invisíveis, e cada fagulha de energia se tornava uma ilha isolada no vasto oceano da existência. Sua visão — agora algo além do físico — se alargou como uma lupa transcendental, capturando detalhes impossíveis. O calor abrasador se misturava ao frio cortante, um paradoxo que queimava e congelava sua pele ao mesmo tempo.

    E então, o medo. Não um medo simples, mas um terror visceral, como se estivesse diante de um abismo sem fundo. O mundo material e o imaterial se conectaram, e ele, frágil e humano, era a ponte, a interseção, a linha tênue entre a forma e o espírito. O corpo era um cárcere; a alma, um incêndio prestes a consumir a cela.

    A madrugada se passou e, novamente, não comeu. Não bebeu água. O tempo se tornou um conceito abstrato, diluído no fluxo da energia que agora tentava compreender. O peso da fome se tornava insignificante diante do peso daquilo que havia despertado dentro dele. Mas o corpo tinha seus próprios limites.

    A exaustão o dominou. Acordou abruptamente e logo desmaiou, o coração disparado, os músculos tremendo como se houvesse atravessado um deserto sem fim. O ar era denso, pesado. Tentou se erguer, mas tudo girou ao seu redor. A inconsciência o levou antes que pudesse sequer raciocinar.

    Quando despertou novamente, já era o dia seguinte. A luz da manhã se infiltrava pelas frestas das tábuas velhas do quarto acima do bar. Cada célula de seu corpo clamava por algo que ele havia negligenciado. Sentiu-se vazio, fraco e, ao mesmo tempo, carregado por um fardo.

    Descendo as escadas como se estivesse no fio da vida, encontrou-o — e mais o café da manhã. A prova de que ainda era humano. Que ainda precisava daquilo. Que, por mais que sua mente se expandisse para tocar o imaterial, seu corpo continuava sendo um casulo de carne, exigindo sustento.

    O cheiro da comida quente se espalhava pelo ambiente, um contraste cruel com o vazio em seu estômago. Ele olhava para as próprias mãos, calejadas e trêmulas, a pele marcada pelo esforço. Cada músculo de seu corpo implorava por descanso, mas sua mente estava longe, ainda perdida na vertigem de sua experiência.

    — Então? Já conseguiu elevar sua aura de forma instável? — A voz de Beel cortou seus devaneios, animada, mas carregada de um interesse genuíno. Ele havia tocado nas margens de uma certeza: levar o rapaz ao extremo o guiaria até o passo que almejava, mas havia o risco da morte à espreita.

    Será? Contra sua vontade, estaria tentando fazê-lo alcançar a estabilização da forma mais árdua.

    Enquanto mordia um pedaço suculento da coxa de frango, os ossos estalando sob seus dentes afiados. Os legumes ao lado completavam a refeição, que era seu prato favorito. A mesa, no entanto, tinha um segundo lugar preparado. Um prato intacto, um copo cheio, talheres dispostos cuidadosamente — como se estivesse à espera de que ele se sentasse e aproveitasse sua conquista.

    — O quê? — Sua voz saiu rouca, confusa. Mal conseguiu discernir a pergunta, como se as palavras dele viessem de uma realidade diferente da sua.

    O demônio suspirou, fazendo uma pausa antes de se levantar. Os olhos afiados carregavam um brilho de impaciência. Ele não havia terminado sua refeição, mas, sem hesitar, pegou o prato com a comida intacta e o jogou na pia, os talheres ecoando contra a cerâmica. O gesto era definitivo.

    — Certo… — murmurou, olhando para ele com severidade, antes de indicar a mesa vazia. — Não comerá nem beberá água até que consiga. Você sabe… sua aura precisa estar minimamente ativa e controlada para que alcance o estágio um do treino! Não posso tentar resultados com um mero cintilar de energia… entende?

    A culpa em seu peito era maior que qualquer objetivo, mais humana que muitos humanos, mas era necessário…

    Tal aviso ecoava na mente do que restava do rapaz como uma sentença de morte iminente, uma condenação sem piedade. Sem comida. Sem água. Sem descanso. Fora lançado nesse abismo existencial, obrigado a desafiar os limites de seu corpo e mente até que dominasse o fluxo de sua própria essência. O tempo se distorcia ao seu redor, o suor escorrendo de cada poro de sua pele, o cansaço, uma presença física que esmagava seus ossos. Mas, com o peso de sua alma quase partida, não demorou muito. Sua mente fragilizada se fragmentava em ilusões, como se as memórias e a realidade se confundissem, até que… num reflexo instintivo, sua aura explodiu com um grito.

    Um alívio profundo, como uma água fresca após a longa seca. Seus dedos, que antes estavam gelados e insensíveis, agora voltavam a sentir o mundo ao redor. Sua visão se clareava e, por um momento fugaz, ele se questionou, com um peso gelado no peito: Morri? Mas, ao tossir violentamente sobre a mesa, o som e a sensação de estar ali, no mesmo lugar, trouxeram-no de volta à realidade.

    Não, ele não havia morrido, mas estivera à beira disso.

    — Você conseguiu! — a voz da entidade ressoou suave e aliviada. — A morte te trouxe de volta pela segunda vez. Talvez vocês, humanos, precisem desse… déjà vu para que o fluxo de energia realmente corra…

    A explicação vinha com uma calma tão desafiadora quanto incompleta. Quase… ele estava quase lá. A aura não era um rio impetuoso; era mais como o jorrar de uma mangueira, um fluxo delicado que precisava ser livre de obstáculos. O caminho da água deveria estar desimpedido, sem dobras, para que sua verdadeira força fosse liberada. Nada tão complexo, mas a exaustão, essa inimiga constante, havia forçado seu corpo a se conectar com cada pedaço de sua aura, apenas para garantir que não sucumbisse à escuridão. Era um ato primitivo de sobrevivência. E ele, o sobrevivente, ofegava, os pulmões ardendo, tentando processar o que acabara de acontecer.

    A entidade, que antes havia forçado sua aparição, agora parecia aliviar suas correntes; a pressão de sua energia negra, densa e opressiva, quase fez o garoto engasgar diante de sua presença. Seu olhar penetrante era como uma lâmina que cortava a atmosfera, transmitindo uma sensação sufocante de poder que pairava sobre ele. Mas, em um movimento sutil, a energia começou a se dispersar, seus intentos de dominação suavizando-se, como se a própria entidade estivesse se controlando.

    A sombra envolvente que o rodeava dissipou-se lentamente, dando lugar a uma aura mais calma, porém igualmente imponente. Inclinou-se para frente e, com um sorriso que se espalhava pela escuridão, revelou sua verdadeira natureza.

    — Você…

    — Sou um dos reis demônios, Beel! — disse o ser com uma risada sem graça. — Tardou, mas é quem fui, enfim… — acomodou-se, relaxando enquanto se sentava com uma postura tranquila, mas que ainda exalava uma grandiosidade inegável. — O treino acaba de começar! — Ergueu a mão e apontou para uma mesa de iguarias, onde alimentos e bebidas estavam dispostos com uma perfeição desconcertante, como se o próprio universo tivesse se curvado à sua vontade. — Coma, beba, e então vamos para o próximo passo, Megumi!

    Foi épico, mas ainda mais insano. De onde ele tirou esse banquete? Do nada? O autor precisará se explicar.

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