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    No dia seguinte…

    Acordou com o rosto pressionado contra o chão, a garganta seca e o estômago revirando de fome. O gosto metálico do sangue ainda persistia em sua boca, resquício de uma pequena hemorragia causada pelo esforço extremo sobre seu âmago. Seu corpo parecia pesado, como se tivesse passado dias mergulhado em exaustão profunda. Piscou algumas vezes, tentando ajustar a visão turva ao ambiente abafado.

    A madeira do piso rangeu sob seu peso enquanto se levantava, apoiando-se na bancada gelada. O cheiro de umidade e álcool impregnava o ar, misturando-se ao som suave do pano úmido deslizando sobre os copos.

    A entidade estava ali, absorta na limpeza, os dedos ágeis removendo as últimas gotas da superfície úmida, onde os copos haviam acabado de ser retirados da pia.

    — Finalmente… acordou!

    Piscou, ainda tonto.

    — É… eu dormi tanto assim?

    — Horas… sua reserva de energia se esgotou completamente — a entidade respondeu, sem desviar o olhar dos copos. — Mas parece que recuperou o mínimo necessário… o suficiente!

    A pausa que se seguiu foi densa, carregada de significado. A culpa transparecia em seu silêncio, e, antes que pudesse continuar, as palavras ficaram presas em sua garganta.

    — Ontem… nós dois… não… eu cometi um erro lógico!

    Os pelos da nuca do jovem se arrepiaram.

    — O quê?

    A entidade soltou um suspiro lento, os dedos crispando-se sobre a bancada, deixando marcas finas na superfície já gasta.

    — Presumi que, quando um mortal adquire energia e obtém a chave para o mundo espiritual, ele automaticamente se condiciona aos gatilhos de um demônio recém-nascido!

    O som das unhas arranhando a madeira ecoou como um aviso, um grande incômodo, fazendo-o recuar instintivamente.

    — Aí…

    — Preste atenção! — Cortou o ar como um açoite. — Você precisará reagir a certas ações… para ativar seus gatilhos. Antes de erguer uma aura ao seu redor, precisa conectar seu corpo!

    Engoliu em seco, sentindo um frio rastejar por sua espinha. A conexão… era isso que faltava.

    — E precisa quase me deixar surdo para isso? — sentando-se de qualquer jeito, os braços cruzados e um vinco franzido na testa.

    — Surdo? Ora… eu apenas deslizei meus dedos… 30 decibéis… algo irrelevante a essa distância! — Explicou com naturalidade, erguendo a mão como se repetisse o movimento. Então, parou de súbito, um brilho curioso nos olhos. — Será que isso já serviu? Como uma ação? Sua superaudição já está entre nós?

    — Superaudição? — O ceticismo evidente no tom.

    — É… assim como um herói de quadrinhos. Superforte, superveloz, superinteligente… pode ver além, ouvir além, sentir além! — Gesticulava, como se estivesse desenhando as palavras no espaço entre os dois.

    O outro ficou em silêncio por um momento, processando as palavras. Então, inclinou-se para frente, os olhos semicerrados.

    — Resumindo… sou praticamente um Superman?

    A resposta veio acompanhada de um sorriso enigmático.

    — Exatamente! Mas isso que está experimentando agora é apenas uma fração. Pense em si como uma massa de bolo sem fermento. Você tem uma boa liga, uma estrutura sólida, mas quando adiciona o fermento e leva ao forno… ele cresce, se expande, se transforma. Agora, imagine que esse crescimento acontece não apenas duas ou três vezes, mas centenas de vezes!

    O olhar dele ficou mais atento, absorvendo cada palavra.

    — Então… se já posso ser “super”, quer dizer que ficarei ainda mais se elevar minha aura?

    — Isso, isso! — como se estivesse prestes a revelar um segredo crucial.

    — Tá, então… como elevar o raio dessa aura?

    O sorriso se alargou; havia algo mais ali — um desafio, uma provocação sutil.

    — É isso que estou tentando te dizer. Você precisa ligar ponto a ponto, conectar cada fio invisível que te envolve, traçando a rede que une o físico ao metafísico. Sua aura não é apenas uma extensão de você… ela é a força motora para a intercessão entre esses dois mundos. Quando aprender a ativá-la de verdade, não será apenas mais forte ou mais rápido… você será algo além!

    — Além?

    — Você fará palavras se tornarem ações… resumidamente, fará feitiços!

    — Terei um livro para aprendê-los?

    — Livro de feitiços? Não, que bobo… — parecia uma piada, seus lábios quase curvando-se em um sorriso zombeteiro. — Eles não são como receitas, são expressões, manifestações de si… Cada feitiço nasce do que você é, não do que aprendeu!

    — Então… é tipo uma arte? — tentando entender, mas sua mente ainda estava emaranhada.

    — Sim, mais ou menos. — Pegou uma garrafa de vodca, preparando-se para iniciar mais um dia de trabalho. — Você cria uma vibração, uma intenção dentro de si. Existe uma sintonia entre o que você deseja e o mundo ao seu redor. Claro, existem feitiços que seguem padrões, que utilizam determinadas palavras ou gestos para amplificar o efeito… mas, no final, tudo é você!

    — E sobre os demônios? Como funciona para vocês?

    — Nós usamos a energia negra — sua voz tomou um tom mais sério, quase sombrio. — Criamos maldições, sim, mas não é como lançar um feitiço. A energia negra é instável, caótica. É pura força, mas também é imprevisível. Para nós, é mais simples atacar com uma carga de energia desenfreada, sem muita sofisticação. A beleza está na brutalidade!

    — Uau… — Engoliu seco. — Mas… como eu começo? Como vou aprender a fazer isso?

    — Calma, calma! — Sua voz suavizou, tentando acalmá-lo. — Não se apresse. Vamos dar um passo de cada vez. Antes de tudo, você precisa entender sua aura, como falamos antes.

    O demônio olhou para as próprias mãos, buscando algo, mas encontrou apenas o vazio. O que poderia fazer com o que tinha nelas?

    — É simples… mas também não é! — As palavras pareciam difíceis de explicar, e, na verdade, eram. — Vou te ajudar a elevar sua aura. Sem isso, você nem pode começar a pensar em controlar energias mais complexas.

    — Droga!

    Acho que estava esperançoso de que fosse mais fácil.

    — Só conseguirá entender tudo isso depois que aprender a sentir o que está dentro de si!

    — Certo… então, vamos ligar esses pontos. Confesso que estou ansioso demais! — Finalizou, respirando fundo.

    Ao fim daquele dia, sentiu que estava evoluindo. Exausto, desmaiou à tarde, após um treinamento intenso e árduo. Os disparos negros, lançados lentamente pelo demônio, o forçaram a aprimorar seus sentidos, obrigando-o a liberar energia, ainda que por breves instantes. Seu corpo permaneceu em alerta, a mente esgotada — e, no momento em que tocou a dimensão intercessora, não resistiu…

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