Capítulo 263 – Prepotência existencial
Mas… o tempo não para, e enquanto Megumi estava sendo consumido pela exaustão de seu treinamento, Yami e Amai atravessavam os escombros do que um dia foi um parque. Um lugar que carregava lembranças, agora irreconhecível.
Dias atrás, estiveram ali. E agora, retornavam.
A missão era simples em conceito, mas cruel na prática: encontrar sobreviventes.
Eram a única equipe de resgate do grupo de resistência RMM. Outros que se opunham à nova ordem, mas buscavam estabelecer um novo estado, reunindo os homens e exorcistas restantes.
Rimuru Shirasaki, Mahmoud e Matteo — desertores do conselho que já fora composto por nove — haviam estabelecido um abrigo. Agora, precisavam descobrir se ainda restava alguém para ser salvo.
A cena diante da equipe de resgate era devastadora. O lago, antes um espelho do firmamento, havia secado por completo. No leito rachado, peixes jaziam intactos, suas escamas ainda brilhando — como se a morte tivesse sido instantânea, negando-lhes até mesmo a decomposição. A “Síndrome da Escuridão” permeava o ambiente, corrompendo o próprio ciclo da vida e da morte.
A vegetação? Reduzida a cinzas.
Os corpos humanos? Fundidos à paisagem, peças de um cenário grotesco.
Ali, mais de cem almas haviam perecido. Na capital, a cada metro quadrado, três mortos compunham o solo.
O cheiro? Nem mesmo o odor pútrido da morte prevalecia. O ar era denso, carregado com algo muito pior: o aroma sufocante do breu.
A jovem cruzou os braços, os olhos frios vasculhando o horizonte devastado. Estava distante demais daquilo — como seu pai havia notado —, mas… era normal. A felina sentia a morte no peito, e Naoto… Naoto seria profundo demais para curar.
— Apenas enxofre… — murmurou, a voz tingida por uma apatia quase ensaiada. — Diria que aqui é o próprio inferno. O que será que sentiram?
Nenhuma resposta veio de imediato. Apenas o vento assobiando por entre as ruínas de árvores mortas.
— Menos de trezentos salvos… — continuou, sem disfarçar o desânimo. — Me pergunto se um dia isso aqui voltará a ser um terço do que foi.
E ele? Permaneceu em silêncio por um momento, o olhar mais distante do que nunca. Talvez estivesse pensando em como encaixar suas ambições no que restaria após tudo isso. Então, sem qualquer hesitação, respondeu:
— Do jeito que está? Acho que já era.
Ela arqueou uma sobrancelha, incomodada pelo tom seco dele — mais do que deveria. Já deveria estar acostumada ao seu fatalismo, mas era irritante vê-lo exibi-lo tão abertamente.
— Por que tanta certeza?
Desviou os olhos do cenário e os pousou nela. Não havia cinismo, nem descrença. Apenas algo raro: seriedade absoluta.
— Porque… isso tudo é como a correnteza de um riacho cercado por pedras. Não importa o quanto a água tente passar, nunca vai removê-las. E enquanto Seiji continuar destruindo o que resta…
Não precisou terminar. Ela entendeu.
Sempre soube que ele era pessimista — desde que se conheceram e até antes, ouvindo os relatos do mais impuro dos homens. Mas, dessa vez… não era só pessimismo. Era a verdade crua, um fato incontestável.
E talvez, pela primeira vez, não conseguiu encontrar argumentos para contrariá-lo.
— Acha que não vale a pena?
— Nunca achei… mas… isso importa? — Sua pergunta é como a lâmina que açoita os corações da esperança. — Sempre achei que tudo era menor que um grão de areia, o que farei? Nada importou enquanto eu trilhei meus anseios… por que agora seria?
— Não consegue ver que faz parte de algo maior? Minhas ambições, eu tinha tantas certezas, e agora? Após tantos choques? Tenho que encontrá-las novamente! Não sente um pouco disso? — O fardo era tão grande que se sentou no meio-fio de um dos caminhos do parque.
— Não…
Certeza do que dizia? Não tinha. Mas foi o suficiente para fazê-la enxergar quem ele realmente era. Sempre foi um jogo de interesses, mas não passava de um tipo a ser estereotipado: o rapaz frio, que, na verdade, tinha medo do mundo. Era algo além disso. O mundo já havia esfriado para ele, até se acabado. Não precisava de um instante de alegria, mas de outro caminho, outra direção, algo além do fazer por fazer. Yami Yamasaki precisava se encontrar em algo além de sua vingança; deveria ser recíproco.
— Nossa… Yami, o que você espera alcançar? Por mais fatalista e pessimista que seja, há uma razão em suas palavras, que vai além até do fim… Você… é suicida?
— Talvez… seria loucura dizer que já morri há muito tempo? — Riu assim que falou.
Não era engraçado, mas covarde… Esperar o fim após suas ações e escolhas, e sabia disso.
— Ehr… chato…
— É sério… essa já é minha segunda vida. Seria errado ter esperança de uma terceira, não é? Será que, após a morte, um exorcista está condenado à eternidade de sofrimento?
Ergue-te, uma vez mais, da beira do abismo e reconhece que viverás novamente por um propósito. Não serás condenado ao lago de fogo, mas sim à eternidade que a alma deve, entre as margens do limbo. Lá, não sofrerás fisicamente, mas conhecerás o tormento insuportável de ser esquecido, perdido nas sombras da própria existência.
Dizem as boas almas, reverentes e crentes em teu Criador… que Ele falou, e com Sua voz, tudo foi dito, reverberando nos corações daqueles que O temem e O adoram.
— Vai dar crédito a uma religião tão ruim?
— Ruim? — Aquilo o deixou confuso. — Pensei que o clã Shirasaki fosse adepto ao Lumielismo, não?
Afinal, seu clã foi o criador da terceira maior religião mundial, aquela que pregava a condenação das almas que retornavam. Não é irônico?
— Era… assim como a hierarquia masculina, que se dissipou com meu avô… só servia para amenizar o peso de carregar nossa compreensão, condenando os despertos. É apenas… um jogo narrativo!
Palavras da herdeira do próprio clã.
— As coisas mudam, não é? É apenas uma questão de tempo até o monte gelado se tornar o monte do deserto… ou as profundezas de um rio se transformarem no terreno de uma casa… — Essas palavras, mais para si mesmo do que para a garota, reverberavam como um sussurro perdido em um vento que já não trazia promessas de amanhã. O deserto da felicidade. A mudança estava em tudo, moldando até os elementos mais imutáveis. Nem os ciclos cósmicos, que antes pareciam tão seguros em sua repetição, estavam livres dessas transformações. Então, quem seria você para afirmar que seus sentimentos são eternos? Que sua alma, tão efêmera quanto as estrelas, seria inabalável? Nem os imortais, aqueles que desafiam o tempo, ousariam se proclamar assim. Mas… quando chegaria esse ponto de virada? Esse momento em que os corações pulsantes, tão confiantes em sua batida, seriam forçados a questionar se ainda podem sentir enquanto batem, conscientes de sua fragilidade?
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