Capítulo 264 – Acordar e perceber
Respirava como se sufocava.
Seu peito subia e descia em ritmo vacilante, como se o próprio corpo questionasse se deveria estar vivo. O ar tinha gosto estranho, metálico, denso. Seus olhos se abriram para a escuridão ao redor, um breu espesso que se recusava a dissipar. A janela ao lado era apenas um contorno opaco contra o exterior silencioso. Após dias imerso na escuridão, finalmente via o que restou de seu antigo lar — mas apenas o suficiente para desejar não ter visto.
Quem era ele? Aquele que selou seu destino por vingança. Krynt…
Piscou, aturdido. Tudo parece desfocado, irreal. Por um momento, acreditou que estava preso em um pesadelo, como se tivesse acordado em um quarto de hospital após o fim do mundo. Mas a ilusão se rompeu quando percebeu algo: sua mão… não estava mais lá. O vazio latejava, não de dor, mas de ausência. Sua mente, no entanto, recusava-se a registrar isso como um problema imediato.
O som de algo se movendo à sua direita o faria reagir, se ainda tivesse forças. Mas o que quer que fosse, já se fora.
— Masaru… eh… alguém?
Silêncio.
Ninguém atendeu. Ninguém estava ali.
Seus olhos encontraram um jaleco branco, amarrotado e manchado, ainda vestindo o corpo sem vida de um médico, sentado numa cadeira ao lado da maca. A identificação no bolso revelou onde estava: Saisho.
Hospital Hiroshi Yamamoto.
Ou, ao menos, o que restou dele.
Estranhamente, não sentia dor. Nenhuma pontada, nenhum desconforto físico pelos ferimentos que, racionalmente, deveriam estar o dilacerando. Talvez Masaru o tivesse curado…? Masaru… teria o deixado ali? Não. Ele se lembrava de quando o amigo o havia deixado para trás. Então, quem? Arthur? O garoto era o único que poderia ter se importado o bastante. Talvez… mas, se fosse ele, por que não estava ali agora?
O pensamento se dissolveu quando notou algo no pé da maca: o boneco.
Pequeno, de madeira, esculpido de forma grotesca, como a alma de um prisioneiro. Os olhos esbranquiçados, vazios; a boca pintada em um sorriso torto. Rasen.
O monstro, o pesadelo ambulante, o devorador de carne.
Agora, uma marionete. Aprisionado em sua própria técnica.
Ele soltou um suspiro — um misto de alívio e incredulidade.
— Você…
A palavra se dissolveu no ar, substituída por um estranho contentamento. O único a quem destinava seu ódio estava ali, quase morto, seu inimigo… Bem que dizem: só os inimigos deixam flores.
— Deve ser angustiante estar preso em um espaço físico menor que sua alma. Está se sentindo espremido?
Enquanto falava, seus olhos se fecharam por um instante, como se saboreasse a ironia da situação.
— Você me ouve? Cacete… Eu queria saber como é estar aí. É tão curioso… Mesmo sabendo tanto sobre isso, eu não sei como é ser vítima do próprio feitiço. Ser um homem é isso, não é?
A resposta não veio.
Talvez esperasse que o boneco falasse, que protestasse, que se debatesse em agonia dentro daquela casca vazia. Mas nada aconteceu. Só o silêncio.
Só o tempo.
Inclinou a cabeça para trás, encarando a janela opaca.
— Será que, quando morrer, você se libertará? O tempo passa aí?
Seus olhos vagam, observando a cidade morta além do vidro sujo.
— O tempo passa…
E, pela primeira vez, isso parecia um problema. O mesmo que corroía a alma inquieta do peregrino, que, embora caminhando, sentia o peso insuportável de algo além de seu corpo, uma aflição que o puxava para o abismo.
Sentia que o tempo para ser fraco havia acabado. Ele não poderia mais ser um tutelado, mas sim alguém capaz, para que não sucumbisse como os outros.
Esse era Jacir, ainda mancando, carregando consigo não apenas o fardo de sua dor, mas também o de dois crucifixos, símbolos da fé daqueles que já partiram e de seus últimos laços com o mundo que acabara de perder.
Há dias, perdera Marcos e James. Os dois colegas haviam sido arrancados de sua vida de forma brutal, sem aviso, enquanto protegiam o shopping.
Um mal desconhecido surgiu do nada, como uma tempestade feroz que não deixava nada em seu caminho. Foram vítimas de uma fúria impossível de controlar. E, mesmo ele, não compreendeu o que aconteceu, mas o que viu naquele momento foi um breu absoluto, seguido de um esmagamento horrível de sangue, carne e corpos que se misturavam em um instante de caos.
Vítimas do acaso…
Mal se lembrava do que ocorreu depois. Tudo foi tão fugaz, tão sutil, quanto o término de um combate. O som, o cheiro, o peso, tudo parecia ter sido apagado em um instante. Ele ainda se perguntava, com a mente turva e o espírito pesado: O que foi aquilo?
Cansado e com uma tosse profunda, parou. Seus olhos estavam cansados, seu corpo exausto. Ele, como um verdadeiro índio, enterrou seus aliados com a reverência de quem compreende o peso da morte. Usou pedras para selar os corpos pútridos, uma cruz de madeira para acompanhar suas almas. Em sua tradição, seus amigos morreram com honra e paz, mesmo que os vestígios encontrados de seus corpos apenas falassem da barbárie pela qual haviam passado.
— Eteguaara epe’ý ara… Elum, abá tupi oîa’á… Eteguaara oîe… E’îporangá ipó oî.
Clamava, sua voz rouca quebrando o silêncio. Invocava o Criador, Elum, em sua majestade transcendente, ou Eteguaara, o deus dos rios e das águas, aquele que trazia vida e, segundo suas crenças, conduzia as almas dos mortos para o outro lado, para o além. Seu coração pesado pulsava em sincronia com a oração, na esperança de que, ao menos, os espíritos deles encontrassem descanso em algum lugar sagrado.
Foi seu lamento, sua unção…
Que despertou uma onda estrondosa no mundo intercessivo… As garras de algo se moveram, ou, talvez, acordaram… E, quando olhou para suas costas, o viu… A entidade mais aterradora que já imaginara encontrar.
— Fé? Senti o cheiro, de longe, mas suas palavras… me fizeram ir ao seu encontro…
Disse o ser macabro, de várias faces. Contava rapidamente, mais de oito rostos tomados por horror, terror… Mas não era da morte, do pecado… da condenação… Todos ligados a um corpo, ou ao que deveria ser, um monte de braços e pernas deformados que flutuavam, presos em sete correntes, cada uma com um formato diferente na ponta… A cabeça de uma serpente, de um leão, um lobo, um porco, um bode, um dragão e um corvo.
Foi natural. Sua reação, já que elevou sua aura e, de repente, fez um disparo de energia não transformada, como um eco disforme na escuridão, ergueu uma cortina de poeira… E a criatura? Se tornava pó… Era apenas uma ilusão…
Cadê? Não era… real? Quando enfim percebeu, a névoa estava por todo lugar, e, enfim, entendeu… Algo estava enganando sua mente, cegando seus olhos. Sua barriga roncava… Sua boca estava seca… Quantos dias se passaram? Não percebeu que estava em uma espécie de domínio demoníaco… E, pior ainda, que demônio seria sádico o bastante para fazer isso?
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