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    — Meu senhor… quais são suas ordens?

    Astael ajoelhava-se no centro do imenso salão, onde a escuridão parecia pulsar como um organismo vivo, engolfando as chamas azuladas que ardiam em braseiros distantes. Ao seu lado, dois demônios de poder considerável permaneciam imóveis, como estátuas grotescas esculpidas pelo tempo. Estavam apenas um degrau abaixo dele na hierarquia, mas suas presenças eram insignificantes diante da entidade à sua frente. Nenhuma palavra escapava de suas bocas cerradas, e seus rostos estavam velados pela penumbra opressora.

    No trono elevado, envolto por um manto de trevas que oscilava como sombras, Luciel ergueu-se com a lentidão de quem não é apressado por nada além de sua própria vontade. Seus olhos eram abismos sem fim, sua voz, um eco de algo que parecia existir além do tempo.

    — Você… — disse, pausando o suficiente para que o silêncio se tornasse um peso sufocante no ar. — irá liderar a primeira cruzada com os exorcistas… O que acha?

    O líder do principado sentiu o corpo enrijecer. Seus olhos se arregalaram, a cauda dracônica se crispou como a de um felino acuado.

    Engoliu em seco antes de responder:

    — Eh… Está dizendo que eu… irei ao mundo dos vivos?

    Rangendo os dentes, ergueu-se de súbito.

    — Irá… — Luciel afirmou, arrastando as palavras com um prazer perverso. — Junto com um exército. Por quê? Qual o seu medo?

    Um riso escapou, carregado de desdém. O som reverberou nas paredes do salão, fazendo a escuridão vibrar como se estivesse viva.

    O demônio hesitou.

    — Meu senhor… fiquei sabendo que nenhum dos cinco recrutados teve êxito. E Leviel… bem… ele é muito mais forte que eu… e quase morreu para vencer uma simples exorcista. Não acha que está depositando muita fé em mim?

    Luciel riu de novo, mas desta vez, não houve humor, apenas algo impalpável e distante, como o vento em um cemitério.

    — Fé?

    Ele fechou os olhos por um instante, girou nos calcanhares e lhe deu as costas. O gesto foi mais doloroso do que qualquer ameaça.

    — Não tenho fé em você… nem em nenhum de vocês… — murmurou. — Ainda mais depois dessas palavras!

    Ele sentiu um gosto amargo subir à boca.

    — Liliel… não temeria nada disso. Temeria?

    Era a maldita comparação que corroía sua mente, um espinho cravado em sua alma.

    Liliel?

    O nome reverberou em sua mente como uma maldição, um eco que nunca cessava. Seus punhos se cerraram até que as garras ameaçaram perfurar sua própria pele.

    Por que insistem em me comparar a essa traidora?

    Seu peito subia e descia em respirações pesadas, carregadas de ódio contido. A raiva queimava dentro dele como brasas sob cinzas, pronta para se incendiar a qualquer momento.

    Ele não era Liliel. Ele nunca seria. E, acima de tudo, não queria ser.

    Então ergueu os olhos, sua expressão se tornando uma máscara. Ele sabia… contestar Luciel agora seria um erro fatal. Então, engoliu a revolta como veneno, deixando que o gosto amargo da humilhação se misturasse à promessa silenciosa que fazia a si.

    Um dia, eles verão…

    Mas, por enquanto, restava apenas ajoelhar-se e aceitar a ordem.

    A sombra de Luciel parecia alongar-se diante dele, esmagando-o.

    — Li… — seus olhos buscaram aceitação, uma fagulha de reconhecimento, mas encontraram apenas o mesmo vazio de sempre. Ele nunca a teve. Nunca a teria.

    Engoliu seco novamente e, reunindo a compostura, curvou-se ligeiramente.

    — Meu senhor… está correto. Mas acha que será lógico perder o líder do principado? Eu… com minha influência, poderia ser útil, mais útil do que apenas ser um soldado…

    O imperador permaneceu em silêncio por um instante. O tempo se alongou, tornando-se quase insuportável. Então, sem alterar o tom de voz, ele perguntou:

    — Está me questionando?

    Sentiu um arrepio subir por sua espinha.

    — Não, não… — recuou um passo, erguendo as mãos em um gesto sutil de rendição. — Estou apenas… lembrando que sou um líder diplomático. Conseguiu unir as famílias, trouxe glória à minha casa… Como guerreiro, sou bom, sim, mas… sou melhor vivo do que morto!

    — Discordo!

    Uma terceira voz cortou a sala como uma lâmina, carregada de desprezo e convicção. Das sombras, emergiu Mael, seu tio.

    Astael contraiu a mandíbula.

    Maldito… será que ele tem a ver com essa nomeação?

    A rixa entre os dois era antiga, enraizada como uma maldição hereditária.

    — Rei Mael… — murmurou, sua voz carregando uma formalidade amarga.

    E o rei? Sorriu, mas não havia calor em sua expressão, apenas um triunfo disfarçado. Caminhou lentamente até ele, como um predador avaliando sua presa.

    — Você, garoto, é ótimo — começou, sua voz como um veneno escorrendo gota a gota. — Mas… do que adianta ser um bom líder se não suja as mãos?

    Sentiu a fúria borbulhar em seu peito, mas permaneceu imóvel.

    — Agora que Gallael voltou, há mais boatos no principado… boatos de que você… é fraco.

    A última palavra foi dita quase em um sussurro, mas ressoou como um trovão.

    Mael pousou uma mão pesada sobre o ombro dele, que teve de conter o instinto de se afastar. O toque lhe causava repulsa imediata, como se estivesse sendo manchado por algo pútrido.

    — E um líder fraco, irmão… isso é inadmissível, não é?

    — Mas… — começou, apenas para ser silenciado imediatamente. — Silêncio, garoto!

    Dessa vez, foi Luciel quem interveio. Sua voz não precisou se elevar, pois sua presença por si só era um peso esmagador. Ele se ergueu, um monólito de autoridade absoluta, e prosseguiu:

    — Não há como discordar de Mael. Você não pode ser uma peça defeituosa. Um rei não pode demonstrar fraqueza. Até mesmo eu… não posso!

    Astael abaixou a cabeça.

    — Entendo…

    Mas dentro de si, tudo fervia.

    — Então é isso… — Mael deu um passo para trás, abrindo espaço para que Luciel desse o veredicto.

    — Você será o primeiro a liderar uma invasão à Terra. Sem tréguas. Sem descanso. Os homens cairão como peças de dominó!

    As palavras eram música para os ouvidos de seu senhor e irmão e um zumbido insuportável nos do pobre demônio. Não passava de uma peça em um tabuleiro, empurrada à prancha, prestes a ser lançada ao mar.

    Mas… o que o aguardava?

    A glória?

    A ruína?

    Ou algo pior que a própria morte?

    Até mesmo para o principado, a água havia chegado ao pescoço. A maré da guerra avançava, impiedosa, arrastando consigo qualquer vestígio de razão ou prudência.

    Não havia mais volta. As peças já estavam em movimento, e os demônios, cada um em sua própria ambição, tomavam decisões que não poderiam ser desfeitas.

    Jogavam um jogo irreversível.

    As alianças eram forjadas sobre mentiras. As traições, costuradas no silêncio. E os planos… esses já estavam além de qualquer lógica. Há muito tempo, essa loucura temporal deixara de ser sã.

    O destino já não pertencia aos mais fortes, mas aos mais insanos.

    Porque, no fim, o mais louco será o vencedor!

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