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    O vazio que experimentavam não era simplesmente a ausência de algo, mas a presença opressiva do nada. Como se fossem folhas soltas em um espaço onde sequer existia vento para carregá-las, pairavam sem peso, sem forma, sem necessidade de existir.

    Não havia tempo para medir a espera, nem espaço para definir uma direção. Não havia luz ou escuridão — porque, para tal, seria preciso um contraste, e ali não existia oposição. O conceito de começo, meio ou fim se desfazia como tinta diluída em um oceano infinito de inexistência.

    O caos não rugia, nem a ordem reinava. Não havia leis, não havia exceções. Existiam ainda, sim, mas não como eram antes. O destino, que antes trançava caminhos, ali não encontrava fios para entrelaçar. O tempo, que outrora fluía como um rio, ali se desfazia como névoa dispersa. Tudo o que se construía, ali, não podia ser moldado. Tudo o que se sonhava, ali, não podia ser concretizado.

    E o próprio vazio… era um mundo, mas um mundo há muito tempo descolado do seu sentido. Não era a origem, mas um espectro dela, um fragmento esquecido onde a existência já não pulsava. Não havia por que zelar por um sonho perdido entre centenas de milhares. Pois, no fim, o vazio era a última morada de tudo aquilo que não tinha mais razão para ser.

    Esse era o limite de um ser como eles — entidades que, embora abaixo da Tríade Existencial, possuíam o poder de erradicar tanto o imaterial quanto o material, dissolvendo conceitos como se fossem meras ilusões diante da vastidão.

    E ali, no coração do nada, Bezeel e Gael se enfrentavam, luz e trevas em sua forma mais pura, antagonistas em um duelo sem palco, sem testemunhas, onde apenas a própria existência tremia à beira da aniquilação.

    Então, em uma fração insignificante de um yoctosegundo, seus corpos se chocaram.

    Punho contra punho.

    Não foi apenas um golpe; foi uma explosão de possibilidades. A luz do anjo e da Senhora das Virtudes cintilou e gerou incontáveis mundos, galáxias emergindo em instantes, sonhos cósmicos se enraizando no vácuo como flores de energia bruta. Mas, antes que pudessem florescer por completo, foram reduzidos ao nada pela técnica suprema do demônio — a Antrópia, o conceito absoluto de declínio e dissolução.

    O brilho que nascera foi devorado, apagado sem chance de resiliência, absorvido pela sombra do inevitável.

    Os dois recuaram com o impacto. E se houvesse espaço ali, se houvesse sequer um terreno onde seus pés pudessem tocar, a mera fricção do movimento teria rasgado os próprios fundamentos que os mantinham coesos, desmantelando o tecido de suas existências.

    Mas naquele vazio, leis não reinavam e a razão não imperava, restavam apenas eles — adversários cuja luta se tornava o próprio princípio e o próprio fim.

    — Ficaremos, eternamente, presos nesse instante! — bradou o anjo, reverberando em frequências que nem mesmo o tempo poderia carregar.

    Ao seu redor, uma roda colossal girava, vastíssima, maior do que um setor inteiro.Em seus polos, as dez armas divinas dos anjos surgiam, relíquias de outrora, agora evocadas para seu uso. Eram lembranças de antigos companheiros, de amigos que há muito haviam se dissipado nas marés da existência. Agora, eram sua força.

    — Quer mesmo isso?

    A resposta veio sem hesitação.

    — O que posso fazer? Desistir?

    E então, das costas da criatura demoníaca, catorze asas se abriram, não de penas, não de matéria, mas de um princípio além da realidade.

    Estamos nos movendo além de um conceito… isso está além do infinito ou do finito…

    O pensamento emergiu, mas não houve tempo para ponderar. Um clarão divino cortou o nada — uma flecha de luz, imbuída de energia capaz de extinguir até mesmo o que era eterno.

    Luz. A única fúria que nem mesmo o destino possuía.

    A seta divina rasgou o vazio, e o impacto erradicou aquilo que já não existia.

    — Grr…

    O demônio rosnou. Seu corpo, desfeito pela radiação do sagrado, regenerou-se no mesmo instante. O poder que o ferira era suficiente para obliterar um invulnerável. Matar um imortal.

    Mas ele não era um ou outro. Ele era além.

    — A lança que Rael deixou… — murmurou, cerrando os olhos por um instante. — Você… é mesmo poderoso. Deveria ter aniquilado cada traço maligno de seu ser…

    Mal teve tempo de concluir a frase antes que a besta se lançasse contra ele.

    Trevas.

    Um enxame de disparos obscuros, cada um contendo a ruína de mil mundos, avançou como uma onda inevitável. A própria estrutura do nada vibrou. Se houvesse espaço ali, teria se estilhaçado. Mas não havia.

    Então, o anjo puxou um pedaço do vazio.

    Como se segurasse um lençol invisível, torceu a própria inexistência ao seu redor, dobrando o impossível para repelir o ataque.

    É insano…

    O pensamento escapou. Mas não apenas para ele.

    — O que é insano? — A surpresa veio de seu oponente.

    O silêncio pairou por um instante.

    A existência dos dois… algo estava diferente. Um atraso, um erro no que deveria ser absoluto. Como um servidor sobrecarregado tentando processar informações incompatíveis.

    E então, um golpe.

    Um feixe de energia capaz de devastar mundos disparou contra ele. O anjo ergueu sua mão nua e segurou o ataque, como se fosse nada além de uma brisa contra sua pele.

    A lâmina veio logo em seguida.

    Uma espada que cortava o espaço. Mas… não havia espaço ali. Ou melhor, não deveria haver…

    Gael estreitou os olhos.

    Se não houvesse espaço, como poderia ser cortado? Se não houvesse distância, como poderia ser atravessada?

    A resposta era simples.

    Ele domava a realidade.

    — Acha que é o único esperto?

    A saída não foi bloquear. Nem esquivar.

    Foi simplesmente estar em outro lugar.

    Porque, naquele plano, naquele embate, era onipresente.

    Dois seres absolutos não poderiam alterar a essência um do outro… mas externamente, podiam destruir tudo ao redor.

    E então, bastou um movimento de suas mãos.

    Tudo explodiu.

    A própria abstração do espaço rugiu como um animal, estremecendo em fraturas impossíveis.A matéria — mesmo aquela que não existia — desintegrou-se, tornando-se menos do que pó, menos do que ideia. Não havia lógica para reger o que acontecia, apenas o embate de dois absolutos, dois vértices do impossível colidindo.

    A besta sentiu.

    Algo a atingia. Algo sem origem, sem trajetória, sem causa. As leis naturais não serviam ali. Até mesmo as regras divinas, aquelas que fundamentavam as existências mais elevadas, eram quebradas como vidro velho.

    As coisas ali não tinham razão ou sentido.

    Não era uma equação com variáveis previsíveis, nem um problema a ser resolvido. Não havia causa e efeito. Havia apenas duas mentes operando de maneira idêntica, movendo-se no mesmo fluxo, consumindo e gerando possibilidades em um ciclo infinito.

    Duas entidades, com recursos ilimitados.

    A única diferença?

    A composição primária de seus seres.

    Um era luz, que nascia para criar, proliferar, expandir.

    O outro era ruína, feito para desfazer, consumir, reduzir tudo ao estado anterior à existência.

    E por isso, não havia fim.

    Porque cada golpe, cada colisão, cada rasgo no nada… era igualmente anulado no momento seguinte.

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