Capítulo 276 - Corações perdidos e ideais profanos
A polícia chegou ao local minutos depois, seus faróis recortando a escuridão da noite com luzes vermelhas e azuis que dançavam nas paredes sujas. O cheiro de sangue ainda estava fresco no ar, misturado ao mofo impregnado naquele canto esquecido da cidade.
Todos estavam atrás do exorcista.
E foi ali que encontraram o primeiro de seus crimes. E naquela mesma noite, também findara seus dois irmãos. Um deles fora empalado vivo na banheira; seu estômago, pulverizado por um golpe tão devastador que quase fez desabar o prédio decrépito em que vivia. A estrutura, um verdadeiro muquifo, refletia a podridão de seus próprios pecados. Ele vendia drogas, explorava os desesperados e acumulava desafetos. No fim, sua morte fora mais celebrada do que lamentada.
Já Yohan… bem, esse era um falso santo. Ostentava-se como um dos maiores doadores da igreja de Elum em Regnum, um nome respeitado nos círculos religiosos. Mas sua virtude desmoronou junto com seu corpo, silenciado de maneira brutal. Um crucifixo atravessou-lhe a garganta, fincando-se com força na mesa de mogno onde tantas vezes fingira rezar.
Aquelas foram as primeiras brasas a escapar de Aija… um prenúncio do fogo que consumiria a cidade.
Sob a noite turbulenta, Arthur observava o caos se espalhar. Gritos, sirenes, rumores fervilhando em cada beco. Todos estavam atrás dele. E lá estava, no centro de tudo, o herói.
Herói de si mesmo, redentor de seus próprios pecados—mas não um salvador. Não para o mundo, nem para aqueles que caíram sob sua fúria. Apenas de seu coração, que, mesmo após beber tanto sangue, ainda clamava por mais. A sede jamais cessava, e a cada suspiro final que testemunhava, sua alma apenas se afundava mais no abismo.
Eterno Elûm… Assim pune teus filhos? Deixando-os à mercê de seus próprios monstros, guiados pelo desejo insaciável de consumir e destruir?
Seja como for.
Oh, eterno… que assim seja feita a tua vontade!
E assim, os dois cavaleiros negros chegaram às margens do rio Minamikawa. A ponte que outrora ligava as extremidades estava completamente demolida; suas pedras, agora, jaziam submersas, tragadas pelas águas turbulentas. Ao redor, um cenário de morte se estendia—mais de oitocentos soldados, destroçados, os corpos fundidos à lama e ao sangue seco da batalha que antecedera a queda de Yokohama.
Todos em pedaços.
— Miyazaki é um escroto… — murmurou o mais magro, chutando um destroço de armadura enferrujado.
— Pois é, Magnus…
— Um total imbecil! — seu pé pousou sobre um pedregulho solto. — Azar do Seiji que não fez do outro garoto, o Megumi, seu herdeiro…
O grandalhão parou à beira do rio também, mas pegou uma pedra e a lançou contra as águas escuras. O impacto fez pequenos círculos se espalharem pela superfície, distorcendo o reflexo da floresta ao redor.
— O moleque era fraco. — Ele manteve o olhar fixo no horizonte, onde a névoa começava a se dissipar. — Puxou a mãe, segundo ele… E, bem, parece que teve o azar de nascer doente. Sei lá…
— Então é verdade… Nasceu com Miastenia… — sussurrou, quase para si. Os rumores já circulavam há anos, desde o teste da corda, o ritual impiedoso ao qual todo herdeiro Watanabe era submetido. — O garoto teve uma vida infernal. Com sorte, morreu no ataque a Nova Tóquio… — Seu tom carregava um vestígio de empatia. Afinal, ser um herdeiro renegado de um clã tão severo era um destino pior que a morte.
O silêncio pairou entre os dois por um instante, interrompido apenas pelo som distante da correnteza.
— Verdade… Enfim, vamos atravessar?
Ele então lançou um olhar de canto para o outro. Eram conhecidos, mas não chegavam a ser aliados de verdade. Deveriam construir essa confiança agora, pois, em breve, dependeriam um do outro para sobreviver.
— Vamos… Aliás… — Ele parou assim que pisou na água, sentindo o frio subir por suas pernas. — Por que estamos caminhando normalmente? Quer dizer… eu só fiz o que você fez, mas poderíamos…
— Há um… não, quatro Celestes em Nova Tóquio! — A voz do grandalhão soou como um aviso. — Seríamos interceptados antes mesmo de chegarmos lá… O radar deles é supremo. Duas auras se aproximando? Nah…
— E como vamos nos infiltrar? — franziu o cenho.
— Há um acúmulo imenso de escuridão lá. Dentro, seremos invisíveis. Fora? Não. — Havia mais desalento que entusiasmo em suas palavras. — De toda forma, entrar não é o problema… O problema é sair!
Suspirou e continuou:
— Temos 75% de chance de nos darmos bem… Graças a Gabriel, Elizabeth e Daniel. E 25% de chance de darmos uma grande merda… Masaru. No fim, será como uma roleta russa, não?
O grandalhão riu, sem muita convicção.
— Ehr… Uma grande merda.
— O foco será sobreviver até os outros três grupos invadirem. Com a marca que Seiji deixou, chegaremos dez minutos antes dos demais. Em quarenta minutos, todos terão se infiltrado… — Seus olhos brilharam, carregando informações que só ele parecia possuir. — O problema é que não sabemos quantos deles estão unidos… É um plano muito bosta, mas o foco é eliminar os mais fortes.
O vento soprou sobre a água, carregando o cheiro metálico de ferrugem e morte. E Magnus lançou um último olhar para o campo de batalha adormecido sob o rio e apertou os punhos.
Sobrevivência. Esse era o único objetivo?
Não!
Para ele, essa era apenas a segunda prioridade. A primeira, a verdadeira razão pela qual marchava para Nova Tóquio, era garantir que o ideal de Seiji se tornasse realidade.
Não era servidão. Não era cegueira. Era gratidão.
Gratidão por tudo que havia feito, por cada decisão tomada em nome daqueles que permaneceram ao seu lado. Se não eram crentes, eram leais. Se não seguiam por devoção, seguiam por reconhecimento.
E, sempre que seu coração hesitava, sempre que a dúvida se insinuava como uma lâmina fria em sua mente, a pergunta ecoava em seu peito: Vale a pena?
E a resposta vinha.
Forte. Firme. Inabalável.
Sim!
E por que essa gratidão?
Porque, no meio do caos, enquanto o mundo ruía em desespero, ele ergueu uma bandeira.
A maioria, como Romero e Gabriel, devia suas vidas a ele. Não por acaso, mas pela Campanha da Igreja de Elum, promovida sob sua liderança. Uma campanha que não apenas resgatou corpos, mas deu propósito às almas perdidas na carnificina da Guerra Civil de Shamo.
Naqueles dias sombrios, mais pessoas morriam do que moscas. O cheiro de sangue impregnava as ruas, e o eco dos gritos afogava qualquer esperança. Mas ali, em meio à ruína, nasceu algo inesperado: o maior acervo de exorcistas que o mundo já vira.
Não apenas salvou vidas. Deu um futuro àqueles que, de outra forma, teriam sido engolidos pela história.
E por isso, aqueles que marchavam ao seu lado não eram apenas seguidores.
Eram gratos.
Nem todos os monstros eram puramente maus.
Afinal, o ser humano nunca foi apenas luz ou trevas—sempre foi um grande misto disso.
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