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    — Não sei…

    Seu olhar vagou pelo ambiente desolado, mas não encontrou nada além de sombras e destroços. Sua voz saiu incerta, quase um sussurro, mas sem qualquer traço de tristeza.

    Era como tentar dizer algo sem um começo definido, sem direção.

    — Merda… também, como poderia te dar uma lição de moral, sendo eu?

    — Ehr… verdade! — Soltou uma risada breve, um som que destoava da cena ao redor, como se zombasse do próprio caos. Sempre assim… Seus olhos brilharam com algo entre nostalgia e um prazer que desejava sentir, sempre distorcido. — Você se divertiu, aliás. E muito, enquanto destruímos tudo. Sentiu empatia? Medo? Alguma hesitação?

    O outro pensou por um instante, digeriu as palavras. Não seria hipócrita. Não ele. Não com ele. Então, suspirou.

    — Confesso que só… me senti agitado. Animado. — A lembrança cintilava em sua mente como uma chama que não se apagava. Passou a língua pelos lábios ressecados, sentindo a adrenalina ainda pulsando, como se o caos daquela noite nunca tivesse realmente terminado. — Eu coloquei na minha cabeça que ninguém estava vivo…

    — Mas?

    — Mas na verdade, pouco importa…

    Daniel suspirou, inclinando-se para trás, — Ignorando esse fato… eu já assumi que não me importo…

    Será que eram iguais?

    Sentia em seu peito, com uma certeza incômoda, que talvez sim.

    — Será?

    — Exatamente, é isso que falo…

    Ele se sentou mais ereto, como se, ao verbalizar seus pensamentos, encontrasse um tipo de compreensão, ou ao menos, uma justificativa confortável para suas ações.

    — Não somos heróis… somos humanos. Queremos sentir prazer, encontrar algo que nos complete. E eu me sinto feliz com isso. Você é como eu… só está preso a algo que eu já superei.

    — O quê? Sua sanidade? — provocou, com um sorriso enviesado.

    — Também… — Riu baixinho, mas havia um peso na resposta, algo que se aprofundava além do sarcasmo. Seus olhos se encontraram por um instante, carregando uma verdade crua e silenciosa. — Mas falo da responsabilidade de quem sou!

    E fez uma pausa, observando-o, buscando uma fagulha de entendimento ali.

    — Todos?

    — É…

    O vento soprou forte, levantando poeira e cinzas ao redor.

    — Você nunca se sentiu uma arma? Como se estivesse sendo usado? Quem são eles, no fim das contas? Ehr…

    Então era isso que guardava no baú do seu peito. Não que fosse apenas uma ferramenta, mas era assim que o viam. Uma lâmina afiada nas mãos de outros, um nome gravado em histórias que nunca lhe pertenceram. E por isso, quando teve a chance… debandou.

    Não perdeu nada.

    Mas havia uma verdade amarga.

    Quem perdeu foram eles.

    — Só quero fazer o que faz meu peito balançar, o que me dá propósito… mesmo que isso custe a vida… de todos!

    Era a verdade impiedosa que pulsava no peito do mais forte exorcista de todas as eras.

    — É…

    O silêncio pairou por um instante, pesado como o ar antes de uma tempestade.

    Duas tempestades.

    Um louco que se aceitou e outro que estava se aceitando.

    E não deu tempo para que o parceiro respondesse.

    — Não somos heróis… não somos deuses… — Uma certeza que doía, uma ferida aberta que ele nem se dava ao trabalho de esconder. Seus olhos brilharam, não com dúvida, mas com algo muito pior: resignação. — Mas não se sente um demônio falando assim?

    Isso ficou no ar, vibrando entre eles.

    Então, Masaru inclinou levemente a cabeça.

    — Sabe como realmente me sinto?

    — Fale…

    — Sinto-me mais perto da verdade!

    Era genuíno.

    — Essa é a minha verdade. O mais próximo do fim que estarei, o mais perto da felicidade pura. É o puro fatalismo… de um ser caótico, como nós!

    Aquilo soou como a âncora de um navio se rompendo, deixando-o à deriva, entregue às marés.

    — Como nós…

    Como poderia negar? Até mesmo quando a morte se aproximava, nada importava mais do que o instante de felicidade que teve.

    Quando defendeu a humanidade e enfrentou Liliel…

    Sua parceira poderia ter morrido, como seu “amigo”—aquele que considerava um aliado, e ainda assim, não sentiu tristeza, não teve luto. Não havia vazio, nem pesar, apenas um eco distante, uma ausência que não o tocava mais. Mas algo o prendia. Algo que já havia se dissipado há muito tempo, mas ainda não percebera.

    As amarras que pensava que o seguravam, na verdade, haviam deixado seu corpo, mas não as sentia, como um prisioneiro que não sabia que a porta estava aberta.

    Era a verdade amarga dos mais poderosos: a morte não era um fim. Era o alívio. O libertador. Era o ponto final onde suas obras egoístas eram pintadas sem arrependimento, sem o fardo da humanidade.

    A morte, então, se tornava uma tela em branco, onde podiam finalmente ser quem realmente eram.

    Mas o que restava do mundo estava preparado?

    Não. Estava em cacos…

    E, no abismo, a outra face se preparava.

    Mael empurrou a porta do quarto de Leviel sem cerimônia. O cheiro de suor e metal tomou suas narinas, e seus olhos encontraram a figura da entidade—músculos tensionados—descendo e subindo no ritmo controlado de suas flexões. O brilho das escamas esmeraldas úmidas refletia a pouca luz do aposento.

    — Até parece que vai lutar assim… — comentou, a voz carregada de tédio.

    O rei da inveja arfou e se levantou, o suor escorrendo pelos sulcos entre suas escamas.

    — E quem disse que não?

    Então, o lobo cruzou os braços, observando-o com desdém.

    — Luciel te chamou?

    — Não… foi o Asmael.

    Houve um silêncio breve antes do invasor avançar um passo.

    — O que vocês vão fazer? — Estreitou os olhos, a desconfiança evidente em sua expressão. — Não minta, seu peixe fedorento!

    O demônio riu, seus dentes pontiagudos reluzindo na penumbra.

    — Gr… lobo sarnento.

    E ele rosnou baixinho, como se o provocasse de propósito.

    — Tem um humano atrás de mim. Ehr… Ele quer que eu resolva isso. Disse que, se eu quisesse sair um pouco daqui, essa era a minha chance…

    — Um humano? — Ergueu uma sobrancelha.

    — É. O namorado da garotinha que matei…

    O sorriso dele cresceu assim que ouviu, lento e predatório.

    — Entendi. Ele quer vingança… — Inclinou a cabeça, os olhos brilhando de diversão. — Quer ajuda? Sabe, seu amigo aqui também quer sair…

    Mas a besta verde parou, e algo mudou nele. Ficou sério…

    — Não!

    A palavra saiu mais ríspida do que esperava. Sentiu o coração bater forte, uma agitação estranha crescendo dentro de si.

    — Dois contra um? Eu não sou covarde a esse ponto!

    Isso fez o lobo estreitar os olhos, mas não disse nada.

    — Aliás… — continuou, ajustando os ombros. — Você não pode sair daqui. Não é você quem vai liderar o principado enquanto Astael estiver em guerra?

    — Nem me fala… Merda. Ficar mandando naqueles pirralhos…

    E soltou um suspiro cansado.

    O demônio escamoso não pôde evitar um breve sorriso. Então, sem mais delongas, virou-se para a porta.

    — Enfim… Me deseje sorte…

    — Por quê? É só um humano…

    Parou antes de sair. Por um instante, seu rosto se endureceu.

    — Hm… Por isso mesmo. É um humano. Já viu o que um humano pode fazer?

    Como se um pensamento inquietante o atravessasse, seu olhar vagou pelo chão, perdido em alguma lembrança distante.

    — Uma garotinha que tinha 1% da minha idade quase me levou à morte…

    A porta se fechou atrás dele.

    Mael ficou ali, olhando para o vazio, sentindo um arrepio estranho subir por sua espinha. Algo estava errado. Algo estava muito errado.

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