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    Sua missão foi dada quando a serpente soube do plano do irmão.

    Quando Luciel abalou os planos da entidade, o impacto foi tão profundo que reverberou por camadas da realidade, fazendo com que o próprio tecido da existência parecesse desfiar-se. E sabia que, para garantir sua sobrevivência e permanecer no jogo dos tronos, havia algo crucial que precisava ser feito, algo que não poderia esperar.

    Leviel encarava o deserto negro, um oceano de areia e sombras que se estendia até o horizonte, sem estrelas, sem fim. O vento soprava em lufadas gélidas, carregando o cheiro de morte e lembranças esquecidas das almas abandonadas ali. Seus olhos reptilianos não piscavam, atentos, como se tentassem decifrar os sussurros que o abismo insistia em lhe oferecer.

    Atrás de si, um portal rasgou o espaço sem alarde. E Asmael emergiu da fenda escura, seu olhar pesado e silencioso.

    — Veio perguntar se estou bem?

    Riu a criatura, a voz impregnada de ironia. Não precisou virar-se para sentir a hesitação do outro.

    — O quê?

    — Você e Luciel não vieram me ver. Vocês têm que fingir melhor que sou só uma peça, não é? Até Mael… que só se importa com seus próprios ganhos… veio perguntar.

    Então, disse, com um peso inesperado na voz:

    — Sinto muito…

    Leviel ergueu uma sobrancelha antes de soltar uma risada seca.

    — Qual a graça?

    — Isso foi… impressionante. Você, o cachorro de Luciel, falando um “sinto muito”?

    A serpente desviou o olhar, o vento bagunçando seus cabelos vermelhos.

    — Já não sou mais só isso…

    — É… talvez. Mas o que você quer de mim?

    Respirou fundo antes de dizer:

    — Isso…

    O rei estreitou os olhos, atento às palavras que iriam sair, mas não antes de brincar:

    — Quer que eu quase me mate de novo?

    Não sorriu. Não piscou. Apenas sustentou o olhar, impenetrável.

    — Exatamente…

    Aquilo nem surpreendeu a entidade. Um pedido desses vindo dele? Já deveria ter imaginado.

    — Na verdade, é um pedido meu, não de Luciel… — Continuou, sua voz mais firme agora. — Uma única chance que lhe darei para escapar disso…

    A entidade inclinou a cabeça, como se estivesse analisando um veneno antes de bebê-lo. O vento cortante do deserto negro fazia sua cauda se mover levemente, inquieta.

    — Escapar? — A próxima risada que escapou de seus lábios foi amarga. — De tudo o que já ouvi, essa foi a pior mentira!

    — Não estou mentindo.

    Ele virou-se devagar, finalmente olhando nos olhos dele.

    — Fale então!

    — Quero que você morra lutando contra um exorcista. Na verdade, um garoto perdido, que está em busca de vingança…

    — Como?

    — Morra enquanto este mundo jaz. Enquanto ainda não é uma peça de Luciel. Ele usará sua vida como um alicerce de seu ser…

    Ele cerrou os punhos diante do que ouviu.

    — Você quer que eu lute contra esse humano e morra no processo. Mas por quê?

    — Porque se você não morrer… Luciel o tomará por completo. Você sabe o que isso significa. Não sabe?

    — Sei… Se eu cair agora, uma parte de mim ainda será minha. Se eu sobreviver… nada restará.

    Mas ele não confirmou. Não precisava. O silêncio dizia tudo.

    — Você é um desgraçado, sabia? Eu deveria odiá-lo por me colocar nisso!

    — Eu sei.

    — Mas não odeio.

    O vento cessou, como se o próprio deserto estivesse prendendo a respiração.

    — Você vai mesmo fazer isso?

    — Eu já deveria estar morto há muito tempo, não acha?

    Ele já sabia de seu destino, não era burro.

    O silêncio se prolongou entre eles, denso. O peso da decisão não era algo novo para o rei — ele já sentira esse fardo antes, incontáveis vezes. Mas, desta vez, havia um quê de ironia amarga em tudo aquilo.

    E a serpente observava, impassível, mas dentro dele algo fervilhava. Esperança? Não. Ele não ousaria chamá-la assim. Apenas um lapso, um erro do destino, um segundo em que o inevitável parecia dobrável.

    — Então… que assim seja! — enfim, estalando os dedos. Seu sorriso era algo entre determinação e loucura. — Será que alguma versão nossa nesse espaço-tempo conseguiu viver sem as garras desse maldito?

    — Ehr… talvez. Essa maldita esperança não nos abandona…

    Isso fez Leviel rir baixo, sem humor.

    — Talvez porque, no fundo, somos mais humanos do que gostamos de admitir!

    Lágrimas caíram, de ambos.

    — Que Luciel queime na própria perfeição…

    E então, algo se partiu. Não fisicamente, mas no tecido da realidade. O ar se tornou pesado, o chão sob os pés de Leviel parecia menos firme, como se a própria existência reconhecesse que ali, naquele instante, algo estava prestes a mudar para sempre.

    — O deserto nos escuta, Asmael…

    — Ele sabe que uma despedida está próxima.

    As palavras eram frias, mas havia uma emoção cravada nelas, algo que não costumava demonstrar.

    Leviel respirou fundo, absorvendo aquele momento.

    — Guarde as boas lembranças, eu vou primeiro… — disse, batendo no peito, como se estivesse gravando aquele momento em sua própria essência. — Mas não sem antes… foder aquele maldito! Você se lembrará de mim?

    Asmael, ainda imóvel, olhou para ele com um olhar que carregava uma sinceridade quase desconcertante. A raiva, a dor, a liberdade — tudo aquilo estava refletido em seu olhar.

    — Não esqueço de ninguém… só desculpe, não ter capacidade suficiente para o parar… eu criei um monstro…

    Ele sabia, mais do que ninguém, que o que haviam se tornado estava além de qualquer remorso. O monstro que Asmael mencionava não era apenas um reflexo de sua criação, mas de tudo o que eles eram — do que haviam se forjado ao longo das eras.

    Sem mais uma palavra, a serpente virou-se e caminhou rumo à porta, cada passo carregando o peso de uma decisão irreversível. O som dos passos se dissolvia no silêncio dp quarto, como se o próprio ar estivesse retendo a respiração.

    — Espero que seus últimos instantes nesse mundo sejam os melhores!

    Mesmo que falasse com um tom irônico, havia algo em sua fala que soava como uma benção, mesmo que amarga.

    Seus olhos estavam fixos no nada à frente, como se já visse além do que o mundo físico poderia oferecer.

    — Não há graça em morrer como um vilão, mas é o melhor que posso ter!

    Com um último olhar para o vazio, acrescentou, quase para si, como uma confirmação daquilo que ele havia se tornado:

    — Não resta mais nada, exceto a dor!

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