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    Mas não foi teu irmão quem o levou a tomar essa decisão.

    Há muito tempo…

    Um pássaro, de penas que refletiam a luz, pousou em sua cabeça enquanto seu olhar, distante e profundo, se fixava no horizonte gasto da ilha.

    Sua casa… onde viveu por tantos ciclos.

    Ali, juntos, testemunharam incontáveis crepúsculos e a chegada da noite. O demônio, a criatura mais vil, conversava apenas com aqueles que o compreendiam: as folhas, os ventos, as águas e os animais.

    Ele sabia o que acontecia por trás de seus olhos e, ao observar as águas tranquilas à sua frente, não precisava de palavras para compreender os dilemas que pairavam no ar.

    Tal cantou, carregado de sabedoria. Assim como cantou no momento exato, quando a escuridão ameaçava engolir tudo o que restava de si. E foi nesse instante, sentindo o fim se aproximar, antes que Luciel, com sua presença perturbadora, pudesse se aproximar mais e o tornar o espectro que é hoje, que ouviu algo vindo das águas — um sussurro.

    — Que é isso que fazes, לֵוִיאֵל? Novamente, voltas-te contra ti mesmo e escolhes servir a um senhor que não é teu?

    A voz feminina, doce e profunda, parecia ecoar de dentro dele. Que fechou os olhos e tentou ouvir novamente, buscando a origem daquela pergunta, mas encontrou apenas o vazio.

    — לֵוִיאֵל?

    Seu nome soava em sua língua materna, chamando-o de volta.

    Mas sua mente vagava, como se estivesse à deriva dentro do abismo que ele mesmo criou.

    — O que eu poderia fazer?

    Nos olhos, os ecos do passado que traçou. Via Yelena, sua imagem congelada no tempo. Seu corpo inerte, o brilho da vida esvaindo-se de seus lábios, tudo se desvanecendo diante dele. Não podia mudar aquilo. Não podia trazê-la de volta.

    — Ama-te! — respondeu, com firmeza. — Pois teu destino não está nas mãos de outro, mas nas tuas próprias. Tu és o arquiteto do teu caminho, e ninguém mais pode traçar o rumo da tua alma!

    — Sou só… poeira cósmica… — sua voz tremia. — O que posso fazer? Minhas mãos não conseguem derrubar as muralhas que me aprisionam. Eles são maiores do que eu…

    — Quem disse?

    Parecia penetrar sua alma, abalando os alicerces de tudo o que acreditava.

    Ou… de tudo o que se recusava a acreditar. Ele nunca se permitiu pensar além. Apenas aguardava, vigilante, até que o destino viesse cobrá-lo.

    Mas… destino?

    — Eu!

    A resposta foi automática, mas ao pronunciá-la, um estremecimento percorreu sua espinha. Algo dentro dele finalmente despertava.

    — Então, só você pode mudar isso!

    A resposta dissipou-se nas águas, mas suas palavras ecoaram em sua mente.

    E só agora, escorrendo pela cachoeira de seus pensamentos, inundando seu peito, a compreensão se fez presente.

    O que estava além só poderia ser visto por uma mente resoluta.

    Convencer-se do fim não era a única forma de encontrar uma solução…

    Mas, em sua limitação, compreendeu que sua liberdade era também seu fim — um fim que ele mesmo tramara.

    Ou aceitou.

    Não apenas obedecendo ao destino…

    Destino… oh, destino.

    O que reserva para uma alma acabada?

    Ethan também ponderou enquanto a Aurora tingiu os escombros com um dourado melancólico. Com as mãos nos bolsos, sentiu a brisa da manhã passear entre as ruínas do campo de batalha e em sua face, erguendo poeira e fuligem como cinzas de um passado consumado.

    Seus olhos percorriam a paisagem devastada—uma nova normalidade. Memórias dançavam entre os corpos caídos, agora esqueletos, acompanhadas pelo silêncio ensurdecedor que o cercava. Então, algo mudou.

    Um ruído tênue, um deslocamento sutil no vento.

    E franziu a testa, aguçando os sentidos.

    — Ouço… alguém chegando… — murmurou, sem virar o rosto.

    Sofie, ao seu lado, congelou por um instante antes de levar a mão à cintura.

    — Os enviados por Seiji?

    E sorriu de canto, um brilho zombeteiro nos olhos.

    — Não — relaxado, a ironia transbordando. — Apenas sua curiosidade…

    — Naia acredito.

    O som seco de um tapa ecoou quando ela acertou seu ombro sem hesitar.

    — Imbecil, sério? Vai ficar brincando até agora?

    E fechou os olhos por um breve segundo, tentando conter a irritação. Não havia espaço para brincadeiras ali.

    E mais impossível que se segurar era esconder a inquietação. O vento soprava mais forte, fazendo seu longo cabelo loiro dançar ao redor do rosto. Seus olhos, afiados, denunciavam uma mente sobrecarregada.

    — Estamos prestes a nos matar enfrentando outros exorcistas… e depois? E o agora? — Sua respiração vacilou antes de continuar. — Uma ameaça está prestes a surgir, e você ainda age como se fosse apenas mais um dia qualquer?

    O silêncio entre eles foi longo, carregado de sombras do passado. O rapaz a observava de soslaio, notando a rigidez nos ombros, a forma como seus dedos se crispavam ao redor do próprio braço, como se segurasse algo—que jamais poderia soltar.

    — Nossa… — Sua voz saiu arrastada, sarcástica. — Quase falou sério agora.

    Que a fez bufar, sem paciência.

    — Não seja tão pessimista. Se sobrevivemos àquilo, você acha mesmo que meia dúzia de exorcistas vão nos matar?

    — Sobrevivemos? — balançou a cabeça. — Pelo que sei… ninguém saiu vivo. Tudo foi como areia ao vento…

    Suas palavras a desarmaram. Não era drama—era apenas um fato. Um fato que doía mais do que qualquer ferida.

    — Não sente falta de onde vivia? Das pessoas que conhecia?

    E desviou o olhar para o horizonte.

    Tentando escapar daquele bombardeio de fatos.

    — As pessoas que conheço estão vivas.

    Sofie franziu o cenho assim que ouviu, hesitante.

    — Ehr… — Seus lábios se apertaram em uma linha tensa. — Está falando sério? Seus amigos, sua família… nada?

    Não respondeu de imediato. As lembranças pesavam, mas já não doíam tanto. Pelo menos, era isso que dizia a si.

    — Não — admitiu, enfim. — Minha família e meus amigos eram de uma vila pequena… chamada Silverpine. Foi destruída depois que nossas terras foram vendidas a um bilionário.

    — Então esse foi seu caso… — murmurou, chutando distraidamente uma pedra com a ponta do pé.

    O silêncio retornou, mas não durou muito.

    — Eu… não falo muito sobre isso — confessou, hesitante. — Só Gabriel e Arthur sabem.

    Ethan foi quem ergueu uma sobrancelha agora.

    — Sabe o quê?

    Ela prendeu a respiração antes de responder.

    — Eu fui abusada pelo meu pai… ehr… — Sua voz falhou por um instante. — Foi sufocante.

    Ele não desviou o olhar.

    — Sinto muito…

    E a vítima riu, um som frágil, sem qualquer vestígio de humor.

    — Não sinta. Eu estraguei tudo com uma vingança.

    Seus olhos se perderam no horizonte, como se buscassem algo esquecido no tempo.

    — Ele deveria estar na cadeia — continuou. — Não somos nós que devemos decidir a justiça dos homens.

    — Mas…

    — Se não, qual a diferença entre nós e Seiji? Entre nós e os Iluminados?

    E não respondeu. O vento soprou entre as ruínas, carregando perguntas que talvez nunca tivessem respostas.

    No final, era sobre sermos melhores…

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