Capítulo 287 - Devemos ser melhores
Mas não foi teu irmão quem o levou a tomar essa decisão.
Há muito tempo…
Um pássaro, de penas que refletiam a luz, pousou em sua cabeça enquanto seu olhar, distante e profundo, se fixava no horizonte gasto da ilha.
Sua casa… onde viveu por tantos ciclos.
Ali, juntos, testemunharam incontáveis crepúsculos e a chegada da noite. O demônio, a criatura mais vil, conversava apenas com aqueles que o compreendiam: as folhas, os ventos, as águas e os animais.
Ele sabia o que acontecia por trás de seus olhos e, ao observar as águas tranquilas à sua frente, não precisava de palavras para compreender os dilemas que pairavam no ar.
Tal cantou, carregado de sabedoria. Assim como cantou no momento exato, quando a escuridão ameaçava engolir tudo o que restava de si. E foi nesse instante, sentindo o fim se aproximar, antes que Luciel, com sua presença perturbadora, pudesse se aproximar mais e o tornar o espectro que é hoje, que ouviu algo vindo das águas — um sussurro.
— Que é isso que fazes, לֵוִיאֵל? Novamente, voltas-te contra ti mesmo e escolhes servir a um senhor que não é teu?
A voz feminina, doce e profunda, parecia ecoar de dentro dele. Que fechou os olhos e tentou ouvir novamente, buscando a origem daquela pergunta, mas encontrou apenas o vazio.
— לֵוִיאֵל?
Seu nome soava em sua língua materna, chamando-o de volta.
Mas sua mente vagava, como se estivesse à deriva dentro do abismo que ele mesmo criou.
— O que eu poderia fazer?
Nos olhos, os ecos do passado que traçou. Via Yelena, sua imagem congelada no tempo. Seu corpo inerte, o brilho da vida esvaindo-se de seus lábios, tudo se desvanecendo diante dele. Não podia mudar aquilo. Não podia trazê-la de volta.
— Ama-te! — respondeu, com firmeza. — Pois teu destino não está nas mãos de outro, mas nas tuas próprias. Tu és o arquiteto do teu caminho, e ninguém mais pode traçar o rumo da tua alma!
— Sou só… poeira cósmica… — sua voz tremia. — O que posso fazer? Minhas mãos não conseguem derrubar as muralhas que me aprisionam. Eles são maiores do que eu…
— Quem disse?
Parecia penetrar sua alma, abalando os alicerces de tudo o que acreditava.
Ou… de tudo o que se recusava a acreditar. Ele nunca se permitiu pensar além. Apenas aguardava, vigilante, até que o destino viesse cobrá-lo.
Mas… destino?
— Eu!
A resposta foi automática, mas ao pronunciá-la, um estremecimento percorreu sua espinha. Algo dentro dele finalmente despertava.
— Então, só você pode mudar isso!
A resposta dissipou-se nas águas, mas suas palavras ecoaram em sua mente.
E só agora, escorrendo pela cachoeira de seus pensamentos, inundando seu peito, a compreensão se fez presente.
O que estava além só poderia ser visto por uma mente resoluta.
Convencer-se do fim não era a única forma de encontrar uma solução…
Mas, em sua limitação, compreendeu que sua liberdade era também seu fim — um fim que ele mesmo tramara.
Ou aceitou.
Não apenas obedecendo ao destino…
Destino… oh, destino.
O que reserva para uma alma acabada?
Ethan também ponderou enquanto a Aurora tingiu os escombros com um dourado melancólico. Com as mãos nos bolsos, sentiu a brisa da manhã passear entre as ruínas do campo de batalha e em sua face, erguendo poeira e fuligem como cinzas de um passado consumado.
Seus olhos percorriam a paisagem devastada—uma nova normalidade. Memórias dançavam entre os corpos caídos, agora esqueletos, acompanhadas pelo silêncio ensurdecedor que o cercava. Então, algo mudou.
Um ruído tênue, um deslocamento sutil no vento.
E franziu a testa, aguçando os sentidos.
— Ouço… alguém chegando… — murmurou, sem virar o rosto.
Sofie, ao seu lado, congelou por um instante antes de levar a mão à cintura.
— Os enviados por Seiji?
E sorriu de canto, um brilho zombeteiro nos olhos.
— Não — relaxado, a ironia transbordando. — Apenas sua curiosidade…
— Naia acredito.
O som seco de um tapa ecoou quando ela acertou seu ombro sem hesitar.
— Imbecil, sério? Vai ficar brincando até agora?
E fechou os olhos por um breve segundo, tentando conter a irritação. Não havia espaço para brincadeiras ali.
E mais impossível que se segurar era esconder a inquietação. O vento soprava mais forte, fazendo seu longo cabelo loiro dançar ao redor do rosto. Seus olhos, afiados, denunciavam uma mente sobrecarregada.
— Estamos prestes a nos matar enfrentando outros exorcistas… e depois? E o agora? — Sua respiração vacilou antes de continuar. — Uma ameaça está prestes a surgir, e você ainda age como se fosse apenas mais um dia qualquer?
O silêncio entre eles foi longo, carregado de sombras do passado. O rapaz a observava de soslaio, notando a rigidez nos ombros, a forma como seus dedos se crispavam ao redor do próprio braço, como se segurasse algo—que jamais poderia soltar.
— Nossa… — Sua voz saiu arrastada, sarcástica. — Quase falou sério agora.
Que a fez bufar, sem paciência.
— Não seja tão pessimista. Se sobrevivemos àquilo, você acha mesmo que meia dúzia de exorcistas vão nos matar?
— Sobrevivemos? — balançou a cabeça. — Pelo que sei… ninguém saiu vivo. Tudo foi como areia ao vento…
Suas palavras a desarmaram. Não era drama—era apenas um fato. Um fato que doía mais do que qualquer ferida.
— Não sente falta de onde vivia? Das pessoas que conhecia?
E desviou o olhar para o horizonte.
Tentando escapar daquele bombardeio de fatos.
— As pessoas que conheço estão vivas.
Sofie franziu o cenho assim que ouviu, hesitante.
— Ehr… — Seus lábios se apertaram em uma linha tensa. — Está falando sério? Seus amigos, sua família… nada?
Não respondeu de imediato. As lembranças pesavam, mas já não doíam tanto. Pelo menos, era isso que dizia a si.
— Não — admitiu, enfim. — Minha família e meus amigos eram de uma vila pequena… chamada Silverpine. Foi destruída depois que nossas terras foram vendidas a um bilionário.
— Então esse foi seu caso… — murmurou, chutando distraidamente uma pedra com a ponta do pé.
O silêncio retornou, mas não durou muito.
— Eu… não falo muito sobre isso — confessou, hesitante. — Só Gabriel e Arthur sabem.
Ethan foi quem ergueu uma sobrancelha agora.
— Sabe o quê?
Ela prendeu a respiração antes de responder.
— Eu fui abusada pelo meu pai… ehr… — Sua voz falhou por um instante. — Foi sufocante.
Ele não desviou o olhar.
— Sinto muito…
E a vítima riu, um som frágil, sem qualquer vestígio de humor.
— Não sinta. Eu estraguei tudo com uma vingança.
Seus olhos se perderam no horizonte, como se buscassem algo esquecido no tempo.
— Ele deveria estar na cadeia — continuou. — Não somos nós que devemos decidir a justiça dos homens.
— Mas…
— Se não, qual a diferença entre nós e Seiji? Entre nós e os Iluminados?
E não respondeu. O vento soprou entre as ruínas, carregando perguntas que talvez nunca tivessem respostas.
No final, era sobre sermos melhores…
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