Capítulo 297 - A primeira trombeta
E então… após a parede dimensional ser rasgada, eles atravessaram. Todos…
O exército de demônios malditos. Conhecidos como Sem Identidade, criaturas grotescas, deformadas pela ausência de essência, bestas movidas por fome pura e selvagem. Eles não buscavam poder, tampouco vingança. Apenas almas. Qualquer uma, não importava o grau de trevas nelas contido.
— Crea…
Resmungou Astael, envolto em uma túnica negra salpicada de poeira estelar, com uma capa púrpura ondulando ao sabor dos ventos interdimensionais. Seu olhar, cortante como navalha, fitava a imensidão do mundo humano abaixo. Flutuava sobre as nuvens, sustentado por asas monumentais, negras como o vazio. E atrás dele, um enxame de entidades ruía do céu como uma chuva de sangue e açoite.
Era tudo ou nada.
O medo mordeu-lhe a alma, mas foi devorado pelas trevas que carregava no peito. Um estrondo de energia ecoou pelos céus — um terremoto espiritual que sacudiu os pilares da capital em ruínas. Exorcistas e rebeldes pararam para olhar o horizonte. Ali, sobre o apocalipse, ele estava.
— Caralho…
Murmurou uma mulher de cabelos azuis tingidos, estilo punk, olhos delineados em preto profundo e um crucifixo de prata brilhando em meio à fumaça.
— Que merda é essa?
— Demônios… — respondeu o homem a seu lado, com um tom sarcástico. Era Dom Ramon, de pele parda, bigode fino e um olhar de trapaceiro nato, o tipo que venderia a própria alma — e depois daria um jeito de roubá-la de volta. Ele esticava o pescoço com desdém, observando o fim do mundo como quem vê um jogo de futebol.
— Elûm abandonou esse muquifo, só pode!
Era um dos grupos enviados para exterminar a resistência. Mas agora, até a maré dos seus planos começava a mudar… Irão zarpar ou enfrentar o iceberg de frente?
Até mesmo quem estava distante.
Gabriel e Elizabeth não disseram nada. Ambos sentiam o ar pesar, como chumbo em seus pulmões. O céu chorava fogo.
— A primeira trombeta… — murmurou o celeste. Seu olhar cortou o silêncio. — Elizabeth?
Ela apenas assentiu. Seus olhos deveriam estar marejados de terror… mas, diante do surgimento de um novo inimigo — um predador ainda maior —, ela se animava.
— É… parece que as coisas não serão fáceis…
Milhares… milhões de criaturas despencavam dos céus como meteoros, deixando rastros de trevas por onde passavam. Mesmo a centenas de quilômetros, sua presença podia ser sentida como um grito abafado dentro da alma. Aqueles sensíveis ao sobrenatural sentiam a mente e o coração apitarem em alerta.
— Vamos voltar!
— Vamos…
Até Yoruichi e o recém-despertado Magnus estavam paralisados. Olhos arregalados. O chão tremia sob seus pés.
E no centro do cataclismo… estava ele. Yamasaki, mãos nos bolsos, o vento batendo contra seu corpo, agitando sua camisa e os cabelos de Amai, ao seu lado.
— Olha essa merda…
— Então nossa teoria era real…
Deixou escapar. Ele a olhou de lado, suspirando.
— Nada… eh… esse mundo está em seus dias finais. Só pode! — tentou disfarçar.O tipo que fingiria calma mesmo com o apocalipse batendo à porta.
— Hm…
Mas ele não queria saber de nada agora — não diante daquela nova ameaça. Sua mão coçava, impaciente, querendo agitar o que dormia nas profundezas de si.
Ei, seu demônio depressivo…
Sussurrou para dentro, invocando o eco sombrio da própria alma.
Para de me encher…
Fala… O que está havendo? Sei que tu sabes.
Não sei! Talvez… seja meu irmão tentando dar um passo maior que as pernas. Só sinto demônios — príncipes, marqueses, condes… nenhum rei. Isso a bilhões de anos-luz daqui. Então… deve ser só mais um plano fracassado daquele bosta!
A raiva fervia em sua essência.
Mas bastou aquele instante de distração, aquela breve troca de palavras, para que tudo convergisse de uma só vez.
Ele ouviu uma voz nas profundezas do próprio ser…
— Yami?
O sacudiu, e no instante seguinte, precisaram desviar de um enxame de bestas.
Eram demônios sem pele, com músculos à mostra, dentes como cacos de ossos e olhos que ardiam em trevas. Seus corpos deixavam para trás um rastro de escuridão líquida a cada passo — como se o próprio chão chorasse por onde passavam.
Mas ela era rápida. E uma mestra da manipulação elemental.
Com um único deslizar, converteu energia em uma ofensiva infernal — um churrasco de carne queimada, uma explosão de chamas incandescentes que os arremessou para longe.
Eles urraram… mas não recuaram.
Mesmo em chamas, cravavam as garras no chão, ganhando impulso com a própria dor.
Parecem cães… só que nada fofos!
Pensou, enquanto batia os pés no chão — e o solo respondeu.
Pilares de terra irromperam, arremessando-os novamente para o alto como se fossem simples bonecos de pano.
— Tá sonhando acordado?!
Gritou, forçando-o a focar.
Ele bateu as costas contra os escombros, o som grotesco das bestas invadindo seus ouvidos — pareciam animais em agonia, distorcidos pela dor.
— Ehr… eu me distraí…
Sussurrou, enquanto seus olhos vasculhavam o caos ao redor.
Mas não havia tempo para parar, para analisar, para refletir…
Shirasaki surgiu com uma barra de ferro em mãos. Dois golpes certeiros — e uma cabeça rolou. Seu rosto se tingiu com o sangue roxo da criatura, e por um instante, tudo desacelerou… como se o tempo congelasse.
Se não fosse pela arma em sua cintura — e a rapidez no saque — não teria eliminado outras três. Os tiros ecoaram, certeiros, refletindo sua técnica inata até então oculta: a Metamorfose Espectral. A habilidade de transformar objetos comuns em entidades sobrenaturais, moldando suas características. Quanto mais complexa a transformação, maior o consumo de energia.
Tudo se desenrolava em câmera lenta, aos olhos do rapaz. Então, entendeu. A grandiosidade do que o cercava. Não sabia de nada, e sequer tentava especular… Mas, diante das palavras de Azaael, uma certeza se formou: ele sentiria aquela necessidade de se tornar parte de tudo aquilo. A adrenalina.
Que sensação era aquela?
Engoliu em seco.
Mas nem todos esperavam sua crescente agitação.
Acima dele, Matteo intercetou o ataque repentino de um demônio oculto entre os lacaios.
— Grr…
Rosnou, desaparecendo na multidão. Quando pousou, o ex-membro do Conselho suspirou, anulando um disparo de escuridão com um simples gesto — como se estivesse dissipando fumaça.
Como ele o fez, ninguém sabia. Mas foi como agarrar uma pequena estrela negra. Energia suficiente para apagar um setor inteiro de estrelas.
— Um ataque com potencial para nos aniquilar… Eles não estão brincando! — resmungou.
E outro, Mahmoud, ao lado de Yami, juntou-se a ele com o olhar afiado:
— Não. Parece que vieram para terminar o serviço.
O ataque não veio com aviso.
Foi de repente.
Como um piscar de olhos.
E o pior…
Não era o verdadeiro caos esperado.
Acreditavam que enfrentariam apenas os exorcistas — Mas o destino tinha pressa e não seguia planos.
Todos estavam ali. Quer dizer… quase todos.
— Tolos… isso é só… uma fração…
Azar o deles — o ataque não era focalizado. O mundo inteiro estava sofrendo, ainda que não soubessem.
— Então esses vermes… que são os exorcistas?
Murmurou a entidade, soberana por um instante. Mas sua supremacia duraria pouco.
Uma força de impulsão rompeu sua resistência no ar — era Sofie. Os lábios mordidos de raiva, olhos fixos, ansiosa para aniquilá-lo. Forçava sua pressão através da extensão, puxando-o com brutalidade…
E ele? Para não ser humilhado, convertia energia negra em densidade e massa, como se pudesse moldar a própria gravidade ao seu redor.
— Insolente…
— Desça aqui, maldito!
E então, Zuri, Karoline, Satoshi e Ethan também estavam lá, prontos para o auxílio. Surgiram através de uma nuvem de poeira — ao redor deles, corpos de várias bestas jaziam inertes, retorcidos e calados.
Foi o primeiro instante do caos.
A Primeira Trombeta havia soado.
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