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    Antes do estrondo.

    Antes de Luciel romper as barreiras entre os mundos e mergulhar as raízes da criação no caos.

    Ele havia descido silenciosamente até as profundezas do Lago do Principado — um lugar esquecido por homens e entidades, onde o tempo parecia estagnado e a luz jamais ousava tocar as profundezas. Tais águas eram tão negras quanto a alma de um condenado pelo próprio pecado.

    E, como um carrasco que conhece bem o destino de suas vítimas, estendeu a mão e arrancou seis caixões do fundo abissal.

    Selados por correntes forjadas nas Fronteiras do Início, onde o tempo não existe e os pactos são costurados com a essência do eterno. Correntes negras, espessas, pulsantes, como se ainda respirassem. Mas ao seu toque… desmancharam-se como poeira esquecida ao vento.

    E ali, diante dele, ergueram-se seus servos mais fiéis.

    Criaturas há muito apagadas dos registros do Éter, que ao provarem o sangue de uma virgem — ofertada como tributo — juraram fidelidade ao imperador dos demônios. Não por dominação, mas por amor. O amor torcido, fragmentado e faminto que nunca conseguiu depositar nos próprios filhos… e entregou a eles.

    — Minhas crias… — murmurou com voz doce e cruel, como um pai que retorna do exílio que fora selado com paixão.

    Nem mesmo Asmael, o regente do Tempo, sabia da existência desse segredo. Eles haviam sido ocultados até do olhar dos Imortais, e agora, como um convite à servidão, os convocará para uma dança.

    A Primeira Trombeta que soou.

    E essas foram as memórias guardadas pela criatura que chamara Amai para o duelo. Ela, uma entidade jovem e impulsiva, julgara estar diante de um ser celeste, confundida pela densidade absurda da energia que emanava.

    Mas havia algo que a distinguia dos demais.

    Seu olfato.

    Não era preciso como o de Azaael, o Caçador que sentia o pulsar de energia de qualquer um que habitasse aquele mundo, mas era singular. Diferente dos príncipes e princesas do reino imaterial, essa criatura sentia a energia como se a saboreasse.

    Reconheciam a magnitude contida sob uma casca, mesmo frágil como a humana.

    — Você é divina! — exclamou, maravilhada.

    A criatura que lhe falava era formosa de um modo antinatural. Três olhos — um em sua testa vertical, dois laterais. Chifres pequenos e curvados, lembrando-os de um camaleão-rinoceronte. Seus cabelos eram uma cascata viva de cinco cores, como um arco-íris distorcido. A pele escamosa, com textura de lagarto, reluzia em tons cambiantes. Cada olho, uma cor diferente: azul, verde e vermelho. Ela estava nua, orgulhosa, ereta, punhos cerrados.

    Suas garras tremiam, asas erguidas, a cauda oscilava lentamente com um silvo.

    — Eu? — a ruiva, estranhou o comentário, arqueando uma sobrancelha. Então, com um suspiro afiado, entoou um cântico antigo. De seu braço, sua espada se formou. — Obrigada… mas… não pense que isso vai me fazer pegar leve na hora de te eliminar!

    — Me eliminar? — riu, e o som ecoou como um sino quebrado.

    Estalou o pescoço, os músculos se alongando sob a pele grotesca.

    — Já ceifei milhares de exorcistas! Na minha época de ouro, garotinha, eu varria exorcistas do seu nível como se fossem poeira! Dia após dia, sem piedade!

    — Do meu nível? — Aquilo inflou o ego dela, acendendo o fogo de sua vaidade. — Tem certeza do que tá falando, piranha?

    — Piranha? — quase se engasgou de surpresa.

    — É… ou melhor, maluca! — Sua aura irrompeu como um furacão silencioso, engolindo o campo e sobrepondo a energia que já havia transbordado. — Tá vendo esse fluxo perfeito? Isso já devia te mostrar qual é o meu nível…

    Isso a fez encarar com uma curiosidade quase infantil.

    Ela… é uma celeste!

    Agora tinha certeza disso.

    Mesmo que suas palavras não fizessem sentido, o poder que emanava dela era puro demais para ser o de um mero exorcista… ou talvez fosse apenas a superfície de algo muito mais profundo e terrível escondido por trás daquela máscara ruiva.

    Medo.

    Anseio.

    Tudo veio de uma vez — um turbilhão de sensações que assaltaram a entidade.

    E ela avançou.

    Envolto em trevas, moldou um propulsor de energia sombria nos próprios pés que rompeu a física com o impulso. Sua velocidade excedeu o impossível — se tornou borrão, sombra, rastro.

    Mas quando a atingiu…

    Ela estava testando.

    Brincando.

    Sua mão interceptou a lâmina de propósito — o aço encontrou a carne corrompida. O impacto não gerou apenas choque, gerou aniquilação. A matéria ao redor foi reduzida a absolutamente nada. O espaço rangeu. E se não fosse por ele — o pai da exorcista — todos ali teriam sido apagados da existência.

    Um escudo surgiu no exato instante, uma bolha de éter cristalino envolvendo os antigos líderes, e até mesmo Yami, já a quilômetros dali, sentiu o abalo como uma segunda trombeta ecoando em seu peito.

    Mas lá estava ela.

    Com um sorriso de canto.

    — Potentiam extendo: fac anhelitus meos in locum quem fieri iubeo converti, uno eventu! — recitou. Antes, durante e depois do feito.

    E na mesma velocidade com que sua energia se expandiu, a realidade cedeu.

    Converteu o mundo.

    Criou um microcosmo — um universo contido, um plano alternativo encapsulado, moldado para conter o peso daquele embate. Não era uma expansão… era um redirecionamento. Um campo de guerra onde deuses poderiam sangrar sem que o mundo fosse destruído por tabela.

    Quer dizer…

    Estava se colocando em desvantagem.

    Deliberadamente.

    Ela sabia.

    Sabia que, se deixasse o confronto acontecer no plano real, não restaria muito dele quando decidisse cessar os algozes da besta.

    — Já viu um exorcista fazer isso? — provocou, saltando para trás com a graça de um ser alado.

    Sua espada dançou como um chicote cósmico, o aço sibilando como se cortasse o próprio tempo. Balançou. Vibrou. Buscou. E quando quase tocou a besta, ele arregalou os olhos — não de medo, mas de adoração.

    Como se contemplasse uma divindade.

    Era uma das poucas vítimas da habilidade inata mais temível de todas as eras.

    A capacidade de moldar a realidade ao bel prazer.

    Mas o que verdadeiramente aterrorizava não era o poder bruto — e sim a complexidade de seus feitos.

    Ela não apenas criava mundos.

    Ela os tecia com propósito, simetria, precisão.

    E os danos?

    Mínimos.

    Enquanto qualquer outro, ao tentar realizar tal proeza, teria perdido metade do cérebro ou queimado sua alma até virar cinzas, lidava com isso como quem dança — sentindo o cansaço, sim, o desgaste vital corroendo pelas bordas, mas ainda de pé, ainda consciente.

    — Então essa é sua imensidão? Não… ainda sinto que você pode ir mais além! — gritou, libertando mais asas, mais chifres, rasgando a própria forma em nome do poder. Sua aura explodiu em um brilho que lembrava o breu eterno do abismo — um brilho que engolia a luz ao invés de emiti-la.

    Esse era seu auge.

    — Libere tudo de si! — vociferou com fervor. — Eu também irei! Agora… minha vida será queimada a cada instante!

    E assim, um buraco negro colidiu com a estrela que originou toda a existência,

    no centro de um universo criado apenas para ruir em nome desse encontro.

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