Capítulo 307 - Arrogância
Enquanto a princesa do clã enfrentava sua própria batalha com elegância e ferocidade, Yami se entregava a um jogo perverso de arrogância e desprezo.
Seu sorriso de canto se ampliava a cada esquiva mínima, a cada passo dançado entre os golpes desesperados da entidade à sua frente. O ser, envolto em sombras e ódio, parecia frustrado – seus ataques passavam como vento diante da presença intocável do ex-exorcista.
— Você é tão lento. Tem certeza de que não é um macaco me jogando merda? — zombou, a voz cômoda, carregada de deboche e desdém.
O comentário ficou no ar como veneno. A entidade rugiu, mas hesitou. Por mais que tentasse, não conseguia sequer tocá-lo.
— Já chega de brincadeiras! Maldito pirralho!
Soou como um leve tilintar.
Apesar de suas cordas vocais causarem tremores – sim, apenas sua voz –, já era o suficiente para reduzir pequenos pedregulhos e folhas secas ao pó.
Mas a reação? Desprezo puro.
Enfiou a mão no bolso do sobretudo, sem pressa, como se estivesse escolhendo um doce.
— Uma única mão… só isso… — Fitando a entidade como se ela fosse irrelevante, um inseto barulhento.
E…
Num estalo seco, como dedos quebrando o silêncio do mundo, o céu se rasgou em chamas carmesim. Elas não caíram – elas se lançaram, como predadores famintos, urrando numa língua esquecida. Punição divina… ou talvez maldição infernal.
Qual a diferença, quando o inferno sorri?
Os olhos da besta se arregalaram, finalmente compreendendo. Era tarde demais.
A chuva ardente não perdoou. Árvores evaporaram como miragens, o solo virou pó cinzento – seco como um túmulo aberto.
Os espectros bestiais? Eles gritaram, sim. Mas só por um segundo. Depois, nada – nem mesmo memória.
O silêncio que se seguiu foi sepulcral. Fazia doer os ouvidos.
— C-como…? — balbuciou a entidade, sua forma se desmanchando, derretendo e se reconstruindo em ciclos. A pele não acompanhava. Os ossos chiavam. Era a luta desesperada de algo tentando não deixar de ser — O que… você fez…?
E ele ergueu o olhar para os céus com tranquilidade. Um sorriso travesso brotou em seus lábios, enquanto as nuvens negras se desfaziam – quase como se tivessem medo de continuar ali, em sua presença.
E então novamente surgiu — Aurora. Majestosa, flamejante, como uma fênix dos céus condenados, trazendo a luz da manhã à humanidade.
— Tenho uma fonte ilimitada de fogo ali em cima… — Quase encantado — E cacete… é fogo quase primordial!
Ele chegou a soluçar de prazer, como quem prova um vinho antigo, proibido – algo que ninguém deveria tocar.
— Dá até… tesão — confessou, ofegante. — É sério… você sente isso? Essa coisa viva… essa fome?
Puro sadismo, escorrendo de si como a chama da criação transbordava da taça do Altíssimo.
Sinto…
Não o respondeu diretamente.
Ele deu um passo à frente, e as cinzas se ergueram como véus de seu resplendor – ou talvez fúnebres. Era como se o próprio campo de batalha o reconhecesse como o dono daquele espetáculo.
A boca arfava levemente, mas não por cansaço… era excitação pura, febril. Um frenesi sombrio.
Sua roupa permanecia intacta, imaculada, desafiando a lógica diante do inferno que ele mesmo havia convocado. Um efeito quase irreal – não comum, não proteção espiritual.
Aquilo era aura – tão quente quanto o próprio ataque. Densa, viva, consciente. Uma manifestação brutal daquilo que escondia sob a pele. Não era apenas poder… era identidade, era abismo, era tudo o que se recusava a reprimir naquele instante de demência.
Há três intenções dentro de si…
A entidade percebeu o horror.
Uma delas quer meu fim, definitivamente… mas essa… essa quer me reduzir a menos que uma lembrança digna! Ele quer apagar a minha essência deste plano. Me recusar até o direito de ter existido!
Engoliu seco a realidade.
E, sem pestanejar, domou sua dádiva na ponta dos dedos. Era estranho… a forma como Vorago Imaginis se comportava – viva, pulsante, faminta.
Com um rosnado, o demônio ergueu os braços em forma de gancho, e suas garras rasgaram o ar como se fosse um véu de seda podre. Um fragmento da realidade – o espaço de um cenário devastado, com seus restos de concreto, árvores retorcidas e ecos de um mundo que já foi – estremeceu. Rachaduras translúcidas que serpentearam pela borda, tilintando como vidro prestes a se romper.
— Quero ver… — sussurrou, olhos em brasa.
A cena foi arrancada como uma pintura da moldura do universo – e devorada. Cada átomo, cada traço de tempo e espaço, sugado para dentro de si. Dentro daquela criatura, o caos rugia. Uma fornalha viva, girando, compactando o fragmento do mundo até que restasse apenas energia sombria, latente, desesperada por libertação.
— Sobreviva a isso!
E então, com um simples apontar de mão… liberou tudo.
O mundo tremeu. Bilhões de micro impactos rasgou o ar como agulhas. Cada um com o poder de apagar civilizações.
Mas…
Yami ergueu a mão. Sem estalo. Sem esforço.
As chamas ao seu redor curvaram-se – como cães fiéis à coleira de um deus.
Não houve ordem. Apenas intenção.
E, em um sussurro silencioso, o mundo respondeu com fogo.
Não com chamas comuns – mas fogo com temperatura de 10^(10¹⁰⁰) graus Celsius.
Um calor que ignorava as leis da física. Que não precisava de oxigênio, matéria ou permissão alguma para existir. Era absoluto. Um fim que dispensava lógica.
Suficiente para apagar a existência – tal como ele fazia –, mas diferente da outra.
Ela não apenas destruía.
Ela devorava.
Comia a realidade, célula por célula, conceito por conceito.
Não deixava anomalias corrigíveis pelo fluxo do espaço e do tempo.
Não deixava nada.
— MORTE!
M… MORTE!
MORTE…
MOR…
M…
De repente…
Nem mais “ser” havia.
As paredes das dimensões superiores tremularam.
O tecido do Multiverso se contraiu.
E até mesmo o conceito de morte —
o ato de deixar de existir —
foi incinerado.
— Que chato…
Com ambas as mãos nos bolsos, ele percebeu: o tempo não passava.
Ou melhor – não havia tempo.
Todos os conceitos, regras, estruturas… suspensos.
Pendurados num fio invisível de silêncio.
— Que merda… oh, demônio?
Demônio?
Mas não havia resposta. Não havia som.
Nem presença.
— Azaael… ?
Estava, por tempo indeterminado, preso num vazio entre mundos.
Uma anomalia.
Um espaço que não existia – e, ainda assim, acolhia tudo que não deveria existir.
Nem físico. Nem espiritual.
Apenas… estava.
Ou talvez, nem isso.
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