Capítulo 309 - Arte de mascarar
Caos absoluto. A explosão varria os céus em ondas de choque que desfazia a matéria ao toque.
O ar vibrava, denso como chumbo.
A realidade, trincada. Estilhaçada.
E diante desse cenário de fundo…
Mahmoud e Matteo, juntos, encaravam algo que não deveria existir, outro ser apocalíptico, de presença tão densa que o tempo parecia hesitar ao seu redor.
— Você que disparou aquela esfera negra? — perguntou Matteo, a voz rouca, os lábios suspirando cansaço — Porque se foi… cacete… mandar ela pelo ralo do vácuo do espaço foi exaustivo…
— Fui eu… — respondeu a entidade.
À sua frente, o ser possuía uma anatomia impossível de ser imaginada. Oito mãos de cada lado do tronco. Dois chifres curvavam-se para baixo à esquerda, como presas, enquanto dois outros se projetavam para cima do lado direito, como antenas infernais. No centro da testa, um único olho flamejante girava em espirais concêntricas.
Analisando cada sinal, cada pulsar de energia…
— …Então foi isso que senti… uma explosão de energia negativas, a anos-luz daqui…
Mãos à cintura, ergueu um sorriso enviesado, confiante demais para a situação.
Olhos semicerrados pareciam calcular mais do que apenas distância – planejava algo ou, talvez, tivesse percebido com uma clareza absoluta.
Não…
Ele revirou os olhos ao perceber o que estava prestes a acontecer.
E, então, como se antevisse o movimento antes mesmo de começar, o monstro desviou com um leve inclinar do corpo – tão natural quanto respirar.
— Emitto!!
Um feixe de luz passou rente à sua cabeça, zunindo em cada centímetro de seu crânio, rasgando o céu como um cometa – e evaporando tudo num raio de um quilômetro.
Quem fizera aquilo?
Mahmoud. Ele surgiu atrás, a mão ainda cintilando com o brilho branco que se desfazia lentamente.
O chão sob seus pés… já não existia mais.
— Grr… — rosnou, recuando quatro passos — Vão ficar conversando ou… vamos lutar?
— Lutar? — Matteo ergueu uma sobrancelha, surpreso — Você está querendo lutar mesmo?
Os dois se olhavam, medindo, ponderando como dançar essa dança mortal.
O demônio, calmamente, se lançou para cima, e duas de suas mãos convergiram, tomando a forma de asas.
Era visível que aquilo o incomodava mais do que qualquer ataque. A simples intenção de envolvê-lo em um embate mundano.
— Eu não vim por vocês… — disse com desdém — O poder de vocês é pífio. Fraco. Incompleto. O garoto… o garoto que sumiu. É ele que eu quero!
— Garoto que sumiu?
Matteo e Mahmoud trocaram olhares rápidos.
De repente… a lembrança tomou o mafioso italiano.
— É… enquanto enfrentávamos os lacaios, Yami estava duelando com outro… como ele.
— Como eu? — O demônio olhou para o lado, franzindo o cenho — Pode sentir minhas intenções?
— E você? — Sorriu de lado, afirmando com um leve inclinar de cabeça, o olhar desafiador rasgando a distância como uma lâmina — Consegue sentir as minhas?
Nesse instante…
Silêncio. Tenso. Quebrado apenas pelo som distorcido do vento apocalíptico cortando o ar, carregado de cheiro metálico e destruição.
— Eu…
E então sem esperar mais palavras… outro disparo. Um feixe de luz luminescente rasgou o vazio, o som cortante mais denso que o próprio ar. A explosão de energia não apenas atingiu – evaporou as duas asas demoníacas.
E novamente…
Lá estava Mahmoud. Parado no centro da cena devastada, os ombros tensos, o olhar marcado por frustração e impaciência. Sua expressão era uma máscara de puro incômodo.
— Cacete… — Quase um rosnado, como se estivesse tentando manter a calma à força — Vamos lutar ou não? Não tenho tempo para punheta de autor! Vamos partir para a luta? Por favor!
Seu tom era impaciente, quase impessoal, como se a ameaça de morte pairando no ar fosse apenas um pequeno incômodo diante do que realmente o incomodava: a perda de tempo.
E perder tempo… em meio a uma guerra… era um luxo que alguém como ele não podia se permitir.
Vidas dependiam dele.
E sobre vidas…
Há metros dali Nataly chorava, ajoelhada, os braços apertando com força o corpo inerte de Zuri.
— Que merda de vida injusta! — gritou, a sua voz era um lamento contra os céus.
Enquanto, Ethan tocava suavemente o seu ombro.
Quente, como sua aura. Quente, como a dor no peito. Seu coração lamentava em silêncio, enquanto, ali perto, Karoline e Satoshi observavam, atentos, calculando o próximo passo.
Estavam abalados – mas não como eles.
— As bestas estão chegando ao fim… — murmurou Satoshi, como se falasse mais para si do que para os outros.
— E isso significa que podem surgir mais desses… demônios originais… — completou a loira, a voz rouca, o olhar perdido no campo de batalha.
— Mais? Ehr… que medo…
— O objetivo é acabar com a gente, menina… — ele suspirou, pesado, como se cada palavra saísse arrastando os restos do que um dia foi esperança.
Ao redor, só devastação.
O cenário era um deserto em ruínas.
O céu, tingido de preto pelas cortinas de poeira.
E mesmo assim, o chão ainda tremia – novos estrondos, novas mortes.
Como se não tivesse fim.
— Isso aqui é um inferno… literalmente… — cuspiu a loira, olhos brilhando de raiva e exaustão — Não dá pra parar um segundo! Droga… até mesmo a Zuri caiu…
— Estamos sendo exterminados! — ele socou o chão com tanta força que o som cortou o silêncio.
A pequena quase pulou.
Não pelos estrondos ao longe.
Não pelos cadáveres que agora já faziam parte da paisagem.
Não por demônios – esses, ela já conhecia de perto demais.
Mas pelas crises dele.
Aquelas explosões silenciosas de dor crua, que escorriam pelos olhos mesmo quando os punhos estavam firmes.
E dele…
Saliva escorria dos lábios.
Os olhos… cravados em morte, sangue e caos.
— É tudo tão rápido… não dá nem tempo de se preparar…
Mas Sofie se ajoelhou diante dele, sem armas, sem defesas – só a verdade.
— É duro… eu sei…
A voz dela era suave, mas firme.
— Mas, Satoshi… não era pra ser fácil. Você entende isso, não entende?
Respirou fundo, os olhos ardendo.
— Entendo. Não quero, mas eu entendo.
— Então…
— Mas por que isso não fica fácil? — a voz dele tremia, baixa, engasgada — Nem por um segundo fica suportável…
Ela se levantou devagar, o olhar perdido em algo que nem o caos ao redor conseguia alcançar.
— Isso é o seu luto.
Silêncio.
— Você não vai parar de sentir isso… Nem em semanas, nem em meses.
Ela o encarou, com um peso nos olhos que só quem já desmoronou por dentro sabia carregar.
— Só aprende a fingir que não sente.

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