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    Masaru não perguntou.

    Não fez questão.

    Deixando para trás… Daniel.

    Que mal pôde perceber quando os dois saíram de seu campo de visão, engolidos por uma distorção na realidade que nem mesmo seu radar espiritual detectou.

    Avançou com um sorriso animado – quase orgulhoso.

    Os olhos cintilavam com uma confiança que beirava a arrogância, mas havia algo mais ali…

    Sério que um demônio ousava menosprezar o mais forte dos exorcistas?

    Ele não correu.

    Apenas caminhou… após quebrar a realidade como se fosse nada.

    — Sério? Seis mãos pra tentar se igualar? E… nem conseguir? — bradou, com um riso debochado, enquanto mantinha o olhar cravado na criatura.

    Nem pareceu, mas durante aquele único movimento, eles já haviam trocado dezenas de golpes. Cada impacto gerou ondas de distorção no ar, fazendo o espaço parecer líquido por um breve segundo.

    E, ainda assim, só um suava.

    A besta que recuou um passo – ou tropeçou, talvez. Vapor escapava de seu corpo em rajadas, como se estivesse superaquecendo por dentro. Seus seis braços tremiam levemente, não por medo, mas por esgotamento. Tinha liberado energia em demasia, tentando compensar a grotesca diferença de força física.

    — Gr… como você é tão forte!? Mal sinto sua aura…! — rosnou o demônio, cambaleando para trás, os olhos arregalados, tentando entender o impossível.

    Ele é…

    Imensamente poderoso…

    Mas não há pressão espiritual…

    Nem presença.

    Era como lutar contra o vácuo e perder.

    Então, sem aviso, um único soco atravessou sua defesa. Um movimento limpo, sem exagero, como quem apenas empurra uma porta. Mas a força… a força era como a de um cataclisma preso em um punho fechado.

    O impacto foi absoluto.

    Partiu o ser ao meio com tamanha brutalidade que parecia uma explosão de carne e trevas, uma rajada negra se expandindo como uma flor doentia no ar. Ossos estalaram como galhos. As camadas de maldição que compunham sua armadura espiritual foram desfeitas instantaneamente – como fumaça ao vento.

    E o silêncio que se seguiu foi mais aterrador que o golpe.

    O corpo caiu em duas metades, pulsando, se contorcendo…

    Só sobreviveu, ou melhor, se recompôs porque não era um só.

    Dentro dele, havia várias mentes, consciências interligadas, operando em paralelo. Uma assumia o controle enquanto a outra reconstruía a carne. Enquanto uma projetava defesa, a outra recuperava o núcleo abissal.

    Uma rede viva, um coletivo profano de inteligências.

    Todas agora focadas em uma só coisa, não morrer.

    — I-isso não é possível… — murmurou uma das vozes, enquanto os membros se regeneravam — Só com… força física…!?

    O sorriso se alargou.

    Era pura insanidade.

    Perversidade destilada no prazer do domínio absoluto.

    Não havia compaixão em seus olhos.

    Só o deleite macabro de quem havia se tornado o caçador supremo – e sabia disso.

    — Está sentindo agora?

    — N-não… — a entidade engoliu em seco. Tentou localizar algo. Qualquer rastro, qualquer ondulação espiritual, qualquer vibração no éter. Mas não estava lá.

    Nada.

    O vazio era absoluto.

    Silencioso. Anormal.

    Assustador não por ser hostil, mas por ser impossível.

    Então percebeu.

    O ar não era o mesmo.

    A densidade, a textura da realidade… diferente.

    Olhou ao redor e entendeu.

    Não havia firmamento. Nem vegetação. Nem som.

    Um mundo desértico, árido, feito de areia escura e solo morto, rachado como uma casca. O céu girava lentamente acima, em um tom púrpura profundo, atravessado por fendas cinzentas e luzes que pareciam feridas no tecido da existência.

    Um pesadelo lúcido.

    Ele não estava mais em Crea.

    Estava em uma das dezenas de ilhas que vagavam fora dos setores conhecidos.

    E pelo gosto seco no ar, pelo tom nauseante do vácuo… estava em um mundo que já presenciara caos demais.

    Um campo de batalha esquecido.

    Ou talvez… um cemitério de planos.

    — O… o que você fez? — murmurou a entidade, as vozes dentro de si tentando sincronizar o pânico.

    Masaru deu um giro lento no próprio eixo, braços abertos como se mostrasse o trono de seu domínio.

    — Acho que… minha pressão espiritual nos puxou até aqui — disse com um ar quase entediado, como quem comenta sobre o tempo — Quando ela escapa agora, coisas assim acontecem…

    — Isso… isso é ridículo! Nem sequer sinto sua presença! Não tem fluxo, não tem núcleo, não tem nada! Como pode ter me arrastado!?

    — Porque você está procurando no lugar errado.

    A entidade silenciou.

    — Minha energia… — continuou Masaru, com um olhar baixo, agora mais sério, quase sombrio — ela não se manifesta como as outras. Ela é. Ela rompe os limites que vocês usam pra medir as coisas. Tempo? Causalidade? Tudo isso é muito pequeno.

    Deu um passo à frente. O chão cedeu, sutil, como se o próprio mundo hesitasse em sustentá-lo.

    As mãos nos bolsos não contiveram o colapso que provocava — era como se o ar tremesse ao redor, distorcendo o real. Talvez seus tremores tenham sido sentidos até mesmo no Mundo de Eco… ou em 1969.

    Talvez até na própria camada real e física, por um breve instante. O impossível tocando o possível. O ficcional invadindo o real.

    — Algo além desse Multiverso!

    — A-além…? — a voz da entidade vacilou, como se pronunciar aquela palavra já fosse um sacrilégio.

    — É… — Os olhos frios como lâminas de gelo — Toda essa existência, por mais infinita que pareça, ela possui um limite. Uma borda, um fim. Um ponto onde o que pode ser compreendido acaba.

    — Está dizendo… que…

    — Que minha energia se estende além disso! — interrompeu, a voz carregada de algo entre fascínio e tormento — É como se tudo… — baixou o tom, quase num sussurro — colapsasse quando ela está ativa. A cada dia, ela cresce. Eu fico mais forte. Uma força imparável…

    Ele sorriu, mas seus olhos diziam outra coisa.

    — É… angustiante, não acha?

    O demônio tremeu.

    Era um tremor profundo, que vinha do âmago da sua existência.

    Pela primeira vez em eras incontáveis, sentiu medo.

    Medo do que não podia compreender.

    Do que nem sequer conseguia sentir.

    O vazio absoluto que engolia toda sua arrogância, toda sua malícia, toda a certeza de sua imortalidade.

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