Capítulo 313 - A morte? Ela é o primeiro ato
— Você se acha demais, não?
As palavras cortaram o vácuo como lâminas enferrujadas, mas Masaru, à frente, apenas inclinou a cabeça, entediado.
Sério?
Logo ele?
Qualquer um poderia se achar mais do que era…
Mas… não se achava. Ele era.
— Eu?
…Donum Abyssi, Rete Tenebrarum!
Veias negras começaram a se formar em suas costas, como se fossem pinturas sombrias tingidas na própria camada da realidade, pulsando como artérias envenenadas, rompendo as cordas do espaço.
— Quem mais seria?
Um sorriso cínico, quase crente de que tudo o que vira até então não passava de ilusão.
E, certo disso, suas trevas avançaram como serpentes, tentando envolvê-lo – mas bastou um tapa, quase preguiçoso, para que se dissipassem em partículas de nada.
Puro nada…
— Eu sou foda…
A surpresa foi menor – havia uma certeza silenciosa de que não venceria sob aquelas condições. Qualquer dádiva sequer conseguia tocá-lo…
— Isso te diverte? De verdade?
— Bastante… Na verdade, só estou aqui pela diversão, sabe… enquanto você me entreter, posso fingir que me importo com vidas… Em ser herói… e me divertir… — Riu, quase íntimo ao seu confidente mais privilegiado — É uma condição mental tão viciante! Como um vício que fede a moralidade.
E, do outro lado.
Um sorriso de canto surgiu em sua boca, lento e cínico revelando uma calma monstruosa que tornava tudo ainda mais perturbador.
O demônio se arrepiou.
— Você é uma merda completa… e… eu achei que nós éramos o pior desse mundo!
— Pior? — Ele inclinou o corpo, como se prestes a contar um segredo obsceno — Isso, vindo de um demônio, é hilário…
Tipo o diabo ouvindo lição de moral de um alcoólatra que se acha o mártir de Deus.
— Você… É só um bichinho assustado… empurrando a gaiola em que está direto pra lava, achando que vai se libertar. Todos vocês são assim. Tentam destruir pra parecerem grandes… mas, no fundo, só gritam por socorro.
Sua voz gotejava desprezo.
Seus olhos brilharam por um segundo, como duas luas negras refletindo um eclipse.
— Já eu? Hehe… eu quero prazer. Quero foder e gozar bastante do meu poder… porque só isso me impede de destruir esse mundo!
— Destruir? — rosnou, surpreso com a naturalidade da palavra.
— É… — Suspirou, como se falasse sobre o clima — Eu… nunca saberei o que é estar no meu auge. Sempre haverá mais… sempre estarei abaixo do que poderia ser. Então, se tudo colapsar… talvez seja só consequência da minha busca.
— Então sente… receio?
— Não… — inclinou a cabeça, os olhos fixos — Comodidade. Medo é para quem teme o fim. Eu? Já me sentei à mesa com ele e o servi vinho.
Grunhiu, instável, os olhos faiscando.
— Grr… você é difícil de entender, humano, mas…
De repente, quando iria lançar seu ataque definitivo, o celeste levou a mão aos lábios e cruzou os dedos. Um gesto simples, mas que vibrou pelo tecido da realidade como um sino fúnebre. O espaço rangeu, e a entidade que antes zombava dos próprios medos recuava por puro instinto.
— O-o que… o que está fazendo?
— Já fui tão longe, não acha?
— Ehr…
— Então por que… não observa o que está em meu íntimo?
— S-seu… — o demônio tentou articular algo, mas seus olhos arregalados já diziam tudo.
Ele teve instantes, fracionamentos de tempo, para perceber o que viria.
Mas era tarde.
— Donum Abyssi: Flagellum Nigrum! — Lançou as mãos para a esquerda. E do abismo, respondeu a matéria negra. Um chicote surgido das trevas cortou a realidade com um estalo que dilacerou o próprio tempo. Ele se estendeu além da borda do mundo observável, 279 bilhões de anos-luz em um segundo.
E, em meio segundo, retornou.
Para obliterar.
— Minha expansão de energia…
Ao seu redor, uma esfera protetora cintilou um casulo absoluto de luz, defesa impenetrável, capaz de deter o impacto de algo que viajava a onze bilhões de vezes a velocidade da luz.
Tão potente.
Trazia a gravidade do mundo multiplicado mil vezes, capaz de balançar as camadas fundamentais do plano físico.
E então o estalo foi assustador.
E ele?
Nem se preocupou.
Não se intimidava.
— Vou te mostrar em três atos… três de uma trama dramaticamente chata… e acho que você aguenta, demônio. Porque hoje, você é só plateia!
Sua voz fazia cada fragmento de luz vibrar.
E então…
A matéria ao redor congelou por microssegundos antes de ser rasgada.
— Te peguei! — escapou em tom de esperança.
Até então, já esperava que teria que lidar com um contra-ataque.
Mas não…
E Masaru, assim como sua defesa, foi coberto pelo chicote. Seria selado, convertido em pura energia, num ritual de retribuição.
Essa dádiva ativava um efeito duplo: se o adversário não fosse morto, seria aprisionado em um mundo de trevas, o mesmo que a morte.
Seu corpo seria o túmulo.
Seus feitos, os pregos.
Sua existência, o epitáfio.
— AGORA, ISSO TERMINA!
Urrou a besta, sua voz reverberando como trovão em colapso.
Seria o fim. Estava prestes a ser consumado. Se…
— Expande energiam: Theatrum Tragoediae et Mortis!
O chicote se desfez em poeira negra.
E então… ele surgiu.
O maestro. O protagonista.
O dono do palco do fim.
Num estalo, as cortinas se rasgaram com um rangido infernal, revelando sua figura em toda a glória sombria.
Atrás dele, a entidade um delírio vivo ergueu-se, transbordando bocas e olhos em espasmos, cada sorriso torcido refletindo o prazer frio do exorcista.
Mors.
— Bem-vindo… ao teatro dos moribundos!
A plateia invisível prendia o fôlego.
— Você, sim… você, é o novo ator contratado.
O palco está armado. Os refletores queimam.
E a peça?
— Está prestes a começar!
Lembra-se da última vez?
Pois bem…
Desta vez, você faz parte da tragédia.
E tudo… tudo se encerrará no terceiro e final ato!
— Que diabos…?
Deu um passo para trás. Outro. O chão parecia tremer sob seus pés.
— Calma… não recue.
A voz agora era um sussurro enlouquecido, alimentado de prazer.
— Agora você… pode me matar…
Abriu os braços como se abraçasse o próprio caos, de norte a sul, o corpo inteiro entregue ao momento. Inspirou profundamente, os olhos voltados para o teto como quem escutava os deuses rirem de seu destino, a tragédia.
— Logo… logo você vai entender. Essa vida… é muito mais bizarra do que sua mente limitada pode conceber, demônio.
Deu uma risada rouca.
— Você se acha sobrenatural? Patético.
Deu um passo adiante.
— Ainda não percebeu? está diante da ANOMALIA.
— Ahn!?
— Eu sou o erro que não deveria existir.
A voz oscilava entre sagrado e profano.
— E agora… estou me desvelando… Então
Não terminou. Não pôde.
A entidade, antes estática, movida pelo pavor, lançou uma explosão de trevas. A rajada atingiu-o com fúria, abrindo seu estômago.
— MALDITO! POR QUE NÃO CALA ESSA BOCA!?
Bradou, com ecos de mil vozes distorcidas.
Aliviou os ombros. Como quem finalmente se permite respirar.
Seus olhos, no entanto…
Sentiram algo estranho.
Calma.
Calma?
No meio da dor. No meio do horror.
Por que estava calmo?
Ele era abençoado e enganado pela dádiva da ignorância.
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