Capítulo 316 - O mais eficiente
— Foi divertido?
Ecoa em sua mente como um sussurro debochado que se arrasta pelas paredes da sua consciência.
O som reverbera como uma risada longínqua, distorcida. Yami se senta no chão frio, ofegante, suado, tentando controlar o coração disparado.
O corpo ainda sente os ecos do combate, mas o que realmente o assombra está diante dele: seu reflexo ou o que deveria ser.
Aquele outro… ele mesmo, mas diferente. Mais vívido, mais cruel.
— Não fode… você é só uma ilusão!
— Sou — responde o reflexo com um sorriso escancarado, a cabeça pendendo ligeiramente para o lado, como um animal curioso — Mas sou a verdade. Não se divertiu? — A voz vibra como um tambor — Não gostou de humilhar aquele demônio? Como foi domar as chamas de Aurora? Prazeroso? Viu o que pode fazer, cacete!?
— Foda-se!
— Quê?
— Você não vai me convencer. Merda! Eu… só preciso de remédios — Esfrega o rosto, as mãos tremendo — e você, cara desprezível, vai sumir…
O reflexo gargalha alto, o som seco ecoando nas paredes invisíveis daquele lugar – que a nenhum pertence.
— É isso que acredita? Que seu “outro você” vai sumir com comprimidos? Até quando vai reprimir sua natureza com eles? Hein? Seu covarde!
— Até… até eu não precisar mais! — quase grita, os olhos marejados e lábios mordidos — Eu devo ter feito tanta merda… e se eu voltar, você só vai ter me dado problemas! Como todas as outras vezes! Se não é Azaael, é você!
— É?
O reflexo já está à sua frente, agachado, olhos cravados nos dele como espelhos sujos, que mostram mais do que deveriam.
— Sabe por que te incomodo?
— Porque você é um saco!
— Porque eu sou você! — Ele ri mais uma vez, mas dessa vez há algo de pesar por trás da zombaria — Qual é, Yami… você sabe que eu sou a melhor saída. Há tantos problemas que você finge não ver, mas eles te corroem por dentro. Você já morreu faz tempo.
— Morri naquele dia…
Um silêncio gélido se instala. Ele baixa a cabeça. O reflexo o encara fixamente, mas não fala. Deixa o peso da lembrança cair.
— É? Então por que essa bosta que chama de coração ainda bate? Acha que matar aquele demônio vai mudar alguma coisa? Vai trazer alguém de volta? Você só está cavando sua própria cova. Tá se destruindo… como sempre fez.
— Eu sei! Não pense que não sei! — A voz quebrada, o peito arfando — O tempo não me fez bem… só me fez amargo. Eu queria ser alguma coisa… mas agora… só quero sumir… e fazer alguma coisa valer a pena.
Respira fundo. Talvez tenha finalmente acordado – mas não no caminho certo. Apenas com a sensação sufocante de que escolheu o errado.
— Faz sentido? Não… mas… foda-se!
O reflexo não responde.
Apenas o encara, com algo que parece uma sombra de empatia ou de orgulho.
— É tão fácil assim dizer “foda-se” para o que não pode mudar? — ele se escora, exausto — Abraçando a escuridão, você vai acabar metendo fogo em tudo. Talvez esqueça… talvez até tenha uma vida depois. Tudo pode acontecer. Só que, se fugir das coisas… vai ser só mais um conto de vingança derrotado.
— Você tá certo… e errado. Eu sei que você só quer me ver ceder a esse instinto selvagem… mas… — junta os dedos, pensativo — tem coisas das quais a gente precisa fugir. Esquecer. E você… você é uma delas.
E então, um estalo.
Um instante mergulhado no esquecimento.
O mesmo que Amai precisou dar para desfazer o microcosmos que havia aberto.
Os céus estavam abertos.
As chamas do impuro trouxeram um dia que, há dias, estava selado.
Um sorriso se formou.
Os ombros, enfim, relaxaram.
Seus cabelos vermelhos voaram com a sutileza da brisa.
— Que dia… belo…
Sua voz era suave. Quase um sussurro de paz.
Quem diria que eu… diria essa palavra, nessa trama.
E… de repente, tudo foi interrompido por um disco de trevas que, se não fosse pelo pulo rápido da garota, teria a partido ao meio. O disco sumiu assim que rasgou os destroços, explodindo logo em seguida.
Quando olhou na direção de onde veio o ataque, viu Matteo e Mahmoud enfrentando o demônio.
Um complementava os golpes do outro, enquanto o jovem disparava ataques de luz. Os portais espaciais, a técnica inata do ex-líder, forçavam o demônio a lutar contra seus reflexos com atenção.
Eles não são fortes…
Pensou, freando um golpe de luz com a mão. Foi o suficiente para fazê-lo explodir em feixes que exorcizaram várias bestas que vinham a seu auxílio.
— Mas vou precisar adiantar isso aqui! Parece que a inútil da Lamiel não conseguiu lidar com a menina! Grr!
Então…
Seus oito braços se moveram: dois ficaram à frente do peito, e seis atrás. Era o preparo para a liberação de algo terrível.
Sua aura já se manifestava, como um manto vivo de breu flamejante.
— Donum Abyssi…
Arfou.
— Gradus III: Cavea Ferrea, Crimen Atrox!
Quando disse isso, ao redor de um raio de trezentos metros, uma gaiola negra totalmente fechada se formou. E da espessura das paredes, espinhos começaram a surgir.
— Damnatio Aeterna!
E de repente, trilhões desses projéteis pontiagudos foram disparados contra os três que estavam dentro.
Eles perceberam cada movimento. Afinal, eram a elite dos exorcistas, e não iam acabar assim.
Amai se defendeu com um escudo de energia luminescente.
— Quantos mais? Que saco… — bufou, claramente incomodada.
Aquele momento de paz parecia precioso demais para ser interrompido.
Enquanto, os outros dois também se salvaram – um salvando o outro.
Um manto dourado os envolvia, balançando suavemente assim que a defesa terminava. Era como se o toque dos espinhos fosse anulado enquanto estivessem protegidos por ele.
E quem era o dono dessa técnica?
Mahmoud.
— Expande energiam: Coniuratio quinque spirituum protectorium!
Finalmente, ele expandia sua energia. Mas, assim como Yelena, sua técnica não abria espaços ou domínios, era uma transformação. No lugar de seu manto escuro, surgia uma capa dourada, braceletes de ouro, cordões, e, às suas costas, os cinco espíritos que o protegiam até ali.
— Convido vocês para a batalha… Clavifer, Iudex, Legatus, Fulmen e Auctor! Me ajudem a exterminar esse demônio!
A feição do ex-exorcista não era nada feliz: séria, centrada.
Isso fez a besta se agitar, desfazendo sua pose, como se enxergasse algo além do tempo presente.
— Eu subestimei vocês… confesso! Isso… é interessante! — disse, babando de anseio.
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