Capítulo 317 - Mimesim Elementalem
— Isso é um jogo para você?! — Arthur vociferou, o peito em chamas, como brasas vivas do meteorito que conjurou.
E num piscar de olhos, já estava ali – frente a frente com o inimigo outra vez.
Não houve tempo para o demônio pensar.
Os golpes vieram como terremotos – não meros tremores, mas cataclismos. Cada soco ressoava como marés de um desastre.
E o estrondo não nascia dos punhos do vilão… mas do herói.
— Divertido? — cuspiu, as palavras envenenadas de desprazer mas, não de infelicidade — Isso não é diversão. Isso é guerra!
E então, escapou.
Num impulso bruto e instintivo, suas asas rasgaram o ar.
Foi necessário. Foi instinto.
Não há possibilidade de diálogo aqui!
Suas trevas vibravam como circuitos em curto, uma eletricidade negra e viva, crepitando em seus pulsos, serpenteando por seus braços como relâmpagos.
A cada golpe recebido, tinha certeza: Seu adversário era uma aberração da natureza.
E o mais assustador?
Não usava técnicas.
Não clamava por poderes oculto.
Apenas o pacto básico – como se isso bastasse.
E bastava.
Porque doía.
Era como lutar contra uma força primordial disfarçada de homem, uma entidade que, por algum capricho cósmico, o odiava.
Tá! Não era só capricho.
Dada a situação, eram duas peças lutando, por movimentos alheios às suas próprias existências.
Um fio de suor escorreu por sua têmpora. Os punhos ainda vibravam do impacto. E seus olhos não desgrudavam da ameaça à frente – um furacão adormecido, prestes a acordar por completo.
Odeio enfrentar esse tipo de adversário…
E então, sentiu.
Sua causa brilhou dentro de si. Não como lembrança, mas como força. O propósito que o movera até ali ardeu mais forte que o medo.
E como um eco antigo, a força primordial respondeu.
A terra se ergueu.
O vento o sustentou.
A luz, mesmo fraca, se curvou ao redor daquele ser das trevas.
O demônio, né?
A natureza estava com ele.
Com o pai da inveja.
E ele aguentava.
Aguentava… e muito.
Nenhum demônio até então, por mais lendário, antigo ou amaldiçoado, se comparava.
Outro teria sido reduzido a pó estelar.
Não… aquilo à sua frente não era apenas um príncipe do inferno.
Era um dos sete reis.
Um dos pilares do abismo.
Uma lembrança enterrada na própria realidade, quando o mal humano foi encarnado e nomeado.
Mas antes que pudesse reagir ao próprio pensamento, a besta de cabelos dourados se moveu – e o chão reagiu por ele.
Mate-o! Mate-o!
A voz dentro de si não era uma ordem. Era um motor.
Não apenas moveu seus pensamentos. Moveu seu corpo.
A areia sob seus pés explodiu. Se ergueu num redemoinho e tomou forma de um domo, como aço forjado no fogo da aurora.
Uma prisão elementar.
Nascida não da estratégia, mas do instinto de sobrevivência da entidade.
Sério…?
Pensou, subestimando demais o desafio à sua frente.
E começou a golpear sem dó, sem piedade.
Mas a areia era esperta.
Distribuía os danos, absorvia parte da força, e reforçava o interior.
Ou seja: estava se aprisionando no próprio poder.
Mas então…
Espera…
Sussurrou, olhos arregalados. O gosto metálico da lembrança invadiu sua boca.
Um jogo?
As palavras ricochetearam dentro de si como ecos. Não só do outro, mas de algum lugar esquecido. Um ponto cego na própria alma.
E então, sem controle, aquele sorriso brotou.
O mesmo.
Torto. Amargo. Quebrado.
Como um espelho rachado de si.
Eu já ouvi isso…
Foi quando aconteceu.
A explosão que rompeu o domo não foi apenas um estouro.
Foi uma rasgadura no tecido da realidade.
O chão estremeceu.
O ar queimou, como se o próprio oxigênio tivesse sido traído.
A luz se distorceu, não por medo, mas como se fugisse do que se aproximava.
E então, ele emergiu.
Não apenas ele. Mas a mais ousada das técnicas inatas.
— Extensio Energiae: Mimesim Elementalem Attiva! — bradou, a voz ressoando com o peso de séculos ocultos.
Fazia três anos que não a usava.
O domo não resistiu.
Nem tentou.
Não foi destruído, foi consumido.
Por uma força que desprezava limites. Que recusava fronteiras.
Uma técnica proibida.
Capaz de absorver. Manipular.
Converter o mundo ao redor em arma.
Os elementos do cenário foram tragados para dentro dele. Reorganizados. Remodelados.
E em instantes… convertidos num ataque.
Deu para ouvir a natureza gritar.
Não era um projétil.
Nem uma rajada.
Era uma sentença.
Rápida demais. Brutal demais. Inevitável.
E os olhos de quem conjurou aquilo…
Não eram apenas aterrorizantes.
Eram familiares.
O corpo de Leviel enrijeceu.
Os músculos vibraram, tensos entre o impulso de atacar e o pavor de reconhecer.
Era impossível.
Inaceitável.
E ainda assim… real.
— Você não pode me segurar! — rugiu o jovem, rasgando o ar como lâminas de aço.
Não era apenas o poder.
Era a lembrança viva.
Um som que parecia vir do passado.
Ou de dentro dele.
Como se aquele grito já tivesse sido seu, em outra era. Ou em outro erro.
A atmosfera tremeu.
Não pela força.
Mas pelo choque entre dois eus.
Dois nós.
Dois reflexos partidos da mesma origem, dançando em lados opostos do espelho.
E tudo terminou num clarão.
Um brilho absoluto – que não iluminava, mas cegava.
A realidade se dobrou por um instante.
E a atmosfera respondeu.
Um estalo.
Um baque surdo.
Um silêncio quebrado pela vida resistindo.
A antítese não estava em modificar o que havia ao redor, mas em fazer uso daquilo que já estava à disposição.
Essa era a diferença entre os dois.
Na essência.
Leviel ainda estava de pé.
Protegido.
Pela própria natureza.
Instinto puro.
Ou talvez… algo mais profundo que o instinto.
Salvo por um reflexo que nem sabia possuir.
O ar ao redor se condensou, freando o impacto como um escudo invisível. A atmosfera recusando-se a deixá-lo morrer.
— Você tem sorte…
Ofegante, os pulmões queimando, os pés afundando na areia, ele ergueu o olhar.
E lá estava.
Imóvel, mas pronto.
Como um relógio prestes a explodir.
Tinha forma. Mas não limite.
Tinha rosto. Mas não humano.
E então, os olhos.
Eram dolorosamente íntimos.
— Esses olhos… — a frase escapou como confissão — Será que um dia… eu já os tive?
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