Capítulo 323 - A árvore
Faltam duas sombras.
No topo dos céus, elas se revelam.
Onde as cordas negras — que um dia ataram os destinos — enfim se desfizeram em poeira… e em silêncio.
Não o silêncio do fim, mas do início.
Do derradeiro ato.
Sob uma árvore que não pertence a nenhum mundo, cujas raízes mergulham no limbo, e galhos rasgam o firmamento.
Foi semeada com o sangue de três desastres…
E nasceu ali, no Instante.
No instante em que sete demônios foram selados… E a eternidade, por um breve momento, estremeceu.
Três feridas que jamais cicatrizaram.
Quando os egos se ergueram como deuses, e colidiram com a soberba dos justos, os inocentes — em meio ao choque — tombaram sem saber por quê.
Crianças.
Idosos.
Vítimas da Síndrome da Escuridão.
Silenciados em meio a dor e sofrimento.
Caíram como folhas de outono indefesas a ventania.
Quando a fúria tomou os corações,
e irmãos da luz, em armaduras reluzentes, cegaram-se uns aos outros com a lâmina da vaidade, banharam-se no sangue de sua própria fé.
Os iluminados, iluminando com o massacre.
Paladinos da aurora, traídos por sua pressa. Tentaram agarrar a imensidão — mas não podiam sustentá-la.
Suas mãos, frágeis de fé, esfarelaram diante do peso do impossível.
E quando o mal, em sua fome, devorou o próprio… oferecendo aos abismos os seus semelhantes, em sacrifício.
Vieram as chamas.
Um incêndio de promessas quebradas, de pactos feitos com lágrimas e cuspidos com ódio.
O fogo lambeu o mundo.
E o que era vasto tornou-se cinza.
O que restava de Aija… e que, em breve, seria a única coisa a restar de tudo.
E então, das trovoadas, sete impactos. Relâmpagos que não pediram permissão ao céu, colidiram luz contra trevas com a violência do fim dos tempos.
O firmamento estalou. Os pilares do mundo tremeram. E até os anjos fecharam os olhos.
Mesmo que tudo aquilo fosse parte de uma mentira, de uma manipulação tão antiga quanto o pecado, o estrondo foi real.
E a dor… também.
E foi ali, na cratera entre tudo e nada,
que nasceu o talo.
Frágil aos olhos mas eterno para seus punhos.
Broto negro como a noite que conheceu Elum.
Ergueu-se do solo maldito, no exato instante em que duas almas. Duas entidades cansadas de existir. Libertaram, num encanto amaldiçoado,
tudo o que carregavam dentro de si:
A energia negra que um dia pertenceu a seus aliados derrotados.
Fragmentos de lamentos.
Resíduos de pactos.
A herança do fracasso e da devoção.
E o mundo, por um breve momento,
segurou o fôlego.
Como se soubesse… que nada voltaria a ser como antes.
As trevas se tornaram sementes.
E o talo, esperança ou maldição.
Ninguém do plano material soube dizer.
Só se ouviu o silêncio.
E tal sensação de sufoco, chegou até às entranhas do mundo imaterial.
Ainda no fundo do Abismo, onde nem a luz primordial ousava lembrar que um dia existiu, o Imperador dos Demônios estava recostado contra as paredes do Nada.
Seus olhos, duas fendas rubras cravadas na penumbra, estavam fixos em Asmael. Que tremia de desejo, ódio.
Ele queria matá-lo. Ali mesmo. Rasgar sua garganta com as próprias garras e ouvir o estalo do osso cedendo.
Mas… não. Não ali.
Aquilo seria tolice.
Não com o Alum ainda dentro dele.
Não quando nem mesmo sabia a real extensão do ser que o habitava.
Apostar sem garantias era burrice — e a luxúria podia ser muitas coisas, menos burro.
— Então… — Quase um rosnado — você sacrificou seu exército pessoal para fazer a árvore brotar?
— Fiz — respondeu, sem hesitar, como se aquilo fosse um simples favor a um velho amigo.
Vidas… não importavam para ele.
Mas aquelas peças, era a garantia de que nunca mais dependeria daqueles que tanto o traíram.
— Por quê? EU orquestrei tudo! TUDO!
— Tudo?
Luciel se afastou da parede com um estalo seco dos calcanhares contra a pedra.
O vazio desgarrava-se de suas costas
como um bebê arrancado de sua mãe.
— Fala de como mandou Leviel pra enfrentar aquele maldito humano?
Ele sabia.
Mas… até que ponto sabia de fato?
— Não… Não senhor…
— Então acha que seria melhor enviar príncipes? Princesas? Ao invés de um bando de peões?!
— Mas eram fortes… tão quanto eles! — rebateu, mas havia incerteza na sua voz.
A verdade, era que desarmar seu irmão era um de seus anseios para o xeque mate.
— Não — Sussurrou, carregado de desprezo — Não eram.
Sinceramente, eu nem esperava que matassem alguém. Mas, veja só… saímos no lucro. Não?
Um sorriso dúbio surgiu em seus lábios. Ele se aproximou dele, em seus olhos prazer perverso.
— Uma celeste caiu. Com essa… são duas. E com o loiro… o garoto dos cabelos dourados… três!
— Dois possíveis… uma em si! — corrigiu Asmael com frieza — Ainda há risco. Ainda podemos perder essa guerra. Por causa dessa… mancha… dessa aberração que Alum deixou pra trás. Era pedir demais que fosse exato?
Luciel estreitou os olhos. A escuridão em torno dele se torceu como uma serpente.
— Não, Asmael. Não é assim que funciona. Com concessões. Com caos. É nesse desequilíbrio que reside a centelha que procuramos. Quanto mais acasos… mais próximos do fim. Do verdadeiro fim. Você sabe disso. Essa é nossa última tentativa!
— Será mesmo?
Não respondeu de imediato. Ele apenas o fitou, como quem encara um espelho que mente.
Então, lentamente, assentiu.
— Você sabe… Eu não preciso dizer o que você já tem em mente. Agora, chega de papos fúteis.
A aura negra ao seu redor pulsava como um segundo coração, pífia batendo em falência. Quando falou de novo, o ar pareceu congelar.
— Logo Bezeel estará neste mundo. Leviel vencerá o garoto, como você previu…
— Disse?
Hesitou. O silêncio pesou mais do que qualquer resposta.
— Não? Pois… deveria.
— Entendi…
Uma pausa.
— Enfim… reúna Mael. E nós três… acabaremos com esse maldito!
— Mas… como? Você queimou energia demais nesse plano…
Mas o astuto arqueou um sorriso de lado, com os olhos semicerrados, como um lobo prestes a saltar.
— Eu não sou burro, Asmael. Dois dos meus Nove ainda vivem. Eles… servirão de alimento. E com isso… este corpo terá força o bastante para aniquilar aquela praga.
Ele deu um passo adiante.
— Agora… me leve ao meu palácio.
Asmael baixou a cabeça.
Fora derrotado de todas as formas possíveis.
Mas não era hora de se agitar e nem de lamentar.
A guerra ainda estava ali.
Viva.
À espera de ser vencida.
— Sim… senhor…
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