Capítulo 327 - Violentando a natureza
— Você está divagando?
Derrapando nas areias, a aura de Arthur queimava, fragmentando o chão em pequenos cristais que se espalhavam como estrelas caídas, refletindo o céu caótico que deixavam para trás.
Cada faísca de energia se erguia, tremulando, como se a própria realidade estivesse se partindo em cacos.
E estava… eram duas forças opostas colidindo.
Enquanto um era ungido pela própria mãe natureza o outro, em contrapartida, corrompia cada fio dessa mesma natureza, dobrando-a a seu bel prazer.
Violentando-a sem permissão alguma.
— Já pensou em suas últimas palavras?
— Eu? Ah… não… — O demônio se sentou, do nada, cruzando uma perna sobre a outra, como se descansasse num jardim, embora o vento rasgasse sua pele e a areia fervente queimasse seus calcanhares. Seu olhar, tão resiliente, parecia que nada poderia quebrar aquela paz — Você nem percebeu uma coisa… está tão cego…
— O quê? — Olhando ao redor, não percebia nenhuma mudança. Tudo estava cinza, como sempre. O ar fedia a morte. O vento, se é que se podia chamar aquilo de vento, trazia consigo o som áspero de um deserto sem fim e esperança, um chiado que mastigava os ouvidos sem dizer nada.
Algo que… soava normal.
Nada além daquelas terras áridas. Nada além de uma bruma suja que impedia até o céu de se mostrar por completo. Tudo que estava distante fora engolido, ofuscado por um manto imperturbável de escuridão… Um véu que não tremulava, não respirava, não deixava qualquer esperança escapar.
Ele engoliu em seco, os olhos ardendo por tentar ver o que não podia.
— Tenta olhar ao redor…
O som da risada irritou até o último fio de cabelo.
— Sério… se concentre!
Seus punhos cerrados não cessaram. Cada músculo tremia, latejando sob a pele como cordas prestes a arrebentar.
A energia vazava sem freio, faíscas que estalavam no ar e riscavam fendas na areia
E então, no clarão, o demônio viu.
Ela… nela, nele.
Uma silhueta sobreposta, como um reflexo distorcido em um espelho — fragmentos de algo que não devia estar ali, mas que nunca o abandonara.
Garota… vocês humanos são engraçados mesmo!
Pensou, deixando escapar um sorriso torto, quase rindo alto. Mas a risada morreu na garganta.
Foi um instante em que a mente do loiro se estilhaçou como vidro. Um estrondo nada silencioso… ecoou por dentro, como se cada lembrança, cada certeza, fosse arremessada contra as paredes da própria consciência.
A aura tremeu. O riso cessou, engolido por uma nova fissura de realidade.
— Neve… — Quase sem voz.
— Não há neve… — O sorriso breve se formando nos lábios rachados, mas o amargor escorria por entre os dentes — Só deserto. Não chegou a evaporar, na verdade… tudo perdeu sua vida assim que as raízes da árvore começaram a brotar! — Enterrou a mão na areia, afundando os dedos até sentir a aspereza cortando a pele. Quando ergueu a mão, os grãos escorriam por entre seus dedos — É… detestável… Ele não percebe que este mundo nunca será como quer… Nossas ações influenciam tudo, e todos!
Por um instante, as palavras flutuaram no ar. Um feixe de lucidez, uma flecha cravada entre as costelas do Homem. Era verdade. Mesmo ali, onde nada deveria viver, uma lembrança se agarrava teimosa às fendas do deserto.
As palavras o agarraram, rasgaram o seu orgulho, tocaram algo que estava soterrado sob camadas de ódio, de fome, de domínio.
Mas…
Ele era cabeça dura.
Ergueu o olhar — arrogante. Suas pupilas pulsavam como brasas prestes a explodir, incendiando cada migalha de dúvida.
— Não importa! — Cuspiu — Já cansei de pensar nesse mundo. Por enquanto… é só por mim. Só por mim!
Cada palavra era uma martelada. Uma tentativa desesperada de enterrar qualquer réstia de dúvida que insistisse em brotar.
Mas o outro… o outro apenas soltou um riso baixo, carregado de algo que doía mais que mil golpes.
— Você não entende, né?
Era tão irônico sentir pena de quem estava prestes a morrer ou de quem estava prestes a o matar… mas era inevitável.
Como o golpe.
O golpe do loiro.
Seu punho avançou, firme, impiedoso, freando a milímetros de seu peito. Só aquilo — a intenção pura de terminar com aquilo que o fazia sofrer — rasgou o ar ao redor, comprimindo cada partícula até o chão rachar sob seus pés. A pressão explodiu em círculos de poeira, um véu de tempestade que rodopiou em volta dos dois, desenhando espirais de areia suspensa.
— O que eu não entendo? Droga!
— Isso aqui… — bateu no próprio peito, os nós dos dedos estalando de tão firme… a cada inspiração o ar ao redor se tornava sólido, comprimido até ficar tão resistente quanto diamante.
Era como se a própria atmosfera se enroscasse ao redor dele, o protegendo ou prendendo-o ali, com seu juramento de fidelidade.
— Não é… um jogo, rapaz — A voz saiu carregada — Eu e você não somos oponentes… — os olhos brilharam num tom febril, entre ódio e lamento — somos peças… boas peças!
Mas não era encenação.
Não era teatro.
Era uma luta… uma de verdade.
— Extensio Energiae: Mimesim Elementalem Attiva! — O loiro berrou, cuspindo cada sílaba como brasas.
A barreira de contenção em torno do demônio se deformou num estalo, as linhas de energia tremularam, rasgando o ar até se desfazerem num mar de chamas. O fogo não era apenas calor era também voracidade. Brasas, como olhos famintos, saltaram do chão, retorcendo-se em labaredas serpenteantes que buscavam devorar tudo.
A entidade respondeu, cruzando os braços num arco defensivo, a aura abissal se ergueu num clarão que resistia à maré incendiária.
— Cabeça dura… — murmurou, com um sopro de ironia preso na garganta. O sorriso torto rasgou o rosto queimado, mesmo enquanto a pele ardia sob a explosão de chamas que se contorciam ao redor, devorando ar, poeira e coragem.
Seus lábios se apertaram, contorcendo-se como quem guarda uma blasfêmia. Era uma prece profana engolida pela garganta… algo que nunca deveria ser dito em voz alta.
Mas não havia mais volta.
Linhas negras se espalharam, se cruzando num padrão impossível, como raízes fossilizadas que puxavam tudo para um núcleo de ausência. O ar ficou grosso, pesado, um silêncio viscoso engoliu o som das chamas por um instante.
— Apotheosis, destructio elementaris! — Da garganta dele explodiu.
No mesmo segundo, as linhas cuspiram fagulhas de luz esbranquiçada, quase translúcidas.
Quatro esferas surgiram, orbitando seu corpo como luas em sua órbita, condensações vivas dos elementos.
Fogo, pedra, vento, maré — mas não em sua forma pura. E de suas costas, rasgaram-se asas…
— Tô vendo que não vou te fazer amadurecer com palavras… — Fechou os olhos e rapidamente os abriu — …então, que eu te bata até entender!
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