Capítulo 332 - O ceifeiro
Diante de seus olhos…
O mundo dissolveu-se em névoa.
Como se a realidade, ofendida, cedesse lugar a algo mais profundo…
As portas do cemitério foram abertas. Não era apenas uma técnica. Era um convite à morte.
Um vasto campo coberto por grama de tom verde musgo se estendia sob o céu ausente.
Lápides sem nomes. Sem datas.
Todas esquecidas.
Como se ninguém jamais houvesse chorado por quem ali jazia.
Árvores secas, de galhos retorcidos, pendiam como braços que desistiram de alcançar o céu.
Corvos de olhos rubros empoleiravam-se nelas, em silêncio, observando — julges sem rosto.
E em sua mão…
a foice.
Falx.
A manifestação do seu domínio.
Seu feitiço o declarava como o ceifador supremo dentro daquele campo limiar entre a vida e o nunca.
Então, deu um passo.
E à sua frente, a garota de cabelos curtos.
— Já passou da hora… — murmurou.
Um golpe seco.
Rápido demais para o arrependimento.
A lâmina atravessou o ar e colheu.
A cabeça dela rolou para trás, pousando entre o orvalho e a poeira.
O sangue espirrou, manchando-lhe o rosto pálido.
Ele lambeu a bochecha, o olhar vidrado — sádico.
— Isso será… divertido.
Mas a diversão durou pouco.
Uma bola de fogo cortou o cemitério, explodindo a poucos metros.
O suficiente para fazê-lo escapar — não pela razão, mas pelo medo irracional de ser enterrado ali.
Chamas lamberam o chão, consumindo a grama funerária.
— Desgraçado! — gritou o rapaz de cabelos cacheados, os olhos em brasas.
Sua dor tinha outro nome… negligência.
Dor pela perda. Pela incapacidade.
Dor que virou ódio.
E foi… o verdadeiro motivo de sua morte.
— Combustus! — vociferou.
Não bastava uma palavra para romper as regras daquele espaço.
E então, antes que pudesse entender, as chamas surgiram dentro de si.
Ceifaram-lhe a vida junto com o sofrimento indescritível de ser consumido por brasas infernais, de dentro para fora… como se seu próprio corpo tivesse traído sua existência.
Um grito.
Apenas um.
E então… nada mais.
Mortem suam machinando.
Planejando a própria morte.
O feitiço restritivo de sua técnica inata era claro como epitáfio: Cada morte causada ali por ele era uma chance a menos de escapar com vida fora daquele domínio.
A condição era simples. Cruel, porém justa. A morte que infligia ali retornaria para ele no mundo real, sob a mesma forma.
Já não escaparia de um possível incêndio.
As chamas que consumiram o outro, já haviam marcado sua sentença.
Mas bastava uma palavra.
Uma única palavra.
E o adversário à sua frente estaria condenado.
Porque naquele campo — entre lápides esquecidas e corvos testemunhas — ele era a boca da morte.
Mas para tramar até a própria morte, é necessário um primeiro passo, não?
Assustando a todos, o ceifeiro analisou, ainda restavam seis exorcistas.
E ele… já carregava duas mortes.
Mas… nem todos estavam desesperados.
Olhos se encontraram no meio da névoa e das lápides.
A garota de cabelos tingidos, agora manchados pelo suor do terror e o jovem antes inocente se entreolharam.
Havia algo diferente neles: decisão. A de frear o caos antes que ele os engula.
— Extensio Energiae… — disseram, em uníssono.
Suas vozes vibraram, reverberando entre as lápides.
— Confirmatio Coloris: Impetus!
A dele saiu mais firme.
Mas a dela… foi mais profunda.
— Manifestatio Draconis, Transformatio Externa!
De repente, sua aura se moldou, torcendo-se, alargando-se.
Asas surgiram às costas.
Uma cauda serpenteava em curvas.
E do centro de sua coluna, um pescoço longo se erguia, mantendo sua cabeça a metros de distância, uma extensão dracônica, feita de pura energia e cor alaranjada.
Era uma semi-transfiguração de sua técnica inata: A incorporação do dragão.
— Saco! — grunhiu, defendendo o avanço num reflexo. O som do impacto reverberou por sua foice, o golpe da oponente rompeu o ar como se partisse o próprio tecido do espaço.
— Grr… — a mão tremeu.
A dor que percorreu seu braço era o bastante para fazê-lo desmaiar…
Só não caiu porque era um exorcista de mesma grandeza.
Um monstro enfrentando dois monstros.
— Você aguentou um soco mais massivo que um buraco negro! — rosnou a garota, recuando apenas para surgir atrás dele, a cauda cortando o ar como um chicote.
O atingiu com força, lançando-o contra o chão e criando uma cratera.
— Mas não é invencível! — completou, os olhos em brasas, os traços distorcidos por fúria.
— Não? — ele estava prestes a responder, um deboche quase à flor da língua… Mas então sentiu.
Uma presença.
A ameaça antes do ataque.
Desviou por um triz.
Uma rajada vermelha explodiu onde estivera, evaporando metade do campo de batalha… grama, lápides e ar em um só golpe.
— São dois contra um! — anunciou o rapaz, surgindo da cortina de poeira.
Vestia a cor vermelha, e dela extraía o choque, a raiva, o impacto.
Sua técnica inata moldava emoções em cores, e usava os tons como condutores para ataques destrutivos.
— E tecnicamente… estamos bem próximos agora — um sorriso curvou-lhe os lábios — O que vai fazer, ceifador?
Com a morte à sua volta… mas a própria batendo à sua porta?
O quê?
Ele riu.
Não em voz alta, mas por dentro, como um animal faminto prestes a devorar a presa.
Passou o dorso da mão pelos lábios partidos, limpando o sangue que escorria…
…e saboreou.
Seu próprio sangue.
Tão quente, tão familiar…
— Vocês dois me deram de bandeja… a própria morte! — A voz rouca e satisfeita. Ofegava. O ataque da garota havia quebrado todos os seus ossos, mas não sua vontade.
— Confractio! — sussurrou.
E então, aconteceu.
Não houve explosão.
Apenas um som interno, como vidro sendo triturado dentro de um corpo.
Da garota, ecoou o som de seus próprios passos se quebrando.
Como se cada célula, cada costela, cada parte de seu corpo desmoronasse num balé.
Foi esmagada, triturada por dentro, como se tivesse sido jogada viva dentro de um liquidificador.
Seus órgãos internos viraram pó, até que tudo o que restasse fosse um bolo disforme de carne e ossos desfeitos.
— O… que…? — balbuciou o outro, em choque.
Seus olhos arregalados se fixaram naquela massa irreconhecível.
Era como se tivesse perdido a pessoa mais importante de sua vida…
Ou talvez, só agora tivesse percebido que ela era.
Ele mal respirava.
— O que foi? — o ceifador zombou, o sorriso abrindo uma cicatriz em seu rosto ensanguentado — Você não estava nem aí para os outros… por acaso, eu matei alguém que você… amava? É isso?
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