Capítulo 334 - Dona morte
— Ehr… pirralha… você acha mesmo que está sob controle? — Não admitiu estar em apuros. Os olhos varreram o espaço em volta, onde a ameaça parecia se multiplicar em cada reflexo, ignorando o fato de que ali havia dezenas de maneiras possíveis de morrer.
— E não estou? — retrucou, firme, mas com o coração martelando embaixo da pele. Os dedos dela se crispavam como garras — Me diga, o que pode fazer? — Seus olhos percorreram os rostos dos outros, que a observavam entre o medo e o alívio de alguém ousar enfrentar aquilo.
Talvez, pensou, se sentissem mais seguros só de vê-la o desafiar.
— Você já expandiu! — sua voz soou como um aviso, porém embebida de ironia — Não pode usar extensão dentro do domínio… além do mais, seus efeitos não se aplicam a alguém que não pode ver! — um sorriso torto atravessou seu rosto — Sou um Deus Ex Machina para você!
— Então acha que se baseia só nisso? — Quase um sussurro, mas tinha algo de desesperado, um tremor escondido.
— E o que mais pode fazer? — Perdeu a paciência, deixando a diplomacia de lado — Distortio! Ut imago tua te ipsum feriat!
Ativou sua técnica expansiva — a arte profana de distorcer e projetar a própria distorção no mundo real.
Os espelhos vibraram, suas imagens se retorceram, dissolvendo-se em manchas de luz e sombra. Não havia mais contornos, apenas reflexos que se estilhaçam em formas
irreconhecíveis, como rostos derretendo num pesadelo.
Como escapar?
O pensamento veio como um grito silencioso. Fechou os olhos, tentando fugir do labirinto de reflexos que o esmagava.
Talvez se eu desativar e ativar a expansão…
Um lampejo de esperança…
Não, não! O gasto seria alto demais. Com todos esses inimigos ainda vivos, só garantiria uma coisa… minha morte, lenta, sob uma das maldições!
Seguido da rejeição imediata.
Ele sabia o preço de invocar tal feitiço: era capaz de ceifar vidas inteiras, mas a cada uso sua própria face se afastava ainda mais da longevidade.
E se eu forçar meu feitiço divino…
A ideia se acendeu como uma faísca, mas mal teve tempo de tomar forma.
Sua perna se retorceu de repente, dobrando-se num ângulo impossível, como se puxada para dentro de um funil invisível.
O som dos ossos se partindo ecoou seco, e o mundo girou numa onda de dor nauseante. Sangue jorrou, escorrendo quente pela pele. Os músculos se contorceram, quebrando-se como vidro sob pressão.
Um gemido escapou, rouco, embora mordesse a língua para não deixar a agonia dominá-lo.
A dor não o desviou do pensamento. Não podia. Não agora.
— Oh… não matou, né? — a voz dela vibrou, tão animada que se tornava um insulto — O que eu quebrei de você, hein?
O entusiasmo era cruel, uma chama que crescia, suficiente para dar medo até mesmo em quem já havia visto o inferno de perto.
Era como ele, divididos por uma linha tênue: a moral.
Essa mesma moral que insistia em dar nomes aos bois.
— Oi? — os lábios quase cuspiram as palavras, embebidos de prazer — Você… ainda tá vivo?
Infelizmente…
Ela pode distorcer meu corpo como num espelho, mas…
O raciocínio surgiu.
Ela não pode ver exatamente o que está afetando.
Um sorriso ferido curvou seus lábios.
Puta burra…
Cruzando os dedos, inspirou fundo, o ar entrando nos pulmões.
O suspiro não era rendição, mas um pacto silencioso consigo mesmo: a promessa de que ainda havia um truque escondido sob a sombra da dor.
— Incantatio Divina: Angelus Mortis!
A invocação veio rasgando o ar, acompanhada pelo estalo grotesco de seu braço sendo retorcido até nunca mais poder ser usado.
O som seco de ossos quebrando se misturou a uma risada e a um grito de dor que ecoou como ferro raspando em pedra.
A cada estalar de seus lábios, um espelho se acendia no vazio.
E em cada um deles, o feitiço era refletido, multiplicado.
Assim ela agia sem palavras e quase nenhum rastro do que fazia.
— Oh… que azar — Escorreu como veneno — Parece que sua cabeça vai demorar para entender o que aconteceu! Me fala, como é a sensação?
O sarcasmo se partiu no meio quando, de repente, uma lâmina brilhou à beira de sua visão. Instinto — mais do que razão — a fez se lançar para o lado, o coração batendo como um tambor de guerra.
— Ehr…
Era a própria Morte.
Seu vulto emergia, envolto em uma capa preta que parecia engolir a luz, a foice curvada descendo em arco, cravando-se contra a muralha invisível do domínio.
O impacto retumbou, como se duas forças iguais tivessem colidido, enchendo o ar com um tilintar que lembrava mil sinos rachados.
Então ele usou… a técnica máxima?
Ela se adiantou.
Não era a mais rápida, não diante dele.
Mas era o suficiente para sobreviver.
Seu olhar acompanhou, assombrado, a lâmina da foice rasgar o solo e reduzir a cinzas a árvore que ali existia segundos antes.
— Você é um saco, sabia? — arfou, o suor frio escorrendo pela têmpora.
Mas logo o sarcasmo morreu na boca.
O ser de capa preta ergueu o olhar. De seu corpo, como rachaduras em vidro, surgiam fendas que se abriam no tecido da realidade.
E delas jorravam chamas — não vermelhas, mas azuis.
E delas seriam disparadas como lanças de fogo, chamas que não ardiam como as comuns, mas devoravam a própria essência.
Parte de seu feitiço final — o Combustio Mortuorum. Um dos cinco horrores que a morte ousava domar em seu nome.
E, em menos de dois minutos, teria de usá-lo para extinguir todos os que respiravam dentro daquele domínio.
— Já ouvi… antes… — o sussurro arranhou sua garganta, mais um rosnado do que uma fala — A dona Morte que controla a chama dos mortos… Grr… que assustadora!
O deboche soou como um frágil disfarce diante do inevitável.
E assim que a última palavra escorregou de seus lábios, as chamas avançaram. Não marcharam — caíram, vorazes, como um enxame ardentes.
O mundo tremeu.
O solo se abriu em sulcos negros.
O ar foi engolido, sufocado.
E tudo o que estava ali… foi varrido.
Transformado em nada além de cinzas, suspensas no vento, como um epitáfio silencioso da existência.
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