Capítulo 338 - Napoleão
— Ah… — a respiração dela vacilou, os olhos se estreitando, e antes que sua mão alcançasse Seiji, o velho deteve o golpe com a serenidade de quem já domara cem tempestades.
Apenas um gesto de mão, singelo, mas carregado de uma autoridade intransponível.
— Ehr…
Seu corpo estava coberto de energia espiritual, como um véu luminoso que se condensava em torno da pele, cintilando em cada fio da barba.
— Mais de cem anos de idade… e você realmente acha que eu cairia em um truque tão pueril?
Então baixou a mão, e no mesmo instante, uma explosão de luz incandescente atravessou o ar, dilacerando o teto do palácio e rasgando os céus acima, estourando como fogos de artifício celestes.
Era apenas uma de suas inúmeras formas de atacar sem jamais poder ser prevista.
Cada golpe que desferia assumia uma forma distinta, quebrando qualquer padrão, confundindo o olhar e a mente.
Essa, em especial, manifestou-se como um pilar , erguendo-se em meio às ruínas dos corpos. E do núcleo, inúmeros feixes de vidro foram disparados em todas as direções, tão velozes que não havia tempo para reação consciente, para quem observasse, não passavam de um único clarão, uma estrela rasgando a escuridão.
— Você já presenciou um feitiço com tal magnitude?
Ela se lançou para trás, ofegante, sangue escorrendo pelo canto dos lábios, mas um sorriso enviesado brilhava em sua boca.
— Me acertar só com luz… que idiota! Se nem mesmo uma técnica inata me derrubou…
— Luz atravessa qualquer brecha! — rebateu, o dedo ainda irradiando energia, o clarão acompanhando os fios prateados da barba, que se contorciam em um desenho circular, quase como um mandala — Depender apenas da sua inata só te torna limitada. Quer saber por que eu sou respeitado?
— Por que é um velho brocha! — cuspiu, abrindo a mão. No ato, milhões de fragmentos de vidro tilintaram em uníssono, disparando em sua direção como uma chuva de navalhas transparentes.
Mas ele apenas expandiu o círculo, e este explodiu num estrondo devastador, repelindo cada estilhaço.
Uma onda se ergueu e se espalhou como um trovão, sacudindo o palácio, reverberando pelas muralhas, quase transbordando para além dos limites da cidade.
— Porque eu nunca me apoiei na minha inata! — o sino rompendo madrugadas — Desde o primeiro contato com minha essência… eu sempre estive no limite!
As paredes tremiam com a reverberação, como se todo o palácio fosse apenas um títere preso a cordas invisíveis que vibravam no ar.
Som que não vinha apenas dos golpes trocados, mas de algo mais profundo, uma frequência que se infiltrava nos ossos e fazia o coração oscilar em descompasso.
Pelo Éter.
Um decreto, uma ordem inscrita nos fundamentos do mundo. Não era apenas um simples homem falando, mas um apóstolo, um arauto, e regente dos preceitos do Criador.
Munido pela essência daquilo que ele mesmo cultivou, erguia diante dela a noção absoluta.
Totum.
Um líder religioso como tantos outros… mas em sua própria concepção, já se via maior que o próprio Elum. Um reflexo de orgulho travestido em devoção, uma imagem de si erguida acima do trono que dizia servir.
— Sempre? — rosnou, agarrando algo atrás das costas. Os estilhaços que antes voavam desordenados agora se reuniam, domados como feras presas a rédeas. Duas correntes, dois chicotes translúcidos formaram-se em suas mãos — Você só está blefando! Histórias de um velho não me farão tremer!
Ela o chicoteou, e no instante do impacto pareceu que os próprios mundos balançaram.
Era algo impossível de traduzir, um estrondo que feria não os ouvidos, mas a alma. Um eco que poderia enlouquecer, como se o vazio entre os astros tivesse se partido em dois.
Se não fosse pela resistência absurda da energia que o envolvia, teria sido reduzido a pó, apagado como cinza soprada pelo vento.
O palácio, incapaz de suportar tamanha colisão, cedeu em convulsões. Colunas ruiu em cascata, abóbadas se despedaçaram em fragmentos, e as paredes sucumbiram uma a uma, como se reverenciassem o colapso inevitável.
As ruínas desabaram em peso, sepultando os corpos, queimados pela constante exposição. Cinzas misturaram-se ao sangue seco, e o ar tornou-se um mar de poeira sufocante, carregado pelo cheiro de sangue.
— Blefe? — Riu, o quimono rasgado, a pele marcada, os músculos dilacerados em cortes superficiais, mas sua postura permanecia ereta, inquebrantável, quase sobre-humana — Você não compreenderia nem se eu desenhasse.
— Hã?
— Você é forte, eu admito. Mas tanto o meu filho quanto o outro… eles ainda são jovens. E lidar com algo opressor como um despertar celeste os abateria sem aviso. Mas eu… — caminhou pelos destroços, cada passo ecoando pesado, enquanto sua mão manipulava o calor residual na ponta dos dedos, transformando os restos, outrora do próprio feitiço em chamas, tão claras que quase se tornavam alaranjadas — …eu já vi de tudo! Exorcistas corrompidos pelo próprio selo… celestes ainda no berço, incapazes de controlar o firmamento… monstros que usavam corpos humanos como disfarce.
Ele ergueu a mão, e as chamas dançaram no ar, como se fossem lembranças materializadas.
— E é por isso que você não me assusta. Mas eu… te assusto?
Ela não respondeu de imediato.
Apenas cruzou os dedos, tentando se convencer de que ainda mantinha o controle. Mas o sorriso que abriu era nervoso, torto, denunciando a ansiedade que crescia no fundo do peito.
Um tremor involuntário percorreu suas entranhas, como se a própria essência rejeitasse o que estava diante dela.
— N-não pode expandir…
— Como sabe?
— Você já está em um estado de expansão… mas… — os olhos dela se arregalaram — …como seu corpo não entende a própria natureza, está colapsando! É como manipular a realidade sem conhecer o limite… é… trágico!
Ela abriu as mãos e, de repente, uma fênix incandescente emergiu de si. Não era apenas fogo: era uma ave composta de calor absoluto, chamas que cantavam, devorando o cenário inteiro. Cada micro pedaço de vidro que ainda existia foi derretido em segundos, incinerado até não restar sequer memória… até mesmo os olhos dela já não conseguiam imaginar nada além do clarão alaranjado que dominava tudo.
O solo se transformou em um mar de lava, borbulhante, pulsante, reduzindo quase todo o palácio destruído a um oceano ígneo.
O calor era tão extremo que o ar ondulava como véu.
Ela foi obrigada a se erguer, flutuando acima da destruição, com o coração disparado… não havia mais nada sólido sob seus pés, apenas um abismo de magma.
— Como… como você manipula os elementos dessa forma?!
Ele ergueu os olhos, a aura brilhando como se fosse reflexo de uma estrela.
— A pergunta é… como vocês não?
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