Capítulo 34.1 - Carta ao destino
No elevador.
O cansaço lhe pesou nos ombros como correntes invisíveis. Cada fibra de seu corpo gritava por repouso, mas ele sabia que o descanso era um luxo que já não lhe pertencia.
Se recostou ao metal frio da parede. O contato gelado percorreu sua espinha como uma lembrança amarga. Quis apoio. Achou desconforto. Mais uma ironia no meio do nada.
Lágrimas escorreram, silenciosas, como chuva num vidro trincado. Não soluçou, não estremeceu — já tinha chorado demais por dentro para dar escândalo por fora.
O elevador rangeu e parou no décimo andar.
Teve que suspirar, engolindo a própria dor. Dois jovens entraram, risonhos, alheios ao peso do mundo.
Um ruivo de olhos vibrantes e uma garota de cabelos castanhos, presos por uma fita colorida.
— A Mestre é formidável… viu como ela exterminou aquele demônio com um estalo de dedos? — dizia, empolgada, como quem fala de uma lenda viva. Os olhos dela brilhavam com admiração infantil.
Como se tivesse visto uma estrela cadente, e acreditasse em milagres de novo.
— Casca grossa, né? Ehr… acho que não existe exorcista mais frio que ela… — respondeu o ruivo, tentando soar mais maduro, mas com aquele encanto mal disfarçado de quem também queria ser notado por ela.
A conversa ecoou nos ouvidos do homem como um hino distante. Quase sagrado.
E aquilo… aquilo partiu algo dentro dele.
Aquele homem impuro.
Sujo de prazeres.
De dinheiro, ganância, inveja.
Dos acordos obscuros, das promessas quebradas e das mentiras que disse olhando nos olhos.
Ali, entre os chiados do elevador e a juventude esperançosa, ele teve um instante de luz. Breve. Efêmero. Mas real. Como uma vela no escuro.
Quando os dois saíram, um andar abaixo, o ar pareceu mais leve. Como se a presença deles tivesse deixado algo — ou levado embora um pouco da podridão que o envolvia.
Última geração? Pensou, encarando o próprio reflexo distorcido na porta metálica. Eu espero que não…
Então, levou as mãos ao bolso.
Ali, entre o maço de cigarros e uma nota velha de mil ienes, procurou algo que não sabia nomear.
Não era redenção. Nem perdão. Talvez apenas um sinal de que ainda havia algo em si que não apodreceu por completo.
Não quero ser exemplo pra ninguém…
Foi sua carta ao tempo e ao destino — sem remetente, sem destinatário, escrita com o silêncio de quem já gritou demais por dentro.
Mas se julgava sujo demais para buscar redenção.
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