Capítulo 342 - Feias verdades
Uma explosão, rasgando o horizonte e abrindo fissuras no próprio vazio.
O som ecoava como mil bombas nucleares sobrepostos, e a pressão que dela emanava fazia o ar se contorcer.
Era a liberação máxima que podiam alcançar. Um estado limítrofe, onde forças se entrechocavam sem piedade; duas ações incisivas colidindo… aquele que se vestia e empunhava a metamorfose da matéria contra aquele que ousava escutá-la e erguê-la em defesa.
A areia trepidava, dançando em ondas que pareciam escapar do chão, enquanto o calor, esmagador, tornava-se impossível de mensurar.
Já não havia vestígios de gelo naquele continente; o antigo frio dera lugar a uma era de fogo, e o mar avançava sobre os litorais, engolindo terras outrora firmes.
— Tá quente só para mim… ou você também sente?
— Não fale mais… — respondeu, firme, avançando um passo à frente.
O movimento simples, carregado de energia, foi o bastante para partir o solo, e ainda assim foi desviado com a leveza de quem brincava com a própria destruição.
— Opps! — um giro para o lado, um salto em direção ao céu, a silhueta riscando o firmamento — Esse golpe… esmagaria uma estrela com facilidade!
— Não quero esmagar nada além da sua fuça, seu miserável!
— Tente! — cansou-se, pousando com o peso de quem sabia que não podia vacilar, mas também não era ingênuo o bastante para permitir que seus instintos se rendessem.
O corpo mantinha a guarda ereta, os olhos em foco, cada músculo pronto para reagir ao menor desvio de ar.
Ele grita tanto… um bramido que não cessava, é como se a própria garganta quisesse rasgar o mundo junto!
E nesse ruído ensurdecedor, uma ideia venenosa se infiltrava…
Posso fazê-lo explodir de dentro para fora… posso rasgar-lhe as entranhas com a pressão que pulsa no ar, despedaçá-lo sem que sequer perceba quando tudo começou…
O chão ainda vibrava como se tivesse vida, resistindo graças a sua presença demoníaca.
A natureza o atendia sem hesitar: o ar se condensava em torno de seu corpo, pesado e cortante como lâminas, enquanto a areia se erguia em espirais, dançando como serpentes douradas.
Louvando a seu senhor.
Cada grão parecia animado por vontade própria, formando muralhas que se interpunham contra os golpes desordenados do loiro, desviando sua fúria em estalos e explosões de calor.
Era como se o mundo, em sua essência mais íntima, tivesse escolhido um dos lados.
— Que saco!
— O que te irrita tanto? — o demônio ergueu os braços, mas não em ameaça.
As mãos penderam para trás, abertas, como se entregasse o corpo inteiro ao mundo.
O ar ao redor se afunilava, denso, comprimindo a atmosfera em redemoinhos que giravam como colunas.
A pressão era sufocante, uma muralha de vento que fazia cada respiração pesar toneladas.
— Não deixe o ódio te cegar, rapaz! — sua voz ecoou firme, não como reprimenda, enquanto a própria natureza parecia curvar-se à sua presença.
Espalhando fragmentos de escuridão pelo vazio que os cercava, o rapaz os absorvia sem sequer notar. Cada estilhaço negro dissolvia-se em sua pele, infiltrando-se em sua essência, alimentando-lhe a fúria e o cansaço.
Não havia consciência no gesto, apenas a inevitabilidade de quem respira o próprio veneno sem perceber que já está envenenado.
— Ele já me cegou!
Uma verdade disse…
Teu punho avançou e gerou Impactos que não apenas alteravam o estado do vento, mas o transfiguravam em torrentes de fogo e em enxurradas violentas de água.
O ar queimava e se partia, transformando a paisagem num cenário ainda mais caótico.
— No momento, é a sua morte que me interessa!
— Eu sei…
Enfim freou, o olhar faiscando quando jogou a mão para baixo.
Do gesto, uma imensidão de água irrompeu como um dilúvio, engolindo o exorcista no instante em que ele ousava avançar a apenas dois passos de distância.
A pressão do líquido era brutal, como se um mar inteiro tivesse despencado sobre ele.
— …Mas eu não morrerei para alguém em plena desordem!
Num giro brusco, arremessou o braço para a direita, e chamas se ergueram como muralhas, envolvendo seu corpo em uma fortaleza incandescente.
O calor crepitava, devorando o ar e deformando o espaço ao redor.
Há contos antigos que sussurram sobre a besta invejosa, dizem que, com suas dádivas, era capaz de acender novas estrelas no firmamento, traçar rios cósmicos que cruzavam a imensidão e, com um simples gesto, reverter os atos da própria natureza.
A ela também atribuíam o poder de anular os erros dos homens, como se pudesse reescrever o destino e devolver o mundo ao estado anterior à queda.
Tiamyrr…
— Você não precisa atacar sem coordenação! — a voz cortou através da fumaça, quase didática.
— Cale a boca!
Mais feroz que o fogo, raiva e recusa, como se cada palavra fosse também um golpe que dava ao destino que destruiu seus sonhos.
Teu grito rasgou as águas, vastas o bastante para afogar um rio inteiro, junto a um vórtice de vento que findou os céus como um feixe veloz, rápido o suficiente para rivalizar com a própria luz.
Quando tocou o braço do demônio, o impacto fez tremer o vácuo do espaço, vibrando como um espelho prestes a se despedaçar.
— Está gritando como um ani…. Animal?
Pousava a sua frente.
— E a outra forma de gritar?
Ao redor, a água se ergueu em véus de vapor, dissolvendo-se em nuvens quentes que toldavam o ar.
Sua voz já soava cansada, e parte da matéria condensava-se na palma da mão, oscilando em lapsos de escuridão e luz.
— O que você fez?
Escapou em meio a uma tontura que lhe nublava a visão.
— Boca aberta entra mosca, garoto… — o demônio zombou, mas o sorriso logo se estilhaçou em um ranger de dentes — Você… perdeu… sinto muito!
Não parecia comemorar a vitória. Havia dureza, não júbilo, em sua expressão.
— Caramba…
A técnica se dissolveu entre os dedos.
Forçado a segurar, manteve-se a centímetros de bater a face contra o chão, os dedos tremendo, sustentando-lhe o corpo à beira do colapso.
Sinto o ar faltar.
Foi tempo suficiente para que cruzasse os dedos, babando; trevas e vento o tentavam partir, através da influência do demônio sob sua pele, como quem desvenda a carne de dentro para fora.
— Garoto…
Fechou os olhos e deu-lhe as costas.
Ele falhou.
Um arrepio sentiu após o pensamento.
Será que eu deveria ter tentado mais?
Mas…
Quando enfim cerrou os punhos, veio o golpe: um ataque às cegas que parecia um disparo.
E deu um último passo, afastado pela onda de impacto capaz de explodir corpos só com o ar que empurrava.
— Uff… uff… — suspirou, ofegante — Acha que eu vou morrer assim, seu peixe desgraçado?
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