Índice de Capítulo

    — Ei, pirralho… — ergueu a mão, e em um rompante, a hipocrisia tomou forma em sua boca — Et nunc, Donum completum est: Incarnatio Transformationis.

    Foi o fundamento, o alicerce de sua dádiva. Não mais um mero usuário, tampouco um messias da natureza, mas a própria encarnação do estado que a define: a Transformação.

    Liberado ironicamente através de uma Transformação, já não era apenas um corpo.

    Suas raízes fincavam-se não só neste plano material, mas além, enredando-se no invisível, no que precede e sucede a própria existência.

    Transcendia os estados que antes o acorrentavam ao mundo, diluindo as fronteiras entre o que é matéria, conceito e destino.

    — Espero que você supere isso…

    Soava arrogante.

    Mas, acaso não seria inevitável?

    A arrogância pode acometer somente aquele que ousa transcender o próprio estado.

    Pois quem toca o que está além já não fala como homem, mas como aquilo que o mundo não sabe nomear.

    Deixou de ser distinto daquilo que invocava.

    Em seu braço direito ardiam chamas, enquanto o esquerdo brandia os ventos.

    Mudar é queimar. É levar consigo o que já não serve…

    E em suas costas, como um reflexo do desequilíbrio tornado essência, asas líquidas de água se agitavam, e de sua cabeça brotavam chifres de pedra.

    A água o fazia mover-se.

    E sua coroa, aguardava o momento de revelar o peso que carregava

    Sua carne cintilava em escamas que se confundiam com luz.

    Um nascido da treva, batizado no éter.

    — Então… vai elevar o nível?

    Ele enfim se ergueu.

    O cenário, pouco a pouco, moldava-se à essência do demônio.

    A matéria, em convulsão, desfazia-se em prótons, fragmentando-se até deixar de existir como mundo.

    Tudo se desconectava apenas para tornar-se um com ele.

    — Eu…

    Suas asas renasciam das costas como lagos cósmicos.

    No instante em que erguia a voz, a própria natureza se moldava a cada batida, espelhos refletindo os Setores dispersos pelo vácuo.

    Cada movimento reverberava em constelações, como se o tecido do universo fosse arrastado em seu fluxo.

    Mas nada, nada era mais ameaçador do que o fio de luz que atravessava seu peito, uma incisão radiante que o separava do humano e o ascendia à condição de entidade cósmica.

    — Eu… nunca pensei em abandonar meu antigo eu… para… — sua voz não ecoou no espaço, mas nas próprias camadas da existência, reverberando até abalar dimensões.

    O impacto foi tão vasto que forçou Aeum a intervir, manifestando sua influência no espaço-tempo para que nada colapsasse — …Me tornar isto.

    Percebendo tudo com outros olhos. Se perdia vendo outros mundos refletindo em seus inúmeras olhos contidos em um. Podendo perceber toda a movimentação, seja ela passada, presente ou futura que ocorre na causalidade física.

    Agora estava além da matéria.

    Rugindo as correntes cíclicas além de suas estruturas.

    — E então? — ergueu o punho, próximo o bastante para sentir o calor do pescoço do adversário — Por quê? Você estava na vantagem! Por que não me matou ainda?

    — Hm?

    Quando ergueu o olhar à frente, recebeu um golpe que deveria ser capaz de virar-lhe o rosto.

    Mas… Arthur quebrou o pulso miseravelmente.

    Mesmo naquele estado de força, seus ossos se torceram, e a dor espalhou-se pelo corpo como um pulso, vibrando em cada nervo.

    — Desgraça…

    Mesmo assim, seu olhar não vacilava. Recuou de súbito ao perceber algo impossível: uma estrela nascendo à sua frente.

    O quê?

    Como?

    Virou-se e viu o espaço ao redor se transmutar numa ilha perdida em meio ao mar. As ondas batiam suavemente contra seus pés, embora estivessem flutuando no ar.

    — Posso criar um cenário assim usando a explosão de um astro… — murmurou, maravilhado, quem moldou tudo em um só ato-segundo — Incrível…

    Desvaneceram na areia, carregados pela brisa.

    O mais estranho não era o cenário em si, mas o fato de um ser vil ser capaz de conceber aos céus um azul em tom de pastel.

    Arthur sentiu-se pisar em nuvens, como se o chão tivesse perdido a dureza.

    Os dedos, ao roçarem a areia, encontraram conchas.

    — O quê? — cruzou os dedos, tentando entender.

    — Achei que me unir a essa merda me faria estar além da saudade e do arrependimento! — um sorriso frouxo se abriu em seu rosto — Mas eu ainda sinto…

    — Se arrepende do mal que causou?

    — Não…

    — Então o que tá tentando me dizer, maldito?!

    A veia de sua testa saltou ao ouvir a confissão.

    Cerrou os punhos outra vez, mas errou; o golpe não veio.

    Apenas a distância se impôs, larga o suficiente para caber um ônibus entre eles.

    As ondas, tremulavam como cortinas, reverberando a fúria daquele que desestabiliza o mundo: o homem.

    — …Disso! — sua voz rompeu, pesada de dor — De ser quem sou, e de ter me tornado isto!

    — Irônico ouvir isso… logo de você! Um demônio! Que espécie de ser demoníaco fala assim?

    — Um ser como eu…

    — …C-como você? — sua voz fraquejou.

    — É… E você? Não se arrepende, humano?

    — Talvez… já não sei mais o que é viver ou estar morto — sua voz vacilava — Pode parecer drama… mas… — parou, sufocando a ansiedade que subia como maré. Soltou os punhos, mas manteve os dedos entrelaçados, como se estivesse rezando — Eu preciso saber o que ainda pode ser real! Estar completo, mesmo que essa razão me afunde!

    — E…?

    — Cansei… — sua mão tremia, a quebrada pulsando dor. Seus olhos se ergueram, queimando — Expansio Energiae… Remodelatio Illimitata!

    Expondo seu interior, mostrou ao outro o mundo onde se escondia em sua mente.

    Não criava nada do zero, não era uma expansão infinita sem barreiras.

    As barreiras estavam lá, imóveis, mas sua técnica dissolvia tudo em um espaço sem forma.

    Tudo, num raio de mil metros, tornava-se matéria-prima para sua técnica inata.

    — Esperava algo bonito… divino… mas isto é… cinza… não, escuro! — sua voz vacilava — Eu… odeio o escuro!

    — Eu também!

    Seus olhos sangravam, cada gota um testemunho daquilo que nunca quis domar: a pior parte de si, a escuridão sem sentido da qual dependia.

    Quem ele era?

    Apenas alguém que vingava sua amada e, sem isso, era menos do que qualquer outro exorcista.

    — Eu também odeio quem sou!

    Ao menos… você se ama aqui.

    ÚLTIMO CAPÍTULO ESCRITO AQUI!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota