Capítulo 345 - ontológico
— Uff… — Arthur jogou o braço para trás, e a energia que emanou foi tamanha que o próprio estado da água ao redor se alterou, convertendo-se numa espessa nuvem de gases tóxicos que se elevou como uma cortina — Você… pelas suas palavras… encarnou um estado ao qual odeia, não é?
— Sim — Um passo… não, não era bem um passo; ele simplesmente estava ali.
E, entre seus dedos, o nada se condensou, uma anomalia impossível, uma esfera de pura negação do real.
Matéria e antimatéria coexistindo no mesmo pulso, um paradoxo girando com o brilho de mil sóis prestes a colidir.
— Eu sou a Transformação agora! — proclamou o rei, o olhar inflamado — O que está além do estágio das coisas imutáveis!
— Tô fudido! — disse com uma serenidade absurda, quase blasfema, no instante em que a explosão veio em sua direção, e, contra toda lógica, a freou.
O espaço, antes contínuo e obediente, começou a gritar.
As fronteiras do real tremiam.
Partículas vibravam fora de fase, produzindo um zumbido que atravessava carne, mente e sentido…
À frente, o falso apóstolo do mal ergueu as mãos, não como o guerreiro que era, mas um artesão que costura mundos com o toque.
As veias de luz e trevas convergindo sobre, entrelaçando-se, colidindo, girando em espiral.
E, no ápice da colisão, formava-se uma estrela negra, viva, pulsante, faminta… devorando o ar, o tempo, e o próprio significado de existir.
— Incantatio Expansiva: Dualitas Excidium!
Foi a resposta do ex exorcista .
Enfim, matéria e antimatéria colidiram em seu próprio corpo e foram projetadas adiante, uma onda binária, a aniquilação absoluta do sentido.
Nada sobreviveria: nem átomo, nem ideia, nem silêncio.
Um buraco branco e um buraco negro nasceram no mesmo ponto.
A frente da destruição avançava como um conceito impaciente para existir.
Seu corpo tremulava como vidro prestes a rachar. Mas nos olhos, um reflexo, não de medo, mas de cálculo.
…O que é destruição, senão uma forma extrema de remodelar?
O princípio vence a variação.
A origem vence o fim.
A ideia vence a forma.
O conceito vence o instante.
E foi assim que remodelou o instante final, invertendo o eixo da existência e o dobrando sobre si mesmo, um cosmos caótico, recém-nascido de sua própria ruína.
O fim tornou-se gênese, o colapso, impulso.
Enquanto o instante inicial era condicionado a ser motor contra o agressor, o tempo se fragmentava em uma miríade de espelhos, e dele jorrou uma chuva de espaço-tempos nascentes, cada gota um universo prematuro, cada impacto um eco de mundos ainda não criados.
O ataque não era físico… era ontológico.
Era o próprio tecido da realidade sendo arremessado de volta ao criador.
O impacto foi tão colossal que escapava à matemática.
Não havia escala, não havia número, apenas o abismo.
Mesmo a luz, com toda sua pressa divina, levaria bilhões de anos para atravessar uma fração do vazio que precisou ser contido para não consumir o todo.
— Você é incrível… — murmurou o demônio, observando o caos em expansão.
Mas bastou fechar a mão, e o impossível se reverteu diante de sua nova dimensão de existência: tudo aquilo… o colapso, os universos, a chuva de espaço-tempos foi condensado em uma simples estrela-do-mar que pulsava em sua palma.
— Você consegue remodelar a entropia… e me atacar em um estado além da matéria, literalmente me esmagando com a própria realidade!
Com um sorriso falso, que velejava entre a ironia e admiração.
O reflexo da água diante deles devolvia a imagem daquele cosmos recém-criado, um oceano que espelhava galáxias inteiras em suas ondulações.
— Te custou muita energia?
— Não! — Mentiu o loiro.
O preço de um milagre é sempre o próprio milagreiro.
Suspirava, o ar tremendo ao redor, mas não respondeu. Observava. Calculava.
Num avanço súbito, agarrou o ar,
como se pudesse prender o próprio instante.
Ele é impossível… impossível… impossível!
Pensou, e ainda assim, a dúvida roía; será?
Quando o golpe desceu, o demônio já não estava lá.
Mudava de posição como quem muda de tempo; seus olhos, infinitos em reflexo, viam o que foi, o que é e o que será.
As garras cortaram o vazio, e o mesmo respondeu, vibrando em ecos entre dimensões.
Cada soco era forte o bastante para rasgar o tecido do real, ácido dissolvendo o algodão da existência.
Mas…
Como acertar um ser espacialmente onipresente?
Arthur teria que aprender a lidar com isso…
Como ferir aquilo que está em todos os lugares e em nenhum,
que se move entre os instantes.
O demônio era uma projeção de possibilidades, cada forma que via era apenas uma das infinitas que coexistiam.
E enquanto o exorcista golpeava o espaço, era quem o redefinia.
O impacto foi tão intenso que o ar se solidificou, rendido à pressão, formando ondas que distorciam o espaço.
— Você é esperto…
— Sou! — gritou, lançando o rosto para o alto — Luz…!
— Pinna!
A palavra escapou como um feitiço, e o pulsar da água o arremessou aos céus.
O cenário se torceu, reescrevendo suas próprias leis, e, no exato momento em que se firmava no ar,
tentáculos negros brotaram das costas do ser, atingindo-o com brutalidade no mesmo instante em que as percebeu.
Não havia mais barreiras lógicas,
nem tempo, nem número, nem distância… apenas o confronto entre duas vontades que o próprio universo já não ousava medir.
— Incantatio Expansiva: Sensibus Alternis Mutatis!
O ar vibrou. A realidade tremeu.
Os sentidos se inverteram, o som virou luz, o toque virou lembrança.
E, como todo exorcista, se tornara imune à própria distorção.
Aceitou o destino: ser empalado vivo.
E, na dor transcendental, reverteu o presente em futuro, deslocando o instante como quem quebra o eixo do tempo.
Um céu iluminado se ergueu de sua ruína, a era das estrelas nasceu de seu sangue.
Por meros segundos, a mente de Leviel colapsou sob o peso da quantidade infinita de informações, tempo o bastante para que ele se lançasse às águas.
Semi-morto, afundou.
Mas ela, a superfície fria e serena o acolheu como concreto, recusando-lhe fuga, impondo-lhe vida.
— Ahhhhhhh! — o demônio rugiu, a garganta rasgando cosmos,
criando um impulso cósmico, um grito que atravessava mundos — Ahhhhhhh! — outra vez, o instante primal tentando romper o próprio instante, como se o universo buscasse, em desespero, um novo ponto de partida.
— Desvie disso! — rugiu, cuspindo sangue. Mesmo de joelhos, ergueu o corpo pela força da própria vontade, os dedos se cruzando em um mudra, unindo sua fé e desespero — Reformare ante me!
Foram as últimas palavras que a entidade ouviu.
E o som delas não ecoou…
O chão se abriu em fractais, a luz se curvou, e ao redor se reescreveu… Arthur venceu?
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