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    Na madrugada em que ocorreu o crime, a central da polícia fervilhava como nunca.

    O som dos telefones não parava: campainhas estridentes ecoando pelos corredores, relatórios sendo jogados sobre mesas abarrotadas, vozes sobrepostas, rádio chiando com códigos que até os mais experientes já estavam cansados de decifrar.

    Era um recorde, a cidade inteira parecia gritar ao mesmo tempo.

    — Um rato acabou de matar uma puta na boate Maçã de Lilith… — riu um homem de meia-idade, cabelos grisalhos desgrenhados, a barba malfeita denunciando noites em claro — Será que ele tentou enfiar o crucifixo na vagina dela?

    O riso espalhou-se entre os oficiais como um vírus, cansado e cínico.

    Apenas uma mulher de uniforme, braços cruzados contra o peito, manteve-se séria, olhando-os como se todos estivessem ainda mais podres do que o crime relatado.

    — Haha! Imagina se fosse na sua bunda? — rebateu, revirando os olhos. — O número de assassinatos de pessoas por exorcistas está… aumentando?

    Seu olhar firme recaiu sobre um velho calvo que polia o monóculo com um lenço amarelado. Ao lado dele, um jovem de cabelos longos, jovem demais para estar envolvido com aquela gente, arqueava um sorriso incômodo, como quem ri por obrigação, e não por graça.

    — Está… — respondeu-o, em tom arrastado — Aumentou de doze por cento das mortes por causas sobrenaturais para trinta e um… tudo por causa do foro privilegiado deles…

    A oficial bufou, socando o balcão com impaciência.

    — Maldito Seiji! Por que não temos uma força-tarefa de ratos também?

    Era ingênuo pensar dessa forma.

    O Império já havia calculado cada variável, pesado cada consequência e antevisto cada desvio possível.

    Tudo aquilo que alguém acreditava ser uma ideia original, um lampejo de revolta ou liberdade, já fora previsto, dissecado e engolido por eles muito antes de nascer.

    Assim era o estado.

    — Burra! — retrucou o grisalho, inclinando-se para frente como se a ofensa fosse uma lição — Nenhum desperto seguirá as leis do mundo que abandonou!

    — E como você sabe disso?

    O homem deu de ombros, como quem entrega um segredo que não queria revelar.

    — Meu irmão… é um… minha família… — fez uma pausa, escolhendo as palavras como se fossem pedras — Ser um exorcista é tipo…

    — Ser vegano?

    Ironizou o jovem de cabelos longos.

    — Não, menos extremo… é tipo limpar a bunda com gilete e não se cortar! Mas o dano psicológico é o mesmo!

    Houve um segundo de silêncio, depois um coro de gargalhadas pesadas, misturadas com tosses e palavrões.

    — Wow… você é um idiota até pra explicar!

    Resmungou a oficial, sacudindo a cabeça.

    Nesse instante, o telefone voltou a berrar, estridente, como se quisesse rasgar o ar saturado de fumaça e piadas mórbidas.

    O atendente, com os olhos fundos e a voz cansada de quem já ouvira demais naquela noite, atendeu sem pressa.

    A mensagem foi curta, objetiva, cruel: três exorcistas haviam acabado de morrer.

    O som das campainhas parou de fazer sentido; até o tique-taque do relógio na parede pareceu mais alto.

    Então, inevitável, o verniz se quebrou: alguém pigarreou, outro acendeu um cigarro, tragando fundo como se fosse um brinde.

    — Você vai sangrar, Clark Kent! — resmungou o grisalho.

    As gargalhadas retornaram, abafadas, mas carregadas de um gosto cínico.

    Era como se o luto não tivesse lugar naquele espaço.

    Todos queriam comemorar… não pelos mortos, mas pela confirmação de que até os “santos guerreiros” sangravam como qualquer outro.

    Alguns deles morrem como nós, moscas esmagadas pelo destino.

    Mas esse “nós” não incluía multidões, nem cidades inteiras; restringia-se apenas a mim… e àquilo que, mesmo abominando, ainda me atrevo a chamar de você.

    Esse “nós” era uma prisão, uma cumplicidade forçada, um espelho quebrado em que só restava a imagem daquilo que negávamos ser.

    Assim era a humanidade: um aglomerado de existências frágeis, divididas entre o asco e a necessidade, entre a repulsa e a dependência.

    Vivíamos juntos, mas nunca unidos.

    Morríamos iguais, mas nunca pelo mesmo motivo.

    O resto… você já sabe.

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